Os aspectos processuais da intervenção de terceiros no cpc e o amicus curiae como legitimador da democracia

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4 O AMICUS CURIAE COMO LEGITIMADOR DA DEMOCRACIA

O Amicus Curiae é a modalidade de intervenção de terceiros que possui condão de interferir diretamente na democracia através de debates que ocorrem no Poder Judiciário.

A importância do Amicus Curiae se reflete na possibilidade de, até mesmo, legitimar decisões judiciais. Ao participar da tomada de decisão, o Amicus Curiae está representando uma parcela da população, uma classe profissional ou entidades de cunho político, religioso e social.

4.1 O AMICUS CURIAE, A DEMOCRACIA E O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Vistos os aspectos processuais do Amicus Curiae, resta estudar sua origem e sua relação direta com a democracia. A atuação do amigo da corte em tribunais superiores e as participações efetivas, bem como as possíveis participações futuras, também, serão explanadas.

Apesar de grande divergência doutrinária, a origem do Amicus Curiae remete ao direito romano, o que de certa forma justificaria o emprego da palavra em latim até os dias modernos. Para a doutrina, o desenvolvimento do instrumento ocorreu no direito inglês, devido ao Common Law.

No Brasil, o instrumento foi previsto, pela primeira vez, na lei nº 6.616 de 78 que modificou a lei de mercado e de valores mobiliários, criando a Comissão de Valores Mobiliários.

Em 1997, a Lei nº 9.469 institui nova forma de atuação, permitindo que pessoas jurídicas de direito público pudessem intervir caso houvesse a possibilidade de ser atingidas direta ou indiretamente. Importante ressalvar que, já neste momento, a lei previa que não seria requisito para admissão o interesse jurídico. A atuação do amigo da corte no STF foi consolidada apenas pela lei nº 9.868 de 1999. A lei previa a possibilidade de manifestação de órgão ou entidades em razão da relevância da matéria.

A origem do Amicus Curiae e sua consolidação no direito brasileiro é tema amplo, cabendo ao presente trabalho apenas apontar fatos principais. Para a compreensão da atuação do amigo da corte na legitimação da democracia, deve-se entender o conceito de democracia.

A democracia, conceito amplo e de difícil conceituação, é o pilar das sociedades modernas. A democracia, idealizada por Aristóteles na Grécia antiga, é o governo do povo para o povo. Para o filósofo, este seria o modelo ideal de governo.

Maluf conceitua a democracia sob duas vertentes distintas, a formal e a substancial:

Em sentido formal ou estrito, democracia é um sistema de organização política em que a direção geral dos interesses coletivos compete à maioria do povo, segundo convenções e normas jurídicas que assegurem a participação efetiva dos cidadãos na formação do governo. É o que se traduz na fórmula clássica: todo poder emana do povo e em seu nome será exercido. Neste conceito, são pressupostos os princípios da temporariedade e eletividade das altas funções legislativas e executivas. Em sentido substancial, sobre s er um sistema de governo temporário e eletivo, democracia é um ambiente, uma ordem constitucional, que se baseia no reconhecimento e na garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana. (MALUF, 2018, p. 240)

A democracia não pode ser vista apenas como um conceito abstrato, ou mesmo amplo e geral, a democracia vai além. A democracia deve ser considerada a aquisição de direitos e garantias conquistadas ao longo da história.

Pode-se concluir que a democracia é a busca constante para assegurar a participação do povo na tomada de decisões que afetam a vida da coletividade, mesmo que seja através de representantes eleitos.

Nesse ínterim, o Amicus Curiae pode e deve ser um importante instrumento de democratização das decisões judiciais. Através de representantes, o povo pode sentir-se representado nos tribunais.

