DIREITO PENAL INFORMÁTICO
Com o avanço da globalização, foi precedida de outras fases da evolução, como a criação e posterior imposição do protocolo de controle de transmissão TCP-IP. Após a liberação da rede para domínio público, desprendeu-se dos laços militares e seu destino foi a privatização.
O problema da internet passou a ser identificado quando a tecnologia incrementou e complicou relações sociais consideradas, até então, pacíficas e controladas, possibilitando algumas experiências socialmente desagradáveis e indesejadas, como sua utilização para a prática de crimes, e a criação de novos contatos que colocam em risco bens que ainda não tiveram sua relevância conhecida pelo Direito.
Em consequência disso, surge um novo ramo do Direito, o Direito Informático, que dedicará atenção específica aos relacionamentos do Direito com a internet, implantando novos institutos em cada um dos ramos já conhecidos, como, por exemplo, os contratos eletrônicos no Direito Civil, a Tributação de Downloads no Direito Tributário, ou o já conhecido pregão eletrônico no Direito Administrativo, e a Criminalidade Cibernética no Direito Penal.
É cediço que, além da missão de proteger bens jurídicos, o Direito Penal carrega consigo uma poderosa função preventiva. Sem prevenção, não há proteção, rectius, se proteger significa não permitir que algo de ruim aconteça ao bem protegido, quem age depois que o mal aconteceu não protege nada, pode, no máximo, repreender o mal causado com a pena. E assim age o Direito Penal clássico, na prática, não protege os bens jurídicos, age sempre depois da lesão, mas pune aquele resultado danoso. A antecipação da tutela penal é a intervenção do sistema penal antes da lesão ao bem jurídico.
ABORDAGEM CRIMINOLÓGICA
A internet passa a ser um grande sistema reconhecidamente facilitador de crimes, equiparando-se a uma arma de fogo em ambiente físico. Ela é capaz de eliminar a distância, facilitar o anonimato, diminuir os riscos pessoais do criminoso (nada de tiroteio), diminuir os esforços (sem correria na fuga), com recompensa bem animadora no final.
Aqui cabem referência a duas importantes teorias da criminologia, a saber, a teoria da associação diferencial e a teoria da prevenção situacional.
A primeira, criada em 1939 pelo norte americano Edwin Sutherland, é uma teoria de aprendizagem. Para ele os crimes estão ligados ao maior ou menor conhecimento do autor sobre a conduta a ser praticada, e quanto mais definições e informações favoráveis ao cometimento ele possuir, mais estará sujeito a praticá-lo. Essa teoria foi criada a fim de explicar a chamada criminalidade do colarinho-branco.
Na segunda teoria, a da prevenção situacional, vê-se o crime como a figura geométrica de um quadrado, em que cada ponta representa um elemento da sua formação. Na primeira há o espaço; na segunda, o tempo; na terceira, o autor; na última, a vítima. Para essa teoria criminológica, se uma das pontas for modificada a criminalidade diminui. Dessa forma, dada a existência de três pontas gerais, é de concluir que o melhor elemento para evitar o próprio crime é o fator espaço.
Na criminalidade comum, tradicional, com o escopo de reduzir seus índices, fala-se em melhora da iluminação, revitalização dos bairros, polícia comunitária etc., enquanto na criminalidade cibernética tem-se apenas uma proposta: a efetividade da segurança de informação e da perícia computacional. Tem-se também, a Investigação Forense Computacional, que atua no sentido de garantir que as evidências de crimes informáticos sejam preservados fielmente e idôneas para formar o convencimento do juízo da autoria e materialidade do delito.
BENS JURÍDICOS DOS DELITOS INFORMÁTICOS
Os bens são valores essenciais a manutenção da convivência harmônica e pacífica dos homens em sociedade. Estão atrelados ao critério de utilidade. Tem a sua relevância identificada pelo Estado que opta pela tutela jurídica desses bens, transformando-os em bens jurídicos.
