Capa da publicação Taxa de incêndio: se tudo pode ser taxa, tudo é imposto!
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Tema 1.282 do STF e taxa de incêndio do Estado do Rio Grande do Norte.

Se tudo pode ser taxa, tudo é imposto!

10/02/2025 às 20:38

Resumo:


  • Os serviços públicos devem conter os requisitos de "especificidade" e "divisibilidade" para serem considerados taxas de serviços.

  • O Supremo Tribunal Federal está analisando a constitucionalidade das taxas de prevenção e combate a incêndios instituídas por estados-membros, como no caso do Rio Grande do Norte.

  • A proposta do Min. Dias Toffoli sugere uma interpretação ampla do fato gerador das taxas, questionando a distinção entre taxas e impostos, o que pode impactar a segurança jurídica dos contribuintes brasileiros.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

As taxas de serviço devem ser específicas e divisíveis, mas a possível flexibilização desse critério ameaça a segurança jurídica. O STF pode equiparar taxas a impostos?

1. As taxas de serviços devem conter os requisitos de “especificidade” e “divisibilidade”.

Parece que a assertiva deste tópico, que há tanto protege o contribuinte brasileiro da voracidade do fisco, está prestes a ruir totalmente. Muito embora o art. 791 do Código Tributário Nacional continue plenamente em vigor, sua definição prescritiva, bem como farta jurisprudência, e doutrina consolidada, não são suficientes, infelizmente, para garantir o princípio da segurança jurídica em favor do contribuinte brasileiro2.

É lição que grita até mesmo aos ouvidos dos menos atentos, que Aliomar BALEEIRO, em seu clássico Direito Tributário Brasileiro (13ª ed. Forense: Rio de Janeiro, 2015, pág. 885) atualizado com rigor por Misabel A. M. DERZI, ensina em notas da atualizadora, que:

“A divisibilidade supõe a possibilidade de identificação de cada contribuinte-usuário e a medida de sua utilização efetiva ou potencial” (grifados). Já o próprio BALEEIRO, diz, “É específico quando possa funcionar em condições tais que se apure a utilização individual pelo usuário: a expedição de certidões, a concessão de porte de armas, a aferição dos pesos e medidas etc.” (grifados).

Já escrevi3:

“Os serviços públicos podem ser, uti universi, isto é, aqueles que não são individualizáveis ou divisíveis, devem ser custeados com impostos (ex: segurança pública e saúde). Ou, os serviços será uti singuli, quando, então devem ser custeados com taxas, porque divisíveis e individualizáveis, (ex: taxa de coleta de lixo), ou tarifa e preços públicos ocasião em que deixarão de ser tributos”.

(Roberto Wagner Lima NOGUEIRA, parcialmente grifados no original).

Por evidente, que a construção dessa doutrina da “especificidade” e da “indivisibilidade” das taxas de serviços, se consolidou ao longo da história do direito tributário brasileiro com objetivos bem transparentes, garantir a segurança jurídico-tributária dos contribuintes brasileiros, ao manter a distinção entre taxas e impostos, evitando assim que os serviços estatais uti universi fossem custeados por “taxas” travestidas das características de impostos.

Talvez seja oportuno também, lembrar da definição de imposto no art. 16. do CTN, “Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.” (grifados).

Noutro dizer, taxa não é imposto!!


2. Leading case - RE 1417155 -Origem - Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte. Min. Dias Toffoli.

Tramita no Supremo Tribunal Federal – STF, com repercussão geral em recurso extraordinário a Constitucionalidade ou não, das taxas de prevenção e combate a incêndios, busca, salvamento e resgate instituídas por estados-membros. No caso em análise, sob a batuta do eminente Min. Dias Toffoli, discute-se a arguição feita numa ação de inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria-Geral de Justiça Adjunta do Estado do Rio Grande do Norte tendo como objeto os itens 1, 2 e 6 do Anexo Único da Lei Complementar Estadual nº 247/2002, alterada pela Lei Complementar nº 612/2017.

