Online dispute resolution (ODR) no poder judiciário brasileiro: uma perspectiva sobre os meios alternativos de solução de conflitos e a justiça digital

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3 A TRANSFORMAÇÃO DO DIREITO COMO TECNOLOGIA, A PARTIR DA APLICAÇÃO DE ONLINE DISPUTE RESOLUTION (ODR)

Nesse tópico será iniciado o conhecimento acerca da conceituação e surgimento da Online Dispute Resolution (ODR), a qual diz respeito ao uso de tecnologia no processo de resolução de conflitos, durante ou apenas em parte do processo. Os procedimentos que podem abranger o ODR como solução incluem: arbitragem, mediação, conciliação ou negociação, conduzidas através de ferramentas automatizadas. Além disso, iremos também fazer uma breve contextualização histórica sobre seu surgimento, apontando as principais justificativas e aspectos que demonstram e confirmam esse surgimento.

Com base em informações estatísticas a partir da visão geral das atividades do sistema judiciário em todo o país, o CNJ trabalha para desenvolver uma série de políticas públicas para resolver os problemas identificados na estrutura do sistema judiciário e para melhorar os serviços de justiça. As ações tomadas pelo conselho incluem o incentivo ao uso de Meios Alternativos de Solução de Conflitos (MASC), como conciliação e mediação já explicados neste artigo; virtualização de instituições judiciais; e, entre outras coisas, estabelecimento de metas destinadas a reduzir o estoque de processos.

Ademais, o conselho pauta-se ainda em apresentar planejamentos voltados a aliança entre Direito e tecnologia, incumbido do controle administrativo do Poder Judiciário e planejamento de políticas públicas para o sistema judiciário, onde a mais marcante é a ênfase na utilização de novas tecnologias em todas as áreas de atividade da função judicial.

No contexto das mudanças sociais provocadas pela inovação tecnológica e pelo aumento da utilização de comunicações em tempo real, reconhece-se a necessidade de reavaliar os atuais métodos de resolução de conflitos e atualizá-los para se adaptarem às realidades contemporâneas. As comunicações em rede, mediadas por dispositivos móveis como smartphones e tablets, são quase onipresentes e têm um impacto direto na forma como as pessoas comunicam, interagem, conduzem negócios e vivem juntas.

A utilização em larga escala e generalizada destas novas formas de comunicação cria um cenário favorável ao surgimento do modelo de Resolução de Disputas Online (ODR), em sistemas jurídicos estrangeiros e à introdução do conceito no Brasil. No mais, no país esse conceito só foi levado a sério no sistema judicial em 2016, não apenas como forma de ampliar e democratizar o uso de MASCs, mas também de combiná-los com a virtualização das instituições judiciais.

Sendo assim, apresentaremos nessa seção, a ODR,como forma de demonstrar sua plena eficiência, a partir do caso do site eBay, esse que ficara conhecido, em especial no ramo do Direito do Consumidor, unindo-o ao campo tecnológico e fazendo-os andarem de mãos dadas a fim de solucionar os inúmeros litígios levantados, especialmente, pelos consumidores dos diversos produtos vendidos neste site.

Por fim, no contexto da jurisdição brasileira, a plataforma Modria será o alvo da discussão nesse artigo, indicando-a como meio de encaminhar a aplicação da ODR no Direito brasileiro. Para isso, explicar-se-á sobre a plataforma, suas características e modo de utilização, desse modo, além de, evidenciar não somente o emprego no quesito do Direito que trabalha com empresas e seus consumidores, mas de igual forma, entre as mais diversas facetas que compreendem o Direito brasileiro.

Sendo assim, teremos a compreensão em torno da aplicação da ODR exprimindo-a para nosso país, todavia, mostrando também os desafios que ainda a acompanham no cenário da justiça brasileira. Esse tópico do artigo dividiu-se em três seções que abordam as seguintes temáticas: breve contextualização histórica e conceituação da Online Dispute Resolution (ODR); o uso da Online Dispute Resolution (ODR) no comércio eletrônico: uma perspectiva sobre o caso ebay e a importância da Online Dispute Resolution (ODR) na atual conjuntura do direito brasileiro: a implementação da plataforma Modria.

3.1 Breve contextualização histórica e conceituação da Online Dispute Resolution (ODR)

Segundo o professor Luiz Adolfo Olsen da Veiga (2001, p.8.) "Se queremos uma Justiça que atenda aos reclamos da cidadania com rapidez e eficiência, neste novo milênio, não poderemos prescindir dos sistemas inteligentes (...)”.

Após o surgimento da Internet como ferramenta de bem público civil na década de 90, muitas outras inovações consequentes a ela foram observadas pela sociedade. Diversas redes sociais começaram a aparecer e conectar cada vez mais pessoas ao redor do mundo, além de aparelhos que garantiam a internet para seus usuários, como foi o caso do Nokia 9000 Communicator, apresentado no ano de 1996, o qual possibilitou o acesso comercial para a Internet móvel via GSM.

Nesse sentido, o estopim não só de aparelhos como também de aplicativos com interfaces mais modernas, possibilitando a realização das mais variadas atividades por seus usuários, mostrou-se com o passar dos tempos, graças ao anseio de uma sociedade sempre entusiasta. O que antes era imaginado apenas em cenas de filmes sci-fi, fora tomando conta da realidade e abrindo portas para uma nova Era, agora envolta de máquinas, softwares e acima de tudo, da necessidade incessante de velocidade, tudo isso proporcionando uma ansiedade social.

