7. DA INVIOLABILIDADE DO ADVOGADO
Dispõe o novo Estatuto da advocacia no § 2º do artigo 7º que: "O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer."
Trata-se na hipótese da concessão aos advogados de imunidade material no exercício da profissão. A inviolabilidade em questão não é tão ampla quanto a imunidade deferida pela lei aos parlamentares, visto que a imunidade dos advogados só poder ser invocada no exercício da advocacia, em juízo ou fora dele, não estando condicionada à autorização de quem quer que seja para que o advogado seja processado por crime comum.
A imunidade dos advogados está assegurada apenas com relação às expressões e linguagem quando manifestadas "propter officium".
Em verdade, o novo Estatuto da advocacia estabeleceu uma causa excludente da antijuridicidade; logo, constitui-se o novo dispositivo uma "novatio legis in mellius", dotada portanto de extratividade, devendo produzir os efeitos da lei nova que de qualquer forma favoreça o acusado.
Advirta-se que passaram a não ser considerados pela lei penal como ilícitos, tão somente a injúria, a difamação e o desacato, remanescendo a configuração da infração penal nos demais crimes de palavra prevista na legislação penal.
Como já visto, a advocacia se exerce não só perante os órgãos do Poder Judiciário, mas, a cote, face aos órgãos da administração, e portanto também nos órgãos policiais.
O advogado, por vezes, no exercício de seu mister, necessita empregar energia e força em suas expressões na defesa dos interesses de seus clientes. Outras tantas vezes, argumenta, aponta o vício, o abuso, e nada logra no sentido de recompor os direitos daquele que patrocina, o que determina um "aumento de temperatura" na relação que desenvolve em face da autoridade perante a qual postula.
Neste sentido, a jurisprudência, mesmo antes do advento do novo Estatuto, já pronunciara:
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS
Penal. Crime contra a honra. Advogados que, em pedido correicional, usam de expressões reputadas ofensivas a juízes e promotores.
Não constitui ofensa penalmente relevante taxar de "´acéfala"´ a promotoria, em determinado processo no qual todos os promotores da comarca se deram por suspeitos.
Referência a assédio a juízes e promotores.
Fato genérico, ofensivo em tese, mas que não especifica nem individualiza os possíveis ofendidos.
Hipótese em que, por suas peculiaridades, sem o pedido de explicações, a representação se inviabiliza por não se poder identificar a legitimação ativa para a causa.
Contratante dos advogados subscritores da correição, também envolvida na representação, numa aparente pretensão de responsabilizá-la penalmente por fato de outrem.
Provimento do recurso e concessão da ordem para trancamento da persecução penal em relação a todos os indiciados.
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS NUM: 0002286
Criminal. Advogado. Petição. Linguagem mordaz.
- Atipicidade. Conquanto virulenta, no caso, contém-se no limite da quebra meramente ética a crítica à decisão judicial; pelo que, atípico o fato, tranca-se o inquérito policial instaurado sob irrogação de injúria.
Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo
INJÚRIA - Comportamento dissociado do princípio de urbanidade recomendado ao relacionamento forense - Conduta que está no limiar da quebra ética - Atipicidade:
(STJ) 3 - Ementa oficial: CRIMINAL - ADVOGADO - PETIÇÃO - LINGUAGEM MORDAZ. - Atipicidade. Conquanto virulenta, no caso, contém-se no limite da quebra meramente ética a crítica à decisão judicial; pelo que, atípico o fato, tranca-se o inquérito policial instaurado sob irrogação de injúria.
Recurso de Habeas Corpus nº 2.286-7/SP - Quinta Turma - j. 11.11.92 -
Relator: - Ministro José Dantas - Recorrente: - Ordem dos Advogados do Brasil - Seção de São Paulo - Recorrido: - Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo - Paciente: - Luiz Cezar Ramos Pereira. RJDTACRIM VOLUME 24 OUTUBRO/DEZEMBRO/1994 PÁGINA: 520 RELATOR: - MINISTRO JOSÉ DANTAS
Há também decisões no sentido de franquear a responsabilização penal dos advogados pelos excessos de palavra, como segue:
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS
DJ DATA: 06/03/1995 PG: 04373
ÓRGAO: QUINTA TURMA DECISÃO: 21/11/1994
ADVOGADO. INVIOLABILIDADE E IMUNIDADE JUDICIARIA (ART. 133 DA CF, 142, I, DO CP, E 7., PAR. 2., DO ESTATUTO DA OAB, LEI 8.906/94).
O advogado que utiliza linguagem excessiva e desnecessária, fora de limites razoáveis da discussão da causa e da defesa de direitos, continua responsável penalmente.
Alcance do par. 2. do art. 7. da lei 8.906/94 frente à Constituição Federal (arts. 5., caput, e 133). Suspensão parcial do preceito pelo STF na Adin n. 1.127-8.
