No vasto emaranhado do Direito, poucas ordens são tão diretas e impositivas quanto um alvará judicial. Trata-se de um comando expedido pelo juízo competente, conferindo ao destinatário o poder de praticar determinado ato. Essencial em diversas áreas, o alvará viabiliza desde o levantamento de valores até o cumprimento de determinações processuais. No contexto sucessório, por exemplo, permite que herdeiros ou inventariantes movimentem contas bancárias do falecido, sem a necessidade de burocracias bancárias que retardem o fluxo natural da partilha.
Em tese, um alvará representa a voz do Estado, revestida da autoridade de um juiz de direito, cuja palavra deveria ser acatada sem questionamentos por aqueles a quem a ordem se destina. Na prática, contudo, há um ente que, reiteradamente, se coloca acima do próprio Judiciário: o sistema bancário.
Eis que se desenrola um episódio digno de figurar nos compêndios da resistência passiva das instituições financeiras.
O CAUSO
Munido de um alvará judicial límpido e cristalino, um advogado dirigiu-se ao banco para cumprir o que dele se esperava: levantar os valores e encerrar a conta da falecida, em nome de sua cliente. O documento, solenemente assinado pelo magistrado, estabelecia de forma inequívoca que tal ato poderia ser realizado por um ou outro – a cliente ou seu advogado, por meio de procuração. Uma simplicidade que só a lógica jurídica é capaz de proporcionar.
Mas, ao chegar ao banco, a recepção foi menos calorosa do que um juiz esperaria ao expedir uma ordem. O funcionário da instituição, de posse do alvará, analisou o documento como se desvendasse uma carta enigmática escrita em linguagem extraterrestre. Depois de minuciosos minutos de exame, proferiu sua sentença:
— O senhor precisa trazer a cliente aqui.
O advogado, homem de paciência treinada, tentou a abordagem didática. Apontou a redação do alvará, enfatizando a conjunção alternativa “ou”, como um professor de gramática em uma aula sobre coordenação. Mas a resistência era ferrenha.
— Isso é procedimento interno — rebateu o bancário, com o ar de quem invocava uma norma superior ao Código de Processo Civil.
O causídico, então, elevou o tom jurídico. Citou a supremacia do Poder Judiciário, a impossibilidade de regras internas se sobreporem a uma decisão judicial e, claro, fez uma breve explanação sobre o conceito de hierarquia normativa. Tudo em vão.
O banco, implacável, manteve sua posição, como se o alvará fosse mera recomendação e não um comando. O advogado insistiu, invocando princípios constitucionais, o direito fundamental de acesso à justiça, a segurança jurídica. Mas, ali, quem detinha a última palavra não era o juiz, tampouco a lei – era o sistema interno do banco.
CONCLUSÃO JURÍDICA
A lição desse episódio é clara: há três poderes na República – o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Mas há também o sistema bancário, um ente à parte, dotado de regras próprias, imune à lógica jurídica e à força vinculante das decisões judiciais.
A depender do banco, a hermenêutica jurídica não se resolve no Superior Tribunal de Justiça, mas sim no setor de atendimento ao cliente, e o princípio da legalidade cede lugar ao princípio da conveniência institucional.
Que fique o aprendizado para os operadores do Direito: na batalha entre um alvará judicial e um procedimento bancário, quem dá a última palavra não é o juiz. É o caixa (por enquanto...).