Diga-se, que os dispositivos impugnados tratam de taxas decorrentes dos serviços de prevenção e combate a incêndios, busca, salvamento e resgate em imóveis localizados no Estado do Rio Grande do Norte e em veículos nele licenciados.

Em primeira instância o MP-RN, logrou êxito em seu pedido, cuja decisão ficou assim ementada,

“CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE COM PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 247/2002 (CRIA O FUNDO ESPECIAL DE REAPARELHAMENTO DO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DO RIO GRANDE DO NORTE (FUNREBOM), INSTITUI AS TAXAS DE EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA E AS TAXAS DE UTILIZAÇÃO DE SERVIÇOS PRESTADOS, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS), COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 612/2017. ITENS 1 (TAXAS DE PREVENÇÃO E COMBATE A INCÊNDIOS, BUSCA E SALVAMENTO - RESGATE DE PESSOAS NÃO ENVOLVIDAS EM ACIDENTES AUTOMOBILÍSTICOS) EM EDIFICAÇÕES E OUTROS AMBIENTES (TCIBS), CORRESPONDENTE AOS IMÓVEIS LOCALIZADOS NA REGIÃO METROPOLITANA DE NATAL), 2 (TAXA DE PREVENÇÃO E COMBATE A INCÊNDIOS, BUSCA E SALVAMENTO - RESGATE DE PESSOAS NÃO ENVOLVIDAS EM ACIDENTES AUTOMOBILÍSTICOS EM EDIFICAÇÕES E OUTROS AMBIENTES (TCIBS), CORRESPONDENTE AOS IMÓVEIS LOCALIZADOS NO INTERIOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE) E 6 (TAXA DE PROTEÇÃO CONTRA INCÊNDIO, SALVAMENTO E RESGATE EM VIA PÚBLICA, PARA VEÍCULOS AUTOMOTORES, APLICADA ANUALMENTE A CADA VEÍCULO LICENCIADO NO ESTADO) DO ANEXO ÚNICO DA REFERIDA NORMA LEGAL. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 90 E 92, II, DA CONSTITUIÇÃOESTADUAL. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA, POR MAIORIA, E, POSTERIORMENTE, SUSPENSA POR DECISÃO DO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (SUSPENSÃO DE LIMINAR Nº 1212). PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA DA PROCURADORA-GERAL DE JUSTIÇA ADJUNTA, SUSCITADA PELO DES. IBANEZ MONTEIRO. REJEIÇÃO. POSTERIOR RATIFICAÇÃO DA EXORDIAL PELO PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA.MÉRITO. CORPO DE BOMBEIROS MILITAR. CRIAÇÃO DA TAXA ANUAL DE PREVENÇÃO E COMBATE A INCÊNDIOS, BUSCA E SALVAMENTO. SEGURANÇA PÚBLICA. ART. 144, V, DA CF/88. SERVIÇO GERAL E INDIVISÍVEL. ILEGITIMIDADE DA COBRANÇA DESTE TRIBUTO PELO ESTADO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE COM EFEITOS EX TUNC. 1. As taxas são tributos vinculados a atividade estatal dirigida a sujeito identificado ou identificável, podendo decorrer do exercício do poder de polícia titularizado pelo ente arrecadador ou da utilização de serviço público específico e divisível posto à disposição do contribuinte. 2. A instituição de taxa exige que os serviços públicos por ela remunerados cumulem os requisitos de especificidade e divisibilidade. Os serviços autorizadores de cobrança de taxas não podem ser prestados de forma geral e indistinta a toda a coletividade (uti universi), mas apenas à parcela específica que dele frui, efetiva ou potencialmente, de modo individualizado e mensurável (uti singuli). 3. A taxa anual de segurança contra incêndio tem como fato gerador a prestação de atividade essencial geral e indivisível pelo corpo de bombeiros, sendo de utilidade genérica, devendo ser custeada pela receita dos impostos