Jurisprudência predominante no STF e STJ, a partir da Constituição de 1988.
Seria odiosa qualquer interpretação da legislação vigente conducente à conclusão absurda de que o novo estatuto da OAB teria instituído, em favor da nobre classe dos advogados, imunidade penal ampla e absoluta, nos crimes contra a honra e até no desacato, imunidade essa não conferida ao cidadão brasileiro, às partes litigantes, nem mesmo aos juízes e promotores.
O nobre exercício da advocacia não se confunde com um ato de guerra em que todas as armas, por mais desleais que sejam, possam ser utilizadas.
Recurso de habeas corpus a que se nega provimento.
Relator min: 1066 - Ministro Assis Toledo
Decisão por unanimidade: negar provimento ao recurso.
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS NUM: 0003068
Processual penal. "Habeas Corpus". Advogado. Inviolabilidade (art. 133 da Constituição Federal e 142, I, do Código Penal).
Utilização de linguagem excessiva e desnecessária, que extravasa os limites razoáveis da discussão da causa.
Tanto a inviolabilidade como a imunidade judiciaria estão contidas nos limites estabelecidos em lei. Em matéria penal vige o art. 142, I, do Código Penal, que exige seja a ofensa irrogada "na discussão da causa".
A jurisprudência não tem, todavia, admitido ofensas ao juiz da causa (STF, HC 69.085-8-RJ, DJ 26/03/93, p. 5.003).
Demais alegações improcedentes.
Recurso de "Habeas Corpus" a que se nega provimento.
Superior Tribunal de Justiça
NUM: 0004204
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS
ÓRGAO: 05 QUINTA TURMA DECISÃO: 15/03/1995
Processual penal. Ação contra advogado. Imunidade não absoluta. Injúria. Código Penal e Estatuto da OAB.
I. A inviolabilidade do advogado, por seus atos e manifestações no exercício da profissão, segundo o artigo 133 da Constituição, sujeita-se aos limites legais. Portanto, não se trata de imunidade judicial absoluta. Conseqüência disso, o artigo 142 do Código Penal foi recepcionado e o alcance previsto no parágrafo 2º, do artigo 7º, do Estatuto da OAB e o que se lhe quer emprestar. É intuitivo que a nobre classe dos advogados não há de querer estabelecer privilégios odiosos, se tanto blande as suas lutas. A imunidade, nesse caso, deve ser compreendida igualmente como aquela conferida ao cidadão comum.
II. as expressões consideradas ofensivas à honra da autoridade policial, irrogadas pelo advogado em representação a seccional da OAB, não guardam relação com o fato que a motivou, o que afasta a pretendida falta de justa causa para trancar o processo.
Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo
HABEAS CORPUS - Advogado que dirige petição a Magistrado, tecendo considerações sobre a conduta funcional de Delegado de Polícia - Autoridade Policial que entende serem elas ofensivas à sua honra - Impetração visando ao trancamento de ação penal - Ordem denegada - Inteligência: art. 142, I do Código Penal - As partes ou respectivos patronos não podem ofender impunemente a autoridade judiciária, ou aqueles que intervêm na atividade processual em desempenho de função pública. Acima do interesse da indefinida amplitude de defesa de direitos em Juízo está o respeito devido à função pública, pois, de outro modo, estaria implantada a indisciplina no foro e subvertido o próprio decoro da justiça. A licentia conviciandi não pode ser concedida em detrimento da administração pública. RJDTACRIM VOLUME 1JANEIRO/MARÇO/1989 PÁGINA: 172 RELATOR: - MANOEL CARLOS
A respeito da liberdade de palavra dos advogados no exercício profissional, com a habitual argúcia, pontificou José Roberto Batochio:
"A natureza eminentemente conflitiva da atividade do advogado freqüentemente o coloca diante de situações que o obrigam a expender argumentos à primeira vista ofensivos ou eventualmente, adotar conduta insurgente. Isto, menos por uma questão de liberdade de convencimento e mais por um dever impostergável de expor a verdade, replicar e repudiar fatos, ou não permitir situações de arbítrio." (17)
Por conta do destempero por vezes necessário, era o advogado, antes do advento do novo estatuto, submetido a indiciamentos ou processado criminalmente em decorrência de sua atuação profissional.
A nova legislação procura pôr cobro à ameaça de responsabilização do advogado por suas expressões e manifestações no exercício profissional, o que não importa na possibilidade de o advogado ser responsabilizado por seus excessos face às sanções disciplinares da OAB.
Em tudo procura a lei dotar o advogado do desassombro necessário à perfeita representação da parte, já que a advocacia pressupõe liberdade, mormente a liberdade de expressão.
Soem ocorrer desentendimentos de advogados em repartições policiais, e o fenômeno se deve tanto aos excessos da polícia, como dos advogados.