Nesse passo, Medina relaciona o Amicus Curiae e a democracia:

Na medida em que os problemas jurídicos interessam não apenas às partes, mas a uma parcela mais ampla da sociedade, ou a toda sociedade, deve o sistema possibilitar a participação de terceiros que, de modo representativo, possam expor no processo, o ponto de vista das esferas individuais ou dos grupos afetados. Se é certo que os grupos atingidos pela decisão judicial a ser proferida não decidem com o Estado, não menos acertado é dizer que a à sociedade devem ser assegurados instrumentos de participação no procedimento, a fim de que possa informar-se, analisar as opções que no processo são colocadas, indicar suas objeções a que uma ou outra solução seja escolhida, e ter suas objeções analisadas pelo Poder Judiciário. A participação do amicus curiae no processo assim, liga-se à noção de direito de participação procedimental, que é inerente à ideia de Estado Democrático de Direito. (MEDINA, 2017, p. 92)

Para um melhor entendimento da temática, torna-se indispensável a compreensão do controle de constitucionalidade vigente no ordenamento jurídico brasileiro. Donizetti esclarece que a intervenção do amicus curiae, nas ações de controle de constitucionalidade, busca legitimar o debate constitucional:

A intervenção do amicus curiae nas ações de controle de constitucionalidade possui claro objetivo de pluralizar e legitimar o debate constitucional. Por meio das informações fáticas e técnicas trazidas pelo amicus curiae , o Tribunal tem melhores condições de solucionar as controvérsias e de interpretar a Carta Constitucional da maneira que melhor atenda aos interesses da sociedade. (DONIZETTI, 2020, n.p.)

A atuação do Amicus Curiae, para Carvalho, seria uma forma de adotar a sociedade de intérpretes da Constituição, proposta por Haberle:

A respeito da questão democrática, considerando a diversidade interpretativa, a atuação do amicus curiae seria uma forma de o Brasil dar cumprimento ao que propõe Peter Häberle sobre a participação da “sociedade de intérpretes da Constituição” para que haja uma “abertura pluralista” da jurisdição constitucional (1997). Isso porque o amicus curiae tem importância na pluralização do debate, como percebido anteriormente, no sentido da teoria de Häberle, o qual propõe uma “sociedade aberta”, de modo que a interpretação constitucional não se restrinja às autoridades jurídicas (1997, p.34). O autor propõe a ampliação dos intérpretes, a fim de integrar diferentes concepções, pois para ele “limitar a hermenêutica constitucional aos intérpretes‘corporativos’ ou autorizados jurídica ou funcionalmente pelo Estado significaria um empobrecimento ou um auto engodo” (CARVALHO, 2021, p. 8. apud HÄBERLE, 1997, p. 34)

Não sendo possível esgotar o tema de democracia, por se tratar de um dos temas mais complexos e instigantes do direito, deve-se compreender como ocorre o controle de constitucionalidade no ordenamento jurídico brasileiro.

O controle de constitucionalidade brasileiro é o misto. Tal definição decorre que o direito brasileiro adotou duas formas de averiguar a constitucionalidade das normas. O controle pode ser concentrado ou difuso.

O controle de constitucionalidade difuso pode ser definido como um controle de caso concreto, Sendo aplicado por todos os órgãos judiciais, conforme palavras do Ministro Barroso:

O controle incidental de constitucionalidade é um controle exercido de modo difuso, cabendo a todos os órgãos judiciais indistintamente, tanto de primeiro como de segundo grau, bem como aos tribunais superiores. Por tratar-se de atribuição inerente ao desempenho normal da função jurisdicional, qualquer juiz ou tribunal, no ato de realização do Direito nas situações concretas que lhes são submetidas, tem o pode-dever de deixar de aplicar o ato legislativo conflitante com a Constituição. Já não se discute mais,nem na doutrina nem na jurisprudência,acerca da plena legitimidade do reconhecimento da inconstitucionalidade por juiz de primeiro grau, seja estadual ou federal.(BARROSO, 2012, p. 118)

O controle concentrado é abstrato, podendo, consequentemente, ser aplicado a todos. Nas palavras de Lenza, “O controle concentrado de constitucionalidade de lei ou ato normativo recebe tal denominação pelo fato de “concentrar-se” em um único tribunal.” (LENZA, 2022, n.p.) Nota-se que o controle concentrado ocorre em tribunais, sendo o STF a figura central do controle de constitucionalidade.

No direito pátrio, têm-se cinco principais instrumentos para se valer do controle de constitucionalidade: Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e a Representação Interventiva.

