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Direito do passageiro: um nicho de ouro na advocacia consumerista.

Você está preparado(a) para atuar nesse tipo de demanda?

04/01/2025 às 10:32

Resumo:


  • O verão no Brasil iniciou em dezembro, com alta temporada de viagens até março.

  • Para a temporada 2024-2025, o Brasil terá 184 mil voos e 29,8 milhões de assentos disponíveis.

  • Problemas comuns no transporte aéreo incluem atrasos, extravio de bagagens e preterição de passageiros.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Alta temporada aérea prevê 184 mil voos, mas problemas como atrasos, extravios e overbooking geram até 15 mil processos. Como a advocacia pode se preparar para essas demandas?

1. O cenário

O verão no Brasil acabou de se iniciar no dia 21 de dezembro, e com ele vem a alta temporada de viagens, que se estenderá pelo menos até meados do mês de março, quando o verão termina oficialmente.

Para a temporada 2024-2025, o Ministério do Turismo anunciou que o Brasil terá 184 mil voos e 29,8 milhões de assentos disponíveis para o verão, o que representa um aumento de 12% em relação ao mesmo período de 2023. (leia aqui).

Se forem considerados os últimos dados levantados pelo CNJ, demonstrando que a cada 100 voos no Brasil, 8 apresentam problemas que se transformam em processos, a projeção é de que, potencialmente, quase 15 mil novos processos aportarão nos tribunais brasileiros em 2025, lembrando que essa perspectiva se refere apenas à temporada de verão, isto é, sem se considerar o total de voos para o ano de 2025.


2. Os potenciais problemas

Contextualizado o cenário, passemos aos problemas mais comumente verificados no transporte aéreo, que geram alta demanda de serviços advocatícios.

2.1. Atrasos e cancelamentos de voos

Segundo levantamento realizado pela Air Help, 3,8 milhões de passageiros foram afetados por cancelamentos de voos em todo o Brasil em 2024 (leia aqui). 

Atrasos e cancelamentos de voos são frequentes, e na maioria dos casos demandam a prestação de assistência material por parte das companhias aéreas, nos termos da Resolução nº 400 da ANAC, o que, todavia nem sempre ocorre ou, ainda que a assistência seja prestada pelo operador aéreo, o consumidor acaba sofrendo danos materiais e morais, obrigando-o a ajuizar ação judicial para as respectivas reparações.

2.2. Extravio e danos a bagagens

Embora o ano de 2024 tenha apresentado uma queda no número de extravios, ainda assim mais de 36 milhões de bagagens foram extraviadas (leia aqui).

A Resolução nº 400 da ANAC também prevê ações por parte das companhias aéreas na ocorrência de extravio de bagagem, mas, igualmente, nem sempre a observância das normas regulatórias é suficiente para compor o dano experimentado pelo consumidor.

Diversas são as situações danosas analisadas pelos tribunais brasileiros envolvendo as consequências do extravio de bagagem. como exemplo, cite-se as seguintes:

  • impossibilidade de utilização de roupas para ocasiões especiais (casamentos, formaturas etc.);

  • exposição a clima frio;

  • impossibilidade de utilização de equipamentos esportivos por atletas;

  • impossibilidade de utilização de medicamentos e equipamentos por pessoa doente.

Nos exemplos citados, observe-se que, mesmo na hipótese de devolução da bagagem extraviada pela companhia aérea, o dano já terá se concretizado e, caso não haja composição entre consumidor e companhia aérea na via administrativa, o ajuizamento de ação judicial será inevitável.

2.3. Preterição de passageiro

Outro problema comum em viagens aéreas é a preterição de passageiro, que pode ocorrer devido à prática de overbooking, overload (excesso de peso da aeronave que obriga a cia. aérea a retirar passageiros e reacomodá-los em outros voos) ou substituição de aeronave (troca de um avião com maior capacidade de passageiros por um de menor capacidade) ou reestruturação de malha aérea.

O overbooking é assim conceituado por Álvaro Souza:

"Podemos denominar como overbooking a consciente atividade de contratar do transportador aéreo que exorbita de sua real e efetiva capacidade de proporcionar acomodamento a todos os passageiros numa determinada aeronave em determinado vôo, culminando com a exclusão de alguns deles. Em outras palavras, a empresa de transporte aéreo, mesmo ciente de que celebra contratos de consumo com contigente de pessoas superior à capacidade de ocupação da aeronave, aceita o risco de vir a causar frustrações à legítima expectativa dos consumidores de embarcar no vôo contratado, almejando, com isso, reduzir a taxa de desistência e aumentar seu lucro."