Para ser legitima a tutela penal, é necessário que o bem seja digno dessa proteção, e que a sua lesão ou ameaça efetivamente mereça sanção penal, como é o caso do IPTV.
Quanto aos delitos, temos três possíveis conceitos a saber, o formal, em que a simples existência da lei define determinada conduta como crime; o material, que se resume á lesão ou ameaça a um bem plenamente relevante; e o analítico, que faz a estratificação do delito em um fato típico, ilícito e culpável. O conceito adotado pelo nosso Código Penal é o analítico.
Vicente Greco Filho afirmou que não importa se instrumento utilizado é a informática, a internet ou uma “peixaria”, os bens jurídicos são os mesmos, já protegidos pelo Direito Penal. A internet não é palco de um indivíduo, é palco de massa.
CONSELHO NACIONAL DE COMBATE A PIRATARIA E AOS DIREITOS CONTRA A PROPRIEDADE INTELECTUAL
Em 2004, com a instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito da Pirataria (CPI da Pirataria), constatou-se que por traz da prática da pirataria existiam diversas organizações criminosas formando uma imensa rede de ilegalidade em cada unidade da federação. A CPI da Pirataria, em seu relatório final, sugeriu a criação de um órgão público de inteligência para articulação e implantação de políticas públicas de combate à pirataria e responsável pela formulação de um Plano Nacional de Combate à Pirataria. Tal indicação sugeriria que este órgão público deveria contar, também, com a colaboração de representantes da sociedade civil organizada de diversos setores. No dia 14 de outubro de 2004 foi criado o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP), por meio do Decreto nº 5.244, de 14 de outubro de 2004, tendo em sua composição órgãos do poder público e entidades da sociedade civil representadas por setores prejudicados com a pirataria no país. O CNCP é uma entidade governamental composta por representantes do poder público e privado, iniciativa pioneira no mundo no que tange à proteção da Propriedade Intelectual. Em 2019, o CNCP foi extinto e recriado por meio do Decreto nº 9.9875, de 27 de junho de 2020. Tem entre suas atribuições estudar e propor medidas e ações destinadas ao enfrentamento da pirataria, contrabando, à sonegação fiscal dela decorrentes e aos delitos contra a propriedade intelectual, estimular, auxiliar e fomentar o treinamento de agentes públicos envolvidos em operações e processamento de informações relativas aos delitos contra propriedade intelectual e, ainda, propor mecanismos de combate à entrada de produtos piratas ou contrabandeado, efetuar levantamentos estatísticos, sugerir fiscalizações, fomentar campanhas educativas e acompanhar o trabalho realizado pelas diversas agências e órgãos que atuam nesta seara.
O CNCP tem como diretriz principal a elaboração e manutenção do Plano Nacional de Combate à Pirataria.
O ano de 2020, ano da recriação do CNCP, certamente trouxe enormes desafios em diversas áreas em razão da pandemia do Corona vírus causador da COVID 19. Além dos óbvios impactos surgidos em decorrência da interrupção das atividades presenciais durante boa parte do ano, não há dúvida de que a quarentena deu impulso ainda maior ao comércio digital, o qual, embora inovador e definitivamente inserido nos hábitos do consumidor brasileiro, trouxe novos desafios em termos de comercialização de produtos ilegais, exigindo medidas e atenção especial. É certo que a pirataria tem conexão com outras práticas delituosas como o crime organizado, a sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, tanto que é denominado pela Interpol como "o delito do século".
OPERAÇÕES POLICIAIS CONTRA IPTV
Operação 404
No dia 19 de setembro de 2024, uma operação policial tirou do ar 675 sites e 14 aplicativos de streaming ilegal. A ação é a sétima fase da "Operação 404" – o nome faz referência ao "erro 404" que, no protocolo de internet, indica que o usuário tentou acessar uma página não encontrada. De acordo com o ministério, foram cumpridos 30 mandados de busca e apreensão. Oito pessoas foram presas, sendo cinco no Brasil e três na Argentina. No Brasil, apenas um dos presos tinha mandado de prisão preventiva – os outros quatro foram detidos em flagrante. Ainda segundo o governo, os investigados são "suspeitos de distribuir conteúdo pirata em sites e plataformas digitais, prática que causa prejuízos significativos à economia e à indústria criativa, além de ferir os direitos de autores e artistas". Cumpriram os mandados as polícias civis de nove estados: Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. Os ministérios públicos de São Paulo e de Santa Catarina também participaram da ação.