A lei nº 9.868, que trata das ações de controle de constitucionalidade, em seu artigo 7º, parágrafo 2º, assevera: “O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.”

Observa-se que há previsão legal para a atuação do Amicus Curiae nas ações de constitucionalidade. Dessa forma, será necessário ver a atuação do Amicus Curiae nos Tribunais Superiores, especialmente no STF.

4.2 O AMICUS CURIAE NOS TRIBUNAIS SUPERIORES

Apesar da previsão legal para a participação do Amicus Curiae no STF, ocorrer em 1999, o próprio STF em sua jurisprudência já admitia:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – INTERVENÇÃO ASSISTENCIAL – IMPOSSIBILIDADE – ATO JUDICIAL QUE DETERMINA A JUNTADA, POR LINHA, DE PECAS DOCUMENTAIS – DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE – IRRECORRIBILIDADE – AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO.O processo de controle normativo abstrato instaurado perante o Supremo Tribunal Federal não admite a intervenção assistencial de terceiros. Precedentes. Simples juntada, por linha, de peças documentais apresentadas por órgão estatal que, sem integrar a relação processual, agiu, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, como colaborador informal da Corte (amicuscuriae): situação que não configura, tecnicamente, hipótese de intervenção ad coadjuvandum. Os despachos de mero expediente – como aqueles que ordenam juntada, por linha, de simples memorial expositivo –, por não se revestirem de qualquer conteúdo decisório, não são passiveis de impugnação mediante agravo regimental (CPC, art. 504)

Os requisitos para a admissão não encontram previsão legal na lei 9.868, gerando certa indeterminação quanto ao deferimento ou indeferimento do pedido. No entanto, pode-se observar certo padrão de conduta adotado pelo STF na admissão do Amicus Curiae.

Dentre os requisitos, o principal é a relevância da matéria. A relevância está intimamente ligada aos efeitos sociais que a decisão poderá alcançar. Ou seja, a matéria deve ser relevante para o interventor e para uma determinada coletividade. Se não houver relevância na demanda, não há porque admitir a participação de um terceiro para auxiliar o magistrado em sua decisão.

A representatividade, outro importante requisito, nada mais é que averiguar “se o órgão ou entidade postulante congrega dentre seus filiados porção significativa (quantitativa e qualitativamente) dos membros do(s) grupo(s) social(is) afetado(s).” (BINENBOJM, 2010, p.164)

Para constatar a legitimidade do interveniente, entende o STF que deve necessariamente haver pertinência temática entre os fins institucionais e as atribuições da entidade que deseja ingressar como Amicus Curiae com o conteúdo que será julgado.

Para a doutrina, a capacidade de prestar informações e contribuir de fato no debate, é um dos requisitos para a admissão. O amigo da corte deve ser capaz de trazer novas informações e ampliar o debate, evitando a repetição de informações que já constam nos autos:

os amici curiae têm a responsabilidade de levar novos argumentos ao tribunal, sem o que se tornam inúteis no processo, o que pode ser um fator de estímulo criativo a que os atores sociais se engajem em interpretações constitucionais. Apesar da inovação dos argumentos ser analisada pelos ministros como uma condição de admissibilidade, a partir desta classificação proposta sobre as capacidades institucionais dos amici curiae (condições de acessibilidade, condições de admissibilidade e condições de influência) essa inovação dos argumentos estaria alocada, também, enquanto uma condição de influência. (DE ALMEIDA, 2019, n.p)

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Nos tribunais, o ingresso do amigo da corte depende de decisão do relator. Para a doutrina, trata-se de direito subjetivo do interessado. Em regra, não são admitidos quando o processo já está pautado. Todavia, existem algumas exceções, pode-se citar a admissão da Fazendo Pública, mesmo após já estar em pauta, no RE n. 576155, em que a Ministra Carmen Lúcia aceitou o pedido limitando a participação, no entanto. Nesse caso, o Amicus Curiae foi autorizado a fazer sustentação oral.

Nos tribunais superiores, o ingresso, como já citado, é solicitado em peça única em que apresenta suas razões e o pedido de ingresso. No entanto, as razões podem ser apresentadas em até 30 dias.

