Resumo: O presente texto tem por finalidade precípua analisar o entendimento da Súmula Vinculante nº 13, do Colendo Supremo Tribunal Federal, no que tange à nomeações de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo em comissão de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Palavras-chave: Nomeação; cônjuges; companheiro; parentes; nepotismo; órgãos; públicos; princípios; moralidade; ofensa.
No começo da era cristã, aqueles que fossem parentes dos papas tinham privilégios no que tange a administração pública durante o Império Romano ou com cargos que tivessem relação com o clero. E foi a partir de então que se começou a usar o termo nepotismo para designar quando parentes eram favorecidos na administração pública.1
Essa prática secular e odiosa de políticos nomearem cônjuges, companheiros, parentes e amigos para ocuparem cargos de confiança na administração pública tem ganhado proporções alarmantes no Brasil; uma verdadeira onda avassaladora de casos execráveis; prática odiosa e ignóbil; comportamentos de políticos profissionais que fazem da política um projeto de poder; uma extensão de sua família; algo que tem chamado a atenção da sociedade brasileira na tentativa de instituir um mínimo ético na gestão pública, moralizando, destarte, essas nomeações irresponsáveis. A cada dia, novos escândalos emergem, evidenciando comportamentos altamente censuráveis que afrontam a moralidade pública.
Embora proibida pela Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal (STF), a prática do nepotismo encontra brechas legais que permitem interpretações favoráveis à nomeação para cargos políticos.
Nos bancos das faculdades de Direito, logo nos primórdios acadêmicos aprende-se que um ato administrativo deve ser legal, moral e convincente. Além disso, a Constituição Federal, no artigo 37, estabelece os princípios da administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Mas será que nomear cônjuges, irmãos, pais ou outros parentes é, ao mesmo tempo, uma conduta legal, moral e convincente?
Infelizmente, no Brasil, o “encontro de contracheques” tornou-se uma prática comum em um cenário de escândalos de corrupção e desvios éticos. Quando o eleitor escolhe um representante, ele não vota nos parentes do político, muitas vezes desprovidos de compromisso social. Esse tipo de nepotismo afronta a meritocracia e desafia os órgãos de controle, comprometendo a confiança pública nas instituições.
Modalidades de Nepotismo
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Nepotismo direto: Quando um gestor público ou privado contrata ou nomeia diretamente um parente para uma posição.
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Nepotismo cruzado: Quando autoridades em posições de poder favorecem reciprocamente os parentes umas das outras, burlando restrições legais.
Consequências do Nepotismo
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Prejuízo à meritocracia: Profissionais qualificados são preteridos, desmotivando outros servidores e prejudicando a eficiência do setor público.
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Desempenho insuficiente: Nomeações baseadas em laços pessoais, e não em competências, comprometem a qualidade dos serviços públicos.
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Desconfiança pública: O nepotismo enfraquece a credibilidade das instituições e a confiança da sociedade nos líderes.
Reflexões Finais
A famosa frase “ninguém pode nomear para um cargo comissionado quem não pode exonerar” ilustra bem o conflito ético dessa prática. A exoneração de um parente, por exemplo, pode gerar consequências pessoais ou políticas indesejadas, o que reforça o caráter antiético dessa conduta. A exoneração, conforme for o grau de parentesco do político com o exonerado pode afetar, inclusive, a paz espiritual nas intimidades do lar, abalar os prazeres da concupiscência, influenciar, negativamente, nas relações diárias, ferindo frontalmente a proteção constitucional da família, a teor do artigo 226 da Magna Carta.
No Brasil, o nepotismo no setor público é vedado pela Súmula Vinculante nº 13 do STF, que proíbe peremptoriamente a nomeação de parentes até o terceiro grau para cargos comissionados ou funções de confiança. Porém, há exceções para cargos políticos, como ministros ou secretários, uma lacuna que ainda carece de regulamentação mais rigorosa.