(SOUSA, Álvaro. 27. Overbooking: responsabilidade civil do transportador aéreo à luz do Código de Defesa do Consumidor - Capítulo 4 - Práticas Comerciais Abusivas In: MARQUES, Claudia; MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor: proteção da confiança e práticas comerciais. São Paulo (SP): Editora Revista dos Tribunais. 2011. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/direito-do-consumidor-protecao-da-confianca-e-praticas-comerci .... Acesso em: 10 de Agosto de 2023).

Evidentemente, trata-se de prática comercial abusiva à luz das normas consumeristas, e frequentemente produz danos, como abaixo exemplificado:

  • perda de um dia ou mais de passeio durante viagem turística;

  • perda de um dia ou mais de trabalho;

  • perda de negócio;

  • perda de tratamento de saúde;

  • perda de concurso público;

  • perda de espetáculos esportivos, musicais, teatrais etc;

Novamente, note-se que as situações acima exemplificadas dificilmente alcançarão solução jurídica adequada ou satisfatória pelas vias administrativas, obrigando o passageiro a buscar reparação na esfera judicial.

2.4. Transporte de animais

Dados divulgados pelo Ministério de Portos e Aeroportos apontam que cerca de 80 mil animais são transportados anualmente no Brasil (leia aqui) e Weiser (leia aqui), e outros não tão trágicos, mas que, igualmente, causaram enorme sofrimento aos tutores do animal: o desaparecimento da cadela Pandora por mais de 1 mês (leia aqui) e dos cães deo brasileiro João Paulo da Costa, no aeroporto de Istambul (leia aqui).

O transporte de cães e gatos em aeronaves não é novidade; há anos as companhias aéreas os admitem em seus voos, mediante pagamento da respectiva tarifa, e desde que o respectivo tutor atenda à determinadas exigências dos operadores aéreos e das autoridades aeroportuárias, relacionadas às condições de saúde e temperamento do animal, bem como de ordem sanitária.

Todavia, não faz muito tempo que o Poder judiciário brasileiro começou a enfrentar outro tipo de demanda: o transporte aéreo de animais de outras espécies, como hamsters (leia aqui), coelhos (leia aqui) e furões (leia aqui), que não estão contemplados nas regras de transporte definidas pelas companhias aéreas, mas que, a depender do caso, podem ser obrigadas a transportá-los, especialmente quando se tratar de um anima de suporte emocional.


3. A solução jurídica

Para a resolução dos principais problemas relacionados nos tópicos acima, é imprescindível que o profissional da advocacia domine uma série de conhecimentos que vão muito além do que pesquisas no Google ou utilização de IA oferecem, pois uma das características marcantes do Direito do Consumidor é sua multidisciplinaridade.

Dito de outro modo, diante de uma demanda consumerista - especialmente demandas que envolvam direitos do passageiro -, é exigido do profissional da advocacia que este conheça não só as normas do Código de Defesa do Consumidor, mas também as normas regulatórias da Agência Nacional de Aviação civil (ANAC), os tratados internacionais que regulam o transporte aéreo internacional (Convenção de Varsóvia e Convenção de Montreal), o Código Brasileiro de Aeronáutica e as normas gerais do Código Civil relacionadas ao contrato de transporte.

Mas não é só isso. Além de conhecer as normas acima citadas, é necessário que se saiba aplicá-las corretamente, utilizando-se a teoria do diálogo das fontes, consagrada no Brasil a partir dos estudos da professora Claudia Lima Marques:

“É o atual e necessário ‘diálogo das fontes’ (dialogue de sources), a permitir a aplicação simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas convergentes. ‘Diálogo’ porque há influências recíprocas, ‘diálogo’ porque há aplicação conjunta das duas normas ao mesmo tempo e ao mesmo caso, seja complementarmente, seja subsidiariamente, seja permitindo a opção voluntária das partes sobre a fonte prevalente (...) ou mesmo permitindo uma opção por uma das leis em conflito abstrato. Uma solução flexível e aberta, de interpretação ou mesmo a solução mais favorável aos mais fracos da relação (tratamento diferente dos diferentes)”.