A apresentação das razões não é a única forma de participação. Pode-se, ainda, juntar documentos, peticionar para solicitações, recorrer por meio de embargos de declaração e, como já dito, tem o direito a sustentação oral:

A possibilidade de sustentação oral por parte dos amici curiae foi regulamentada em no Regimento Interno do tribunal, que estabeleceu os prazos de 15 (quinze) minutos, na hipótese de apenas uma sustentação, e de até 30 (trinta) minutos, no caso de uma série de amici curiae favoráveis e contrários à constitucionalidade, com o objetivo de impedir prazos muito longos de sustentação oral e atraso no julgamento. Porém, em casos relevantes nos quais há um grande desacordo e atraem muitas manifestações, o tempo máximo de 30 (trinta) minutos costuma ser dividido entre todos os amici curiae, o que diminui consideravelmente a sua capacidade de influenciar o tribunal, na medida em que se torna praticamente impossível desenvolver um argumento inteiro; há que se ter uma forma de reconhecer os casos que são difíceis, relevantes, e os que não o são. (DE ALMEIDA, 2019, n.p)

A previsão de representação de advogado é exigida, também, para a atuação em tribunais superiores:

a última condição de acessibilidade que estabelecemos para a figura dos amici curiae é a exigência de representação por advogados. Aos amici curiae exige-se a representação por profissional habilitado pela Ordem dos Advogados do Brasil. Poderíamos argumentar que esta seria uma limitação indevida, já que as manifestações de amici curiae têm uma natureza distinta: não há prazos a serem seguidos; não há penalidades a partir das alegações; não há nada que um advogado possa colaborar mais do que as razões que a própria parte - esta sim dotada de representatividade -, não possa oferecer na forma de um artigo, um texto ou um parecer, na qual a assinatura de um advogado mostra-se, mesmo, dispensável. Afinal, não se espera dos amici curiae que ofereçam argumentos jurídicos sofisticados – esse não tem sido, ao menos, o papel que lhe é atribuído. Nessa mesma linha de raciocínio, interessante notar que, por exemplo, nas audiências públicas não há qualquer restrição para que os partícipes sejam advogados. Se a função de ambos é, de certa forma, pluralizar o debate constitucional, a presença de um advogado pode ser vista como uma restrição a esta capacidade (DE ALMEIDA, 2019, n.p)

Outro importante aspecto trata-se da desnecessidade de existir Amicus Curiae com idéias opostas, isto é, que defendam a constitucionalidade e que defendam a inconstitucionalidade do diploma normativo.

No controle de constitucionalidade concentrado, não existe partes, ou seja, réu e autor. Existe a discussão da constitucionalidade em abstrato de um diploma normativo, que pode ser ou não auxiliado por Amicus Curiae.

Dessa forma, nota-se que a participação do Amicus Curiae, em especial no STF, possui regras já antes explicadas. No entanto, faz-se necessário demonstrar algumas atuações importantes em temas de relevância política, jurídica e social.

A atuação de certa forma democratizou a decisão judicial e legitimou a atuação dos tribunais.

4.3 A PARTICIPAÇÃO DO AMICUS CURIAE EM DEBATES PASSADOS, ATUAIS E FUTUROS

São diversas as ações de controle de constitucionalidade perante o STF em que teve participação de entidades no debate e no auxílio da decisão. Não sendo possível discorrer sobre todas, serão demonstrados alguns casos emblemáticos em que a atuação do Amicus Curiae se fez necessária dada à relevância a repercussão na vida de toda a população.

Um dos casos mais emblemáticos julgados pela Suprema Corte trata-se da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.510/DF, que tratava da constitucionalidade da lei de biossegurança a qual tratava da possibilidade de pesquisa com células-troncos embrionárias.

Em 2007, por decisão do então ministro Ayres Britto, ocorreu a primeira audiência pública da história do STF. O Ministro reuniu especialistas da área para debater o tema, devido a sua complexidade.

Diversos médicos, entidades, organizações e profissionais de diferentes áreas participaram da audiência, que se configurou em uma verdadeira intervenção de terceiros.