Houve, ainda, o envolvimento de órgãos de cinco países (Argentina, Reino Unido, Estados Unidos, Peru e Paraguai); dois continentes (América Latina e União Europeia); e de entidades de defesa dos direitos artísticos e autorais nacionais e internacionais.
Vale ressaltar que a primeira prisão por IPTV ocorreu durante a Operação 404 em março de 2024.O condenado foi alvo da segunda fase Operação 404, realizada em novembro de 2020, e deverá cumprir pena de 3 anos e 4 meses de reclusão e 2 anos de detenção, em regime inicial aberto. Ele também deverá pagar 17 dias-multa, fixados em meio salário mínimo nacional cada.no Brasil. Durante a operação policial, o condenado foi encontrado com dispositivos eletrônicos que controlavam um painel de administração da plataforma de IPTV ilegal. A plataforma em questão tinha mais de 20 mil usuários cadastrados, dos quais 13,5 mil estavam ativos. O faturamento do serviço irregular também chama atenção, com acumulado de R$ 5,4 milhões ao longo de 12 meses. Os usuários pagavam pelo IPTV pirata por meio de plataformas de pagamento eletrônico ou via transferências bancárias. Os preços variavam entre R$ 20 e R$ 30 mensais, mas também existiam algumas ofertas que chegavam a até R$ 200 por mês. A denúncia foi feita pela Aliança Contra a Pirataria de Televisão Paga (Alianza), grupo que inclui empresas como Sky, Globo, Disney e Warner. A Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA) também integra a organização.
A luta contra a pirataria também é uma pauta importante para a Anatel. Em outubro de 2023, a agência multou uma pessoa física pela primeira vez por conta de TV Box irregular. A penalização ocorreu na cidade de Cianorte (PR) pela comercialização de receptores clandestinos. A multa foi fixada pela Anatel no valor de R$ 7,6 mil, e o nome do responsável não foi divulgado.
Todas as operadoras de TV batem na tecla de que a pirataria é uma grande ameaça ao setor. O reflexo pode ser visto na base de assinantes: segundo a Anatel, o serviço de TV por assinatura perdeu mais de 1,9 milhão de assinantes entre 2023 e 2024.É fácil de entender tal queda, pois os serviços legítimos de TV a cabo ou satélite custam caro. Enquanto um IPTV irregular promete todas as emissoras por menos de R$ 30, as operadoras dificilmente cobram menos de R$ 100 em pacotes com canais limitados.
Ainda assim, a pirataria não é a única responsável pelo declínio da TV paga. A popularização dos serviços legítimos de streaming, como Netflix, Amazon Prime Video e afins, tem papel relevante na queda dos assinantes do serviço tradicional. As operadoras costumam vender pacotes de TV caros, com canais que nem sempre agradam e (muita) publicidade.