(MARQUES. Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 24-25)

Exemplos prático de aplicação da teoria do diálogo das fontes no transporte aéreo de passageiros podem ser identificados na jurisprudência dos nossos tribunais superiores. No julgamento do Tema 210, tendo como leading case o RE 636331, e reconhecendo-se a repercussão geral do tema, o STF, em decisão publicada no DJE em 26/05/2017 firmou a seguinte tese: 

"Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor. O presente entendimento não se aplica às hipóteses de danos extrapatrimoniais".

Porém, o próprio STF, em diversos julgamentos posteriores, fez a ressalva de que as normas contidas nos tratados internacionais não se aplicam às pretensões envolvendo pedidos de compensação por dano moral. A esse respeito, confira-se o RE 1306367 (Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 09/02/2021), o RE 1293093 (Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 05/03/2021) e o ARE 831102 (Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 11/03/2019).

No âmbito do STJ, já tivemos a oportunidade de comentar sobre decisão proferida pela Quarta Turma daquele tribunal no julgamento do  REsp. 1.281.090/SP, em que foi sufragado o entendimento no sentido da prevalência do Código de Defesa do Consumidor sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica (leia aqui).

Seguindo, outro aspecto importantíssimo da relação de consumo a ser considerado é o sistema de responsabilidade civil consagrado pelo CDC, em que o fornecedor, via de regra, responde objetivamente pelos danos causados ao consumidor no fornecimento de produtos ou serviços, sendo reduzidíssimas as hipóteses em que se reconhecerá alguma excludente de responsabilidade civil.

Nesse sentido, é imprescindível que o profissional da advocacia compreenda e saiba aplicar adequadamente conceitos como consumidor por equiparação, fortuito interno e fortuito externo, dano in re ipsa, consumidores hipervulneráveis. Veja-se abaixo algumas hipóteses encontradas na jurisprudência:

Consumidor por equiparação:

RECURSO ESPECIAL. ACIDENTE AÉREO. VÍTIMAS EM SUPERFÍCIE. RESPONSABILIDADE CIVIL. TEORIA OBJETIVA. RISCO DA ATIVIDADE. TRANSPORTE DE PESSOAS. TRANSPORTE AÉREO. CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁUTICA. EXPLORADORES DO SERVIÇO DE TRANSPORTE AÉREO. PROPRIETÁRIOS, POSSUIDORES E ARRENDATÁRIOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REVISÃO. SÚMULA N. 7/STJ. 1. A teoria objetiva preceitua que a culpa não será elemento indispensável ou necessário para a constatação da responsabilidade civil, retirando o foco de relevância do culpado pelo dano para transferi-lo para o responsável pela reparação do dano. A preocupação imediata passa ser a vítima e o reequilíbrio do patrimônio afetado pela lesão. O fato danoso, e não o fato doloso ou culposo, desencadeia a responsabilidade. 2. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo, e haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (art. 927, parágrafo único, do CC/2002). 3. A responsabilidade civil objetiva fundada no risco da atividade configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade (atividade habitual que gere uma situação de risco especial). 4. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade (art. 734. do CC/2002): responsabilidade objetiva imposta ao transportador fundada no risco da atividade. 5. O Código Brasileiro de Aeronáutica ( CBA) disciplina as relações havidas na prestação daquele serviço e, nos termos da jurisprudência do STJ, a responsabilidade do transportador aéreo é, em regra, objetiva. 6. O CBA assevera que os exploradores da aeronave serão os responsáveis pelos danos diretamente ligados ao exercício da atividade de transporte aéreo (art. 268). 7. É operador ou explorador de aeronave o proprietário ou quem a use diretamente ou por meio de seus prepostos, quando se tratar de serviços aéreos privados, assim como o arrendatário que adquiriu a condução técnica da aeronave arrendada e a autoridade sobre a tripulação (art. 123. do CBA, na redação vigente à época dos fatos destes autos). Pode, igualmente, ser considerado explorador a pessoa jurídica concessionária ou autorizada, em relação às aeronaves que utilize nos respectivos serviços, pouco importando se a título de propriedade ou de possuidor, mediante qualquer modalidade lícita. 8. Na hipótese, os recorrentes, possuidores da aeronave acidentada, são considerados exploradores e, nessa condição, responsáveis pelos danos provocados a terceiros em superfície. 9. O terceiro vítima de acidente aéreo, tripulante ou em superfície, e o transportador são, respectivamente, consumidor por equiparação e fornecedor. 10. O fato de o serviço prestado pelo fornecedor ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo "mediante remuneração", contido no art. 3º, § 2º, do CDC, deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor. 11. A teoria da aparência legitima o ajuizamento da ação de ressarcimento dos danos pelo defeito do serviço contra o aparente responsável, ainda que outros sujeitos houvessem de ser responsabilizados. 12. A responsabilidade pela prestação defeituosa do transporte aéreo, porque ancorada também nas normas de direito consumerista, será solidariamente repartida entre todos os fornecedores do serviço, no caso todos os que se enquadrarem no conceito de explorador e, por óbvio, desde que tenham sido demandados. 13. Para o deferimento do pedido de denunciação da lide, é necessário que o litisdenunciado esteja obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar a parte vencida, em ação regressiva, sendo vedado, ademais, introduzir fundamento novo no feito, estranho à lide principal (art. 70, III, do CPC). 14. É expressamente vedada a denunciação da lide nas ações derivadas de relações de consumo (art. 88. do CDC) 15. A revisão da indenização por danos morais apenas é possível na hipótese de o quantum arbitrado nas instâncias originárias se revelar irrisório ou exorbitante, sob pena de se contrariar o enunciado da Súmula n. 7. desta Corte. 16. Recursos especiais não providos.