O novo Estatuto impõe-se como um marco de redefinição do relacionamento entre a polícia e a advocacia. Assim, deve a polícia cada vez mais zelar para que os direitos e garantias fundamentais sejam respeitados, e o advogado, visto como um colaborador, de sua parte, deve emprestar às autoridades policiais a dignidade e respeito que são próprios desta nobre atividade estatal, não vendo no policial uma autoridade menor pela simples razão de que os procedimentos desenvolvidos na polícia deságuam no Poder Judiciário.
8. CONCLUSÕES
O novel Estatuto da Advocacia e da OAB trouxe um novo disciplinamento à relação da advocacia com os órgãos policiais, que pela expressão dos direitos e deveres do advogado importam numa nova leitura mais harmoniosa entre estes dois ramos de atuação.
Compartilham polícia e advocacia do mesmo "status", na medida em que ambas estão preordenadas, entre outras finalidades, ao atendimento das necessidades dos cidadãos de segurança e justiça, sempre na colaboração com os órgãos do Poder Judiciário e do Ministério Público.
A defesa, nos procedimentos administrativos sancionadores que se desenvolvem na polícia contra servidores policiais, já não é mais ato privativo de advogados, legitimando-se a defensoria administrativa empreendida por não inscritos nos quadros da OAB.
O advogado tem liberdade de expressão na defesa dos interesses daquele que defende, respondendo pelos excessos, civil, administrativa e criminalmente.
O advogado deve ser tido pelos policiais como um colaborador, na mesma medida em que os advogados devem contribuir para a consecução da tarefa policial em todas as suas manifestações.
Polícia e Advocacia são instrumentos da democracia.
NOTAS
- "O advogado é indispensável à administração da justiça." (Art. 2º caput da Lei 8.906/94).
- Revogaram-se também, nos termos do Art. 87 do do novo Estatuto, os seguintes diplomas: Lei Nº 5.390 de 23 de fevereiro de 1968, o Decreto-lei Nº 505, de 18 de março de 1969, a Lei Nº 5.681, de 20 de julho de 1971, a Lei Nº 5.842, de 6 de dezembro de 1972, a Lei Nº 5.960, de 10 de dezembro de 1973, a Lei Nº 6.743, de 5 de dezembro de 1979, a Lei Nº 6.884, de 9 de dezembro de 1980, e a Lei Nº 6.994, de 26 de 1982, mantendo-se os efeitos da Lei Nº 7.346, de 22 de julho de 1985.
- Título I, Capítulo V.
- Sem embargo de integrarem o rol dos órgãos explicitados nos incisos do Art. 144 da CF, só impropriamente, por imperativo das peculiaridades de suas funções, pode-se considerar que os Corpos de Bombeiros exerçam atividade policial.
- Onde está o homem aí também está o direito.
- Dispõe o artigo 662 do CPC verbis: "Sempre que necessário, o juiz requisitará força policial, a fim de auxiliar os oficiais de justiça na penhora dos bens e na prisão de quem resistir à ordem."
- Ainda é precária a abordagem sobre o disciplinamento dos órgãos e atividades policiais e seus regimes legais nas Faculdades de Direito. O trato do tema faz-se invariavelmente de forma superficial no conteúdo de Processo Penal, quando demandaria matéria específica.
- Dispositivo acrescentado pela Lei Nº 6.657, de 5 de junho de 1979.
- Estado Maior: Instalações do aquartelamento onde exerce comando autoridade militar.
- Em 3 de agosto de 1994 o STF, por nove votos a dois, suspendeu a eficácia do dispositivo em tela ao conceder liminar em ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria Geral da República.
- Como exemplo dos referidos órgãos de deliberação coletiva em nível administrativo, apontam-se os Conselhos de Disciplina e de Justificação a que podem ser submetidos os Policiais Militares.
- Parágrafo 1º do art. 2º do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei 8.906/94)
- CF, Art. 5º II "Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei."
- O Código de processo Penal Militar foi baixado pelo Decreto-lei Nº 1.002, de 21 de outubro de 1969, conquanto o CPP é de 1941.
- Letra "J" do artigo 3º da Lei 4.898/65.
- CF Art. 5º LX e 93 IX, CPC, artigos 155 e 444.
- A inviolabilidade do Advogado - Discurso do Presidente da OAB/SP, na XIV Conferência Nacinal da Ordem dos Advogados do Brasil, Departamento Editorial, OAB-SP.
BIBLIOGRAFIA
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CERNICHIARO, Luiz Vicente. COSTA Jr., Paulo José. Direito penal na constituição. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 259p.
CORRÊA, Plínio de Oliveira. Legitimidade da prisão no direito brasileiro. 2.ed. Porto Alegre: Sagra, 1991, 231p.
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