(STF, ADI 2908, Relator (a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 11/10/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-242 DIVULG 05-11-2019 PUBLIC 06-11-2019)”. (grifados)

Note-se, que a escorreita decisão do TJ-RN foi amplamente fundamentada nos próprios precedentes robustos da Suprema Corte brasileira, no entanto, escudando-se em argumentos de ordem financeira, prejuízos aos cofres públicos, perda de arrecadação etc., a Governadora do Estado do Rio Grande do Norte conseguiu fazer os autos chegarem ao STF. Em apertada síntese sustentou que:

“O caso da Taxa de incêndio do Estado de RN não se encaixa bem no julgamento do Tema nº 16, porquanto nesse, foram dois os fundamentos utilizados para se reconhecer a inconstitucionalidade da taxa de incêndio instituída por municípios: a) a incompetência dessas unidades federadas para exercer atividade de combate a incêndios; b) a natureza essencial dessa atividade, a qual deveria ser custeada por impostos. Anotou que em apenas cinco votos foi levantado esse último argumento, de modo que só houve maioria absoluta quanto ao primeiro argumento. Aduziu que o presente caso se diferencia do referido tema de repercussão geral.”

Já o Ministério Público do Estado do RN, recorrido, manteve-se firme em seus argumentos contrários, ou seja,

“O acórdão recorrido em harmonia com o Tema nº 16. Os serviços subjacentes às taxas questionadas são inerentes à segurança pública estadual, devendo ser custeados por impostos. Não estão presentes nesses serviços os requisitos da especificidade e da divisibilidade, essenciais para a instituição de taxa. O julgamento do Tema nº 16, a Corte versou sobre a incompatibilidade entre a natureza do serviço de combate a incêndio e a instituição de taxa.”. (grifados)

O Min. Relator, Dias Toffoli, em ocasião primeira, na decisão monocrática, negou seguimento ao extraordinário, para tanto, escudou-se no fato de que a Corte Suprema já teria reconhecido a inconstitucionalidade de taxas de combate a incêndio instituídas por estados em duas oportunidades (ADI nº 2.908/SE e ADI nº 4.411/MG).

a) O julgamento do Tema nº 16 esteve limitado à taxa de combate a incêndio instituída por municípios. Por maioria de 6 (seis) votos a 4 (cinco), o Tribunal assentou a inconstitucionalidade dessa taxa. Não esteve em discussão, nesse caso, taxa de combate a incêndio instituída por estado-membro.

b) Sobre a relevância do ponto de vista jurídico, é necessário ter em mente que, não obstante existam alguns julgados em sede de ação direta nos quais a Corte assentou a inconstitucionalidade de taxa análoga instituída por estado-membro (nesse sentido: ADI nº 2.908/SE e ADI nº 4.411/MG), até o presente momento inexiste precedente na mesma direção em sede de repercussão geral. Isso tem causado diferença de tratamento entre estados-membros. Em alguns estados, tem-se mantido a cobrança do tributo. Atente-se, a propósito, que ainda está vigente a Súmula nº 549 da Corte, a qual preceitua que “a Taxa de Bombeiros do Estado de Pernambuco é constitucional, revogada a Súmula nº 274”.

c) Outrossim, destaco que a composição da Corte já se modificou, de maneira relevante, desde o julgamento daquele Tema nº 16 e que os julgamentos daquelas ações diretas nas quais se analisaram taxas análogas instituídas por estados-membros tiveram muita inspiração no citado tema.

d) Ante o exposto,

(i) manifesto-me pela existência de matéria constitucional e pela repercussão geral do tema relativo à constitucionalidade das taxas de prevenção e combate a incêndios, busca, salvamento e resgate instituídas por estados-membros, submetendo o caso à apreciação dos demais Ministros da Corte; e

(ii) torno sem efeito as decisões anteriormente proferidas pela Corte nestes autos, a fim de que o recurso extraordinário interposto pela Governadora do Estado do Rio Grande do Norte seja julgado pelo Tribunal Pleno. Ficam, assim, prejudicados os embargos de divergência.