(STJ - REsp: 1984282 SP 2021/0328897-5, Data de Julgamento: 16/08/2022, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/11/2022)

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Fortuito interno. Atraso de voo ocasionado por tráfego aéreo intenso:

“JUIZADOS ESPECIAIS. CONSUMIDOR. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE AÉREO. ATRASO EM VOO. TRÁFEGO AÉREO INTENSO. FORTUITO INTERNO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1. A alegação de que o atraso no voo ocorreu devido ao intenso tráfego aéreo é considerada hipótese de fortuito interno, relacionado à organização dos serviços e aos riscos da atividade, o que não afasta a responsabilidade pela violação a direitos da personalidade, ensejando a reparação pelo dano causado. 2. A falha na prestação de serviços contratados gerou constrangimentos à parte autora no tocante ao atraso do voo de conexão para Montevideo-Uruguai, por 12 (doze) horas, sem a mais adequada assistência pela companhia aérea responsável. Sendo assim, a recorrente deve responder objetivamente pelos danos causados à requerente, consoante disposto no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. 3. O dano moral, para que se faça indenizável, deve infundir à pessoa lesão à sua imagem, hábil a deixar sequelas que se reflitam de forma nociva em seu dia a dia. Diante disso, verifico que de fato houve grave lesão à pessoa, à sua imagem e à sua personalidade, capaz de ensejar a condenação por danos morais. 4. Portanto, correta a condenação da empresa recorrente ao pagamento de danos morais decorrentes do desgaste ao qual foi submetido a recorrida, devendo ser mantido o valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) arbitrado em primeira instância”

(TJDFT, Recurso Inominado 07164304420158070016, Segunda Turma Recursal, Rel. João Luis Fischer Dias, DJ 22/03/2016).

Fortuito externo. Fechamento de aeroporto pela autoridade aeroportuária:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO E FALTA DE FUNDAMENTOS NO JULGADO DO TRIBUNAL DE ORIGEM. INEXISTÊNCIA. CONTRATO. APRESENTAÇÃO ARTÍSTICA. SHOW MUSICAL. INADIMPLEMENTO. CANCELAMENTO DO VOO EM VIRTUDE DE TER SIDO DETERMINADO O FECHAMENTO DO AEROPORTO PELA AUTORIDADE AERONÁUTICA. CONDIÇÕES CLIMÁTICAS PROIBITIVAS. FORTUITO EXTERNO E NÃO INTERNO. CONCLUSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO TOMADA COM BASE NO CONTRATO E NAS PROVAS DO AUTOS. REJULGAMENTO POR ESTE COLEGIADO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 5 E 7/STJ. UTILIZAÇÃO DESTA CORTE COMO TERCEIRA INSTÂNCIA REVISORA. DESCABIMENTO. DISSÍDIO INVIABILIZADO. (...) 3. Arrimado o julgado objeto do recurso especial nas provas dos autos e nas cláusulas do contrato entabulado entre as partes para concluir que houve fortuito externo e não interno no caso concreto, a revisão desse entendimento, na via eleita, é descabida, pois encontra óbice nas Súmulas 5 e 7 desta Corte. 4. Aplicados esses óbices sumulares, fica, em consequência, inviabilizado o pretendido dissento jurisprudencial, ainda mais se, como na espécie, limitam-se as razões do recurso à mera transcrição de ementas, sendo certo ainda que os arestos trazidos a título de paradigma a tal não se prestam, dada a ausência de similitude fática. 5. Agravo interno não provido.