Muitas vezes, essas nomeações são justificadas pela ausência de oportunidades para os parentes dos políticos, mas, na prática, servem ao fisiologismo e a compromissos políticos firmados durante campanhas eleitorais. Essa lógica alimenta a perpetuação de um sistema cruel, assaz reprovável, que favorece interesses pessoais em detrimento do bem comum e da transparência.
O gestor público só pode agir dentro dos limites impostos pela legalidade estrita, ou seja, aquilo que a lei permite. Aliás, o princípio da legalidade é secular, com inspiração do artigo 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, o qual preconiza, in verbis:
"A liberdade consiste em fazer tudo aquilo que não prejudica a outrem; assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites que os que asseguram aos membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos. Esses limites somente podem ser estabelecidos em lei".
Nesse sentido, lúcida é a explicação de Botelho, quando aborda o Direito Administrativo do Medo, enfatizando que o agente público “deve agir para aumentar o grau de eficiência e segurança jurídica nas suas ações e diminuir o ofuscamento da caneta, que mesmo trêmula, com tinta vacilante, deve assinar com austeridade os procedimentos administrativos na certeza de estar atuando para o pleno atendimento das políticas públicas. Se não houver condições de clarear o apagão das canetas, que ao menos haja condições para diminuir as incertezas de suas decisões.”
O agente público deve ser um servidor superdotado para fazer gestão de risco e projetar suas ações para o futuro; deve pensar para além do seu tempo; deve ter a sapiência de avaliar os riscos da função pública; destarte, gerenciar riscos é ter a capacidade de identificar situações que afetam os negócios a partir de uma previsão projetada para o futuro, agregando a evolução tecnológica, financeira e cronológica antes que elas aconteçam, com o objetivo de otimizar a melhor decisão que atenda ao interesse público, com os olhos voltados para o atendimento da supremacia da coletividade. Nessa toada, torna-se imperioso adotar métodos com técnicas de análise e gestão de riscos que sejam adequadas para um determinado negócio. Tudo isso justifica a tomada de decisão do gestor público, observando rigorosamente os cânones do artigo 30 da LINDB, segundo os quais, as autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas. Assim, deve agir para aumentar o grau de eficiência e segurança jurídica nas suas ações e diminuir o ofuscamento da caneta, que mesmo trêmula, com tinta vacilante, deve assinar com austeridade os procedimentos administrativos na certeza de estar atuando para o pleno atendimento das políticas públicas. Se não houver condições de clarear o apagão das canetas, que ao menos haja condições para diminuir as incertezas de suas decisões.2
Não existe norma no Brasil que obrigue ou justifique a nomeação de parentes para cargos públicos. A prática, apesar de ser legal em determinados casos, é imoral e compromete a confiança social, a transparência e a eficiência da administração pública.
Portanto, o nepotismo, em suas diversas formas, não é apenas uma afronta à Constituição, mas também um desrespeito ao cidadão, que paga o preço com seus impostos por um sistema ineficiente e corrompido por interesses particulares.
Por fim, trata-se de grave violação ao princípio da moralidade administrativa, aliás, violar um princípio é insurgência contra todo o sistema de comandos, e a teor dos ensinamentos de Rabelo Viegas3, citando autores consagrados, pode concluir que a violação de um princípio significa a morte presumida do mal gestor público que se aventura vorazmente em fazer administração pública.
Nesse sentido acentua Celso Antônio Bandeira de Mello que princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que ser irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a Tônica que lhe dá sentido harmônico. Adverte o autor que violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos.
Para Josef Esser, princípios são aquelas normas que estabelecem fundamentos para que determinado mandamento seja encontrado. Mais do que uma distinção baseada no grau de abstração da prescrição normativa, a diferença entre os princípios e as regras seria uma distinção qualitativa. O critério distintivo dos princípios em relação às regras seria, portanto, a função de fundamento normativo para a tomada de decisão. Seguindo o mesmo caminho, Karl Larenz define princípios como normas de grande relevância para o ordenamento jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos para a interpretação e aplicação do direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente, normas de comportamento.