(grifados com inserção de alíneas, para melhorar esclarecer o pensamento do Min. Dias Toffoli).

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Nos autos desse Leading case – 1417155 – o Min. Dias Toffoli propôs a seguinte redação para o Tema 1.282,

Constitucionalidade das taxas de prevenção e combate a incêndios, busca, salvamento e resgate instituídas por estados-membros

Descrição: Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 144, V, e 145, II, da Constituição Federal, a constitucionalidade dos itens 1, 2 e 6 do Anexo Único da Lei Complementar nº 247/2002 do Estado do Rio Grande do Norte, alterada pela Lei Complementar nº 612/2017, que estabeleceu o Fundo Especial de Reaparelhamento do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio Grande do Norte (FUNREBOM) com a instituição da taxa de prevenção e combate a incêndios, busca e salvamento (resgate de pessoas não envolvidas em acidentes automobilísticos) em imóveis localizados no Estado do Rio Grande do Norte e da taxa de proteção contra incêndio, salvamento e resgate em via pública, relativamente a veículos automotores licenciados na mesma unidade federada.”


3. Conclusões.

A proposta de redação para o Tema 1.282, da lavra do ínclito Min. Dias Toffoli, explicitada nos autos do Leading case – 1417155, diga-se, ainda não aprovada por seus pares, pode ser assim resumida.

Se tudo pode ser fato gerador de taxa, tudo é imposto! Não há mais diferença entre as espécies tributárias, toda e qualquer taxa será a mesma coisa que um imposto, ou seja, “terá por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica – art. 16. do CTN”.

Noutro raciocinar, às favas para os conceitos de “indivisibilidade” e “especificidade” cuja construção até então foram sempre prestigiadas com rigor pelos precedentes da Suprema Corte Brasileira.

A vitória da Governadora do Estado do Rio Grande do norte e seu IMPOSTO INCENDIÁRIO será a derrota da segurança jurídica dos cidadãos contribuintes do Estado, e como precedente, uma derrota para todos os contribuintes brasileiros.

E, imaginem vocês que a partir de 2032, teremos plenamente os novos IBS e CBS para arrecadarem ainda mais em favor do Estado brasileiro como um todo. Haja interpretação!!

Como diz o eminente professor e doutrinador recifense, Ricardo ALEXANDRE, a proposta do Min. Dias Toffoli libera “tudão”, considera tudo serviço!!

O Supremo Tribunal Federal não precisa de problemas, ele os cria!


Notas

1 Art. 79. Os serviços públicos a que se refere o art. 77. consideram-se:

I - utilizados pelo contribuinte:

a) efetivamente, quando por êle usufruídos a qualquer título;

b) potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento;

II - específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade, ou de necessidades públicas;

III - divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários. (grifados).

2 ÁVILA, Humberto. “Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no direito tributário.” São Paulo: Malheiros, 2012.

3 NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Direito Financeiro e Direito Tributário. Rio de Janeiro: Multifico, 2019, p. 242/243.

Sobre o autor
Roberto Wagner Lima Nogueira

Mestre em Direito Tributário, Advogado tributarista, Procurador do Município de Areal (RJ), Membro do Conselho Científico da Associação Paulista de Direito Tributário (APET). Autor dos livros "Fundamentos do Dever Tributário", Belo Horizonte, Del Rey, 2003, e "Direito Financeiro e Justiça Tributária", Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004; "Direito Financeiro e Direito Tributário", Multifoco: Rio de Janeiro, 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Tema 1.282 do STF e taxa de incêndio do Estado do Rio Grande do Norte.: Se tudo pode ser taxa, tudo é imposto!. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7894, 10 fev. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/112846. Acesso em: 13 mar. 2025.

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