(STJ - AgInt no AREsp: 1949076 SP 2021/0234630-2, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 21/03/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/03/2022)

Dano “in re ipsa” – perda de funeral:

RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRANSPORTE AÉREO. ATRASO DE MAIS DE 06 (SEIS) HORAS PARA CHEGADA AO DESTINO. PERDA DA POSSIBILIDADE DE COMPARECER AO FUNERAL DO GENITOR. DANO MORAL RECONHECIDO EM SENTENÇA. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM R$6.000,00 (SEIS MIL REAIS) QUE COMPORTA MAJORAÇÃO PARA R$10.000,00 (DEZ MIL REAIS). SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

(TJ-PR - RI: 0013582-17.2022.8.16.0021 Relator: Bruna Richa Cavalcanti de Albuquerque, Data de Julgamento: 13/03/2023, 1ª Turma Recursal, Data de Publicação: 14/03/2023)

Cancelamento de voo – Consumidores hipervulneráveis (menores):

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO INDENIZATÓRIA - CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO - CANCELAMENTO DE VOO DOMÉSTICO - CONDIÇÕES CLIMÁTICAS ADVERSAS - AUSÊNCIA DE PROVA - FALTA DE INFORMAÇÕES ADEQUADAS - FALHAS NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DA COMPANHIA - PREJUÍZO MORAL CONFIGURADO - CRITÉRIOS DE ARBITRAMENTO - MENORES HIPERVULNERÁVEIS - AGRAVAMENTO. - Nos termos do art. 14, do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade da Transportadora aérea é objetiva - O cancelamento de voo programado, por tempo superior a 4 (quatro) horas em relação ao horário originalmente contratado, que não decorre comprovadamente de força maior, aliado à falta de informação que deveria ser prestada aos Passageiros, e, ainda, à realização de parte do trajeto da viagem pela via terrestre, quando a contratação era exclusivamente aérea, legitimam a condenação da Companhia Aérea ao pagamento de indenização por danos morais - Não podem ser desconsideradas as singularidades da pessoa em litígio, com destaque para as restrições inerentes às condições de hipervulneráveis dos Demandantes, por serem menores, fatos que contribuem para o agravamento da lesão extrapatrimonial sofrida - Segundo os critérios de proporcionalidade e razoabilidade, o valor reparatório não pode servir como fonte de enriquecimento da ofendida, nem consubstanciar incentivo à reincidência do responsável pela prática do ilícito. A indenização por danos morais também deve ser arbitrada de acordo com os parâmetros consolidados pela Jurisprudência e com observância aos conteúdos dos arts. 141. e 492, ambos do CPC.

(TJ-MG - AC: 50002363420228130105, Relator: Des.(a) Roberto Vasconcellos, Data de Julgamento: 26/04/2023, 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 27/04/2023)

Outro conhecimento muito importante a ser dominado por advogadas e advogados que desejam atuar em demandas envolvendo direitos do passageiro diz respeito ao instituto da inversão do ônus da prova.

Em minha prática jurídica, frequentemente vejo colegas formulando, de forma atécnica, requerimento de inversão do ônus probatório em situações que dispensam essa intervenção do juiz, e as ações envolvendo direitos do passageiro aéreo se enquadram nessa situação.

Explico.

A inversão do ônus da prova nas relações de consumo ocorre de duas formas:

a) inversão ope judicis (a critério do juiz), com fundamento no no inciso VIII do art. 6º do CDC e

b) inversão ope legis (por força da lei), com fundamento no § 3º do art. 12, no § 3º do art. 14. e no art. 38, todos do CDC.