Consoante Robert Alexy princípios são normas que ordenam algo que, relativamente às possibilidades fáticas e jurídicas, seja realizado em medida tão alta quanto possível. Princípios são, segundo isso, mandamentos de otimização, assim caracterizados pelo fato de a medida ordenada de seu cumprimento depender não só das possibilidades fáticas, mas também das jurídicas. Por derradeiro, na lição de Canotilho, princípios são normas jurídicas impositivas de uma otimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionamentos fácticos e jurídicos. Para o mestre português, os princípios se distinguem das regras pelo fato destas últimas serem “normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõe, permitem ou proíbem) que é ou não cumprida”.
A moralidade administrativa é um princípio fundamental que rege a atuação da administração pública, determinando que seus agentes devem agir de forma ética, transparente e em conformidade com os valores morais, além de obedecer às leis. Está expressamente prevista no artigo 37 da Constituição Federal de 1988, que exige dos gestores públicos não apenas o respeito à legalidade, mas também o compromisso com padrões de conduta íntegros, evitando abusos de poder, desvios de finalidade e atitudes que prejudiquem o interesse público.
A moralidade administrativa ultrapassa o cumprimento literal da lei. Um ato pode ser legal, mas imoral se contrariar os princípios éticos e o bem comum. Por exemplo, nomear parentes para cargos públicos pode ser considerado imoral mesmo que, em alguns casos, seja tecnicamente legal. A moralidade administrativa é essencial para consolidar a confiança entre a sociedade e a administração pública. Ela assegura que o poder seja exercido em prol da coletividade e não para atender interesses pessoais ou corporativos. Sem ela, há um enfraquecimento das instituições democráticas e do próprio estado de direito, abrindo espaço para corrupção e desrespeito aos direitos fundamentais. Embora seja um princípio basilar, a moralidade administrativa enfrenta desafios na sua efetivação, como a resistência cultural a mudanças éticas, a falta de punições rigorosas e a dificuldade em diferenciar atos apenas ilegais de atos imorais. Cabe à sociedade, ao Judiciário e aos órgãos de controle unirem esforços para que a moralidade administrativa seja mais do que um ideal: seja uma realidade.
Portanto, a prática do nepotismo é mais do que um desrespeito à Constituição: é um atentado à sociedade, que paga o preço por um sistema ineficiente e corrompido por interesses privados. Urge uma reforma ética e normativa para eliminar essa prática danosa e garantir uma administração pública transparente, eficiente e voltada ao bem comum.
Referências
BOTELHO, Jeferson. Direito Administrativo do medo. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/100631/direito-administrativo-do-medo>.
BRASIL. Constituição da República de 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 15 de janeiro de 2025.
BRASIL. Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/sumariosumulas.asp?base=26&sumula=1227>. Acesso em 15 de janeiro de 2025.
BRASIL. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Disponível em: <https://emporiododireito.com.br/leitura/a-declaracao-dos-direitos-do-homem-e-do-cidadao-de-1789>. Acesso em 15 de janeiro de 2025.
VIEGAS. Cláudia Maria de Almeida. A distinção entre Normas e Princípios. Disponível em <https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/a-distincao-entre-normas-e-principios/>. Acesso em 15 de janeiro de 2025.
Notas
1 Conceito de nepotismo. Disponível em: <https://conceito.de/nepotismo>. Acesso em 15 de janeiro de 2025, às 11h57min.
2 BOTELHO, Jeferson. Direito Administrativo do medo. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/100631/direito-administrativo-do-medo>.
3 VIEGAS. Cláudia Maria de Almeida. A distinção entre Normas e Princípios. Disponível em: <https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/a-distincao-entre-normas-e-principios/>. Acesso em 15 de janeiro de 2025.