Operação Take Down
Em novembro de 2024, uma plataforma de IPTV pirata que faturava 250 milhões de euros por mês, o equivalente a R$ 1,55 bilhão mensais, pela cotação do dia, foi derrubada por autoridades europeias, conforme anunciou o Serviço de Polícia Postal e de Segurança Cibernética da Itália. Os responsáveis pelo streaming ilegal capturavam e revendiam o sinal de diversas plataformas, sem autorização, para mais de 22 milhões de assinantes em diversos países. Os usuários tinham acesso a transmissões ao vivo e conteúdos sob demanda pagando menos do que os valores oficiais. Como resultado da Operação Taken Down, que teve a participação da Europol, Eurojust e autoridades policiais de vários países, cerca de 2.500 sites usados para as transmissões piratas foram retirados do ar. Servidores que os mantinham funcionando foram apreendidos na Romênia e em Hong Kong. Apontada como uma das maiores operações internacionais contra IPTV pirata dos últimos anos, esta ação incluiu 89 mandados de busca e apreensão na Itália e 14 em países como Holanda, Suécia, Reino Unido, Croácia e China, entre outros. Eles foram realizados contra 102 pessoas que integravam a organização transnacional. Durante a ação, os policiais confiscaram mais de 1,65 milhão euros (R$ 10,1 milhões) em criptomoedas e 40 mil euros (R$ 246 mil) em espécie, além dos equipamentos usados nas transmissões. Essas quantias estavam sob a posse de alguns dos gerenciadores do negócio. A Operação Taken Down foi resultado de dois anos de investigações, que revelaram o uso de mensageiros criptografados e documentos falsos para dificultar a identificação dos participantes. Os suspeitos serão acusados de acesso não autorizado a sistemas, streaming ilegal de conteúdo audiovisual, fraude de computador e lavagem de dinheiro.
Operação Kratos
No dia 02 de janeiro de 2025 a Europol deflagrou a Operação Kratos para combater um serviço de streaming ilegal por meio do chamado IPTV, resultando na prisão de vários suspeitos. A LALIGA, divisão de elite do futebol espanhol, também colaborou com as investigações das autoridades. De fato, a investigação iniciou há alguns meses, contando com mais de uma dúzia de países e empresas privadas, coordenado pela República da Bulgária e liderado pela Europol. Os investigadores descobriram que o serviço mantinha uma rede de 22 milhões de clientes espalhados em vários países, dentro e fora da Europa. De acordo com informações divulgadas pela LALIGA, a Operação Kratos começou em junho de 2024 e teve seu trabalho investigativo até setembro daquele ano. No verão europeu, os Jogos Olímpicos e a Eurocopa 2024 marcaram o auge da operação, para combater os crimes de streaming ilegal. Durante a operação liderada pela República da Bulgária, representada pela DGCOP – Ministério do Interior, autoridades da Itália e Croácia, com apoio da Europol, Eurojust e da AAPA, desmantelaram uma das maiores redes ilegais de streaming dentro e fora da UE. A ação envolveu o compartilhamento de informações para identificar plataformas ilegais, documentar crimes e identificar os grupos responsáveis. A investigação focou na distribuição ilegal de conteúdos de streaming, como filmes, séries e canais de TV, incluindo esportes. Foram identificados 102 suspeitos, dos quais 11 foram presos. A rede distribuía mais de 2.500 canais de TV e alcançava 22 milhões de usuários no mundo sem autorização dos detentores dos direitos autorais. A operação realizou 112 buscas, com a apreensão de 29 servidores, 270 dispositivos de IPTV e 100 domínios ligados às atividades ilegais. Mais de 560 revendedores de serviços piratas foram identificados durante a operação, que também resultou na apreensão de drogas, armas e criptomoedas no valor de € 1,6 milhão (aproximadamente R$ 10 milhões), além de € 40.000 em dinheiro. A ação contou com a participação de 15 países, incluindo Bulgária, Croácia, França, Alemanha, Itália, Holanda e Reino Unido, com apoio crucial da Europol, Eurojust e AAPA. Em diversos países, investigações sobre plataformas ilegais de transmissão de conteúdo protegido foram iniciadas ou concluídas. Entre os envolvidos estavam Bulgária, Macedônia do Norte, Grécia, Espanha, Letônia, França, Holanda, Romênia e Portugal. Organizações como UEFA, La Liga, AAPA e MPA forneceram informações para identificar e desativar fontes de conteúdo ilegal, utilizando ferramentas legais disponíveis. A Operação Kratos segue a Ação Operacional 3.2 da prioridade “Crimes contra Propriedade Intelectual” da plataforma EMPACT da Comissão Europeia.