A distinção é importante, pois a inversão ope judicis (a critério do juiz) não é automática. Nesses casos, o consumidor precisa dispor de alguma prova mínima que convença o juiz de que as alegações expostas na petição inicial são verossímeis ou que o consumidor está hipossuficiente para produzir a prova de que necessita. Ou seja, existem requisitos alternativos para que o juiz inverta o ônus da prova em favor do consumidor.

Por sua vez, a inversão do ônus da prova ope legis (por força da lei) não demanda a demonstração de verossimilhança ou hipossuficiência do consumidor, pois a própria lei já determina que o fornecedor produza a prova da excludente de responsabilidade.

As ações envolvendo pretensão de reparação de danos causados a passageiros aéreos se submetem ao regime do art. 14. do CDC, sendo que o § 3º do dispositivo prevê:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

(...)

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Perceba-se, então, que a lei (CDC) já determina que o fornecedor somente se livrará de indenizar o consumidor "quando provar" (aí está a inversão do ônus da prova) a inexistência de defeito do serviço ou que o dano foi produzido pelo próprio consumidor. Por isso se mostra atécnico o requerimento de inversão com fundamento no inciso VIII do art. 6º do código nesse tipo de ação.

Então, como o advogado deve proceder?

Nesses casos, basta inserir um tópico na petição inicial com a seguinte redação sugerida (fique à vontade para desenvolver o seu texto):

Meritíssimo Juiz, considerando-se que a pretensão autoral envolve defeito na prestação do serviço, deverá ser analisada à luz do art. 14 do CDC, cujo § 3º prevê que a prova de eventual excludente de responsabilidade civil deverá ser produzida pelo fornecedor.

Sendo assim, requer-se que V. Exa. advirta o fornecedor, ora demandado, a respeito do que expressamente prevê o dispositivo em referência.

Para encerrar, uma última observação sobre as excludentes de responsabilidade civil previstas no CDC: embora o código não preveja expressamente, doutrina e jurisprudência sinalizam que o caso fortuito e a força maior também devem ser admitidas como excludentes de responsabilidade civil do fornecedor. Nesse sentido:

“A regra no nosso direito é que o caso fortuito e a força maior excluem a responsabilidade civil. O Código, entre as causas excludentes de responsabilidade, não os elenca. Também não os nega. Logo, quer me parecer que o sistema tradicional, neste ponto, não foi afastado, mantendo-se, então, a capacidade do caso fortuito e da força maior para impedir o dever de indenizar”.

(BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 7ª edição. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2016, p. 187).

Esse entendimento é seguido pela jurisprudência, de forma majoritária.


4. Conclusão

Para concluir, três fatores merecem sua atenção como profissional da advocacia:

I - os números expostos no tópico que inicia este artigo demonstram que o número de passageiros transportados durante o período da alta temporada de férias é expressivo e, conjugados com as estatísticas sobre problemas no transporte aéreo constantes no mesmo tópico, sinalizam que haverá muitos problemas;

II - Segundo levantamento da OAB-SP, o Direito do Consumidor é o ramo que melhor remunera a advocacia no Brasil, com percepção média de R$ 10,7 mil/mês (leia aqui) e

III - o número de advogadas e advogados que estão efetivamente preparados para atuar (com excelência) em demandas relacionadas a direitos do passageiro ainda é incrivelmente pequeno. Então, vale investir nesse tipo de conhecimento, seja para iniciar na advocacia, seja para absorver esse nicho em seu escritório.

Espero que você tenha gostado desse conteúdo. Se gostou, compartilhe com seus colegas.

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Sobre o autor
Vitor Guglinski

Advogado. Especialista em Direito do Consumidor e Direito do Passageiro.Advogado. Especialista em Direito do Consumidor e Direito do Passageiro. Professor de cursos de graduação, pós-graduação e preparatórios para concursos públicos. Diretor de Comunicação do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon). Ex-assessor jurídico do TJMG. Coautor e organizador de diversas obras coletivas de Direito do Consumidor. Coordenador da Escola Superior de Advocacia da 6ª Subseção da OAB-MG (Cataguases). Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-MG (2022-2024). Membro da Comissão de Responsabilidade Civil da OAB-RJ (2022-2024).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUGLINSKI, Vitor. Direito do passageiro: um nicho de ouro na advocacia consumerista. : Você está preparado(a) para atuar nesse tipo de demanda?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7857, 4 jan. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/112378. Acesso em: 6 jan. 2025.

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