Não só isso, antes de rejeitar a ação e de forma indireta declarar a constitucionalidade dos dispositivos que permitiam as pesquisas com células-troncos, o STF admitiu a intervenção de entidades para atuarem como Amicus Curiae.

Nesse caso específico, entidades se manifestaram pela constitucionalidade e pela inconstitucionalidade. Destaca-se a ONG em Prol da Vida, representada por seu advogado Luis Roberto Barroso, que viria a tornar-se Ministro do Supremo, que em sua manifestação sustentou pela rejeição da ação sob argumentos da necessidade de se avançar em tratamentos para pessoas com doenças genéticas, que seriam beneficiadas diretamente pelas pesquisas.

Observa-se que tal assunto atinge diretamente toda a população brasileira, o Ministro Ayres Britto agiu como um verdadeiro democrata ao trazer o debate para toda a população através de representantes, não se pode imaginar uma decisão sem um debate prévio com diferentes setores da sociedade.

Outro caso de relevante interesse foi tratado na ADPF 54:

Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54), que a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) impetrou perante o Supremo Tribunal Federal em junho de 2004, pleiteando que se desse interpretação conforme a Constituição são dispositivos do Código Penal que versam sobre o aborto, visando ão reconhecimento do direito subjetivo da mãe de realizar a interrupção da gravidez e a autorização de realização do parto antecipado, sem o risco de responsabilização criminal médica pelo ato praticado, havendo sido solicitada a concessão de liminar neste sentido, tendo-se em vista a urgência da medida e o risco de irreversibilidade da decisão. (LEAL, 2008, n.p.)

O Ministro Marco Aurélio decidiu, à época que gestantes de fetos anencéfalos teriam direito à interrupção da gravidez. Diversas entidades solicitaram a admissão como Amicus Curiae. O Ministro admitiu a participação de muitos terceiros que se manifestaram no processo.

A decisão final foi pela inconstitucionalidade da interpretação que estabelecia que a interrupção da gravidez configurava aborto. Outra importante decisão que foi legitimada pela participação de representantes do povo.

A ADI 4277, que tratava do reconhecimento de união estável nas uniões homoafetivas quando os requisitos legais estiverem presentes. Ao mesmo tempo, a ADPF ajuizada pelo Governador do Rio, com objeto semelhante, tramitava na corte. Por fim, as duas ações foram julgadas conjuntamente. Muitas entidades solicitaram sua admissão:

Na ADPF 132 tinham sido admitidos quatorze amigos da corte e na ADI 4277 participaram cinco amici, que já constavam como amigos da corte na primeira ação: Conectas Direitos Humanos, Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros, Instituto Brasileiro de Direito de Família e Associação de Incentivo à Educação e Saúde de São Paulo – todos pela procedência do pedido – e, pela improcedência do pedido - Associação Eduardo Banks e a Confederação Nacional dos Bispos. (CORRÊA, n.p.)

Diversos foram os argumentos dos Amici Curiae pela procedência:

a. A Constituição Federal e os tratados internacionais de direitos humanos em vigor no Brasil rechaçam qualquer forma de discriminação baseada no critério da orientação sexual; Departamento de Direito b. A ausência de reconhecimento dos casais homossexuais aos mesmos direitos dos casais heterossexuais cria cidadãos de segunda classe e coloca-os num limbo de nãoproteção jurídica – o que é contrário ao princípio da isonomia; c. A ausência de reconhecimento permite que haja continuidade de um contexto de exclusão e de violência que caracterizam os crimes de ódio; d. A discriminação contra os homoafetivos caracteriza desrespeito às regras de direitos humanos vigentes no plano internacional e aceitas pelo Brasil; e. Uma vez que a homossexualidade não é doença nem desvio psicológico, é tão digna de proteção quanto a heterossexualidade; f. O amor familiar é o elemento protegido pela união estável e requisito indispensável para a formação da família juridicamente protegida segundo a Constituição, e encontra-se presente no caso dos casais homoafetivos; e g. O não-reconhecimento afeta a dignidade humana dos cidadãos homossexuais na medida em que dificulta a completa realização de suas personalidades e impede que possam concretizar seu direito à felicidade (CORRÊA, n.p.)

