5. Conclusão
Extrai-se das lições apresentadas ao longo desta investigação que apenas a aplicação de ações afirmativas, nos casos de injustiças bivalentes, como demonstrado, não será suficiente para corrigir a complexidade e a profundidade destas situações a longo prazo. Muitas vezes, tratar-se-ão de medidas paliativas, sendo necessário, também, o tratamento por meio de ações transformativas, que visem a efetivamente modificar a estrutura cultural-valorativa que permeia as injustiças encontradas.
A regulamentação e a implementação de políticas de ações afirmativas e transformativas, à luz do que pontuou Fraser, portanto, ainda que meramente da forma como já prevista e positivada nas normas internas, tratados internacionais e documentos norteadores da atenção à mulher presa, possibilitam que estas duas necessidades, reconhecimento e redistribuição, sejam acolhidas e, ao menos, fomentadas, de forma a promover às mulheres encarceradas a efetividade da igualdade prevista nos tratados internacionais de direitos humanos e na própria Constituição Federal.
Partindo da premissa de que os Tratados Internacionais de Direitos Humanos Firmados pelo Brasil, a Constituição Federal e a Lei de Execuções Penais preveem que devem ser garantidos às pessoas presas os direitos humanos e fundamentais, especialmente o núcleo duro da dignidade humana, exsurge a necessidade de que sejam adotadas medidas à promoção daqueles direitos e garantias necessários a concretização destas previsões.
Embora a Lei de Execuções Penais preveja como principais finalidades da execução penal a efetivação da condenação criminal e a oferta de condições para a harmônica integração social da condenada e da internada, disciplinando, ainda, que será oferecida assistência social e à saúde, esta não é a realidade atual da maior parte do sistema carcerário brasileiro. Essa triste realidade foi constatada por meio das informações constantes das estatísticas coletadas pelo Departamento Nacional Penitenciário.
Conforme demonstrado, a prestação dos serviços de atendimento à saúde psíquica e às necessidades sociais às presas abordadas para esta pesquisa não vem ocorrendo de forma adequada às especificidades características deste grupo vulnerável, demandando a implementação de medidas aptas a minorarem esta condição. Através de uma compreensão das concepções de redistribuição e reconhecimento, foi observada a necessidade de adoção de ações afirmativas e transformativas que possibilitem alterar o cenário de injustiça contra a mulher encarcerada.
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Abstract: This study aims to substantiate the analysis of social injustices observed in incarcerated women, based on the doctrinal notions of recognition and redistribution, in the light of Nancy Fraser (2006), who concludes that affirmative and transformative actions must be taken to equalize this condition in which the prisoners are inserted. This is a bibliographic frame from a dissertation that culminates in the intention of proposing strategies to mitigate the social injustices suffered by the group in question, through the realization of the ideals of human dignity related to the rights to social assistance and the health of women imprisoned in Brazil. It is concluded that the implementation of measures that enable the transformation of their reality is urgent, aiming social equality.
Key words : Human rights; Material equality; Incarcerated women; Public policies.