Por outro lado, foram formulados argumentos contrários:

a. O art. 1723. do Código Civil por ser reprodução literal do disposto no art. 226, §§ 3º e 5º da Constituição não pode ser contrário à mesma; b. A restrição ao reconhecimento do casamento e da união estável, em face do princípio da igualdade, é exceção emanada pelo poder constituinte originário e é perfeitamente admissível no ordenamento jurídico. c. É desejável a restrição porque a sociedade não pode se constituir com base em uma família diferente da constituída entre pessoas de sexos diferentes; e d. A Constituição determinou numerus clausus as hipóteses nas quais permite a formação de uma entidade familiar (CORRÊA, n.p.)

O pleno do STF julgou procedente o pedido formulado. Observa-se que tal assunto era amplamente debatido pela população durante o julgamento. A decisão mudou completamente a vida de milhares de pessoas. Além de trazer dignidade e reconhecer um direito fundamental. Não há como imaginar que tal decisão pudesse ser tomada por um tribunal sem a participação da população.

O Tema 622 do STF assevera: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.” O STF chegou a tal entendimento após reconhecer a repercussão geral do leading case RE 898060.

O julgamento contou com diversas entidades, dentre elas a IBDFAM- Instituto Brasileiro de Direito de Família. Dentre seus argumentos a IBDFAM asseverou que “não é mais possível ao Direito ignorar a existência da paternidade socioafetiva, embora ela ainda não seja prevista em lei, não obstante a incidência do art. 1.593. do CCB/2002. Daí a importância e suma relevância da interpretação por meio de princípios, mormente o princípio da afetividade, que é o veículo propulsor do reconhecimento jurídico de tal instituto. A inclusão do afeto como valor e como princípio não significa a exclusão dos laços biológicos.”

Com isso, o STF julgou mais um caso de relevante interesse social e com efeitos jurídicos importantes. Nota-se que o Amicus Curiae foi uma entidade diretamente ligada ao ramo do direito que mais foi afetado por tal decisão. Seria impossível ao tribunal legitimar sua decisão sem a participação de tais atores.

A liberdade de expressão foi o tema central do RE 662055. O STF fixou entendimento sobre os limites da liberdade de expressão. Mais uma vez diversos Amicus Curiae participaram auxiliando o tribunal na tomada de decisão.

O caso trata de uma discussão entre uma entidade de proteção aos animais e uma empresa organizadora de eventos, responsável por uma festa de peão de Barretos. A entidade divulgou diversas informações acerca da crueldade contra os animais que ocorria na festa. A organizadora do evento obteve no Tribunal de Justiça de São Paulo decisão que impedia a entidade de publicar matérias sobre a suposta tortura de animais.

O caso teve repercussão geral reconhecida e manifestação de diversas entidades admitidas para se manifestarem, dentre estas, associações de jornalistas.

Contudo, a tese ainda não foi publicada pelo STF. Deve-se aguardar a posição final do tribunal, que certamente atingirá diversos veículos jornalísticos.

Em situação parecida, está o Recurso Extraordinário (RE) 635.659, que trata da descriminalização de drogas. O tema que envolve a descriminalização de drogas é um dos mais polêmicos e complexos na sociedade brasileira.

O STF está, neste momento, julgando tal tema. No entanto, seria impossível imaginar qualquer decisão sem debate com a sociedade. Este é um dos temas futuros que certamente necessitarão da participação de Amici Curiae.

Outro importante tema, como o marco temporal das terras indígenas, deverá ser novamente debatido depois que o Congresso legislou em sentido oposto a decisão do STF.

O aborto, que já conta com o voto da recém aposentada Ministra Rosa Weber, é outro importante tema a ser debatido com a população. Já que a temática envolve dogmas religiosos e direitos fundamentais. Não há que se cogitar que tal julgamento passe apenas pelo crivo do judiciário.

Constata-se que o Amicus Curiae participou diretamente dos julgados mais relevantes da atualidade. Julgados com relevância social, política e jurídica. O amigo da corte é um verdadeiro legitimador da democracia brasileira ao participar com informações técnicas e demonstrar por diversos ângulos a pluralidade típica de sociedades complexas como a brasileira.

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