Sabendo que as relações interpessoais foram fortemente afetadas por essa modernização e invasão tecnológica, a mencionar os conflitos sociais, constatando-se que todas as ramificações dessa passaram por tamanha mudança. Conhecida inicialmente como Online Dispute Resolution (ODR), a Resolução de Conflitos Online manifestava-se efetivamente nos Estados Unidos entre os anos de 1997 e 1998, devido a grande onda de conflitos no âmbito consumerista, em razão do desenvolvimento dos primeiros portais comerciais e consequente abertura da Internet para o comércio eletrônico.

Foi no ano de 1997 que se apresentou a fase da instauração da ODR graças aos professores Ethan Katsch e Janet Rifkin, responsáveis pela criação do National Center for Technology and Dispute Resolution (NCDR) vinculado à Universidade de Massachusetts. Nesse Centro havia o Escritório de Ombuds Online, objetivando fomentar tecnologia de informação e gerenciamento de conflitos. Por meio deste, várias instituições renomadas como a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) e a Conferência de Haia sobre Direito Internacional Privado, iniciaram sua exploração a ODR.

Graças a essa colaboração entre os professores, originou-se o portal SquareTrade, um dos pioneiros a fornecer comercialmente a ODR para as disputas de consumo no mercado americano, em especial ao site de comércio eletrônico Ebay, conhecido mundialmente, utilizando-se deste portal como forma de resolver as disputas entre seus usuários (consumer to consumer ou C2C), guiando-os os por meio de diversas perguntas e explicações com o propósito de auxiliá-los a alcançar uma solução amigável.

Além das influências da origem da Internet, a 4ª Revolução Industrial, iniciada em 2011, também teve papel importante para a ODR, isso porque, essa revolução visava através do uso das tecnologias, a melhoria da eficiência e produtividade dos processos. Dessa forma, em meados desse mesmo ano, uma nova afluência para as soluções de conflito na modalidade on-line ocorreu, a partir do protagonismo das propostas governamentais na União Europeia e de órgãos do Poder Judiciário americano, como a National Mediation Board (NMB) e o Office of Government Information Services (OGIS), consoante Lima e Feitosa (2016, p. 62).

Segundo o jurista Ethan Katsh (2012), o National Center for Automated Information Research (NCAIR), corporação educacional formada em 1966, sem fins lucrativos, organizada sob as leis do estado de Nova York e fretada pelo Conselho de Regentes do Estado de Nova York, patrocinou a primeira conferência dedicada a ODR e patrocinou os primeiros projetos ODR em 1996, conhecidos como Virtual Magistrate, The Online Ombuds da Universidade de Massachusetts e um projeto sobre disputa familiar da Universidade de Maryland.

Isso porque, o NCAIR carregava como propósitos declarados, estudar métodos modernos de pesquisa e recuperação de informações, para educar as profissões e promover o desenvolvimento e a disponibilidade sob padrões adequados de sistemas e serviços confiáveis para a coleta, classificação, condensação e recuperação de informações legais de todos os tipos.

Sendo assim, constata-se que os sistemas baseados em ODR surgiram nos Estados Unidos e vêm se desenvolvendo na União Europeia (UE). Segundo Cebola (2016), o Poder Público tem normatizado e incentivado a utilização da ODR para a solução de conflitos de consumo na UE, em especial através da Diretiva 2013/11/UE e Regulamento (UE) ambos do Parlamento Europeu e do Conselho e datados de 21 de maio de 2013. Esses instrumentos estabeleceram a plataforma RLL, sigla para Resolução de Litígios em Linha, a qual visa a solução de litígios online e está em funcionamento desde fevereiro de 2016, com manutenção e financiamento assegurados pela Comissão Europeia.

Após essa breve análise histórica sobre a ODR, importa-se agora saber sua conceituação, sendo portanto, uma espécie do gênero Alternative Dispute Resolution (ADR), que segundo Fernando Sérgio Amorim consiste na utilização dos recursos da tecnologia para a Resolução Alternativa de Litígios (ADR), quer sejam estes decorrentes exclusivamente das relações jurídicas firmadas no ciberespaço, quer sejam originários de relações jurídicas constituídas no mundo dito ‘físico. (Amorim, 2017, p. 515).

O professor Frank Sander, da Harvard Law School, em 1976 apresentou em uma palestra na Pound Conference o conceito de resolução de conflitos conhecido como "tribunal multiportas". Nessa conferência, ele despertou a ideia de utilizar diferentes formas adequadas para solucionar conflitos. Essas formas, conhecidas pela sigla ADR, ampliam as opções oferecidas pelo judiciário para autocomposição de conflitos, através do diálogo e da colaboração.

A ODR nada mais é que a aplicação de ferramentas digitais em formas preexistentes de ADR, ou seja, consiste na utilização de mecanismos para resolver conflitos sem a interferência do Estado e seu Poder Judiciário. Segundo a professora Janet Rifkin (2001), essas ferramentas seriam como a quarta parte, “the fourth party”, auxiliando nessa nova resolução de conflitos juntamente com a terceira parte, utilizando como exemplo para esta, o mediador.

As ODR podem ser síncronas e assíncronas, nessa primeira modalidade, o processo de resolução ocorre em tempo real, por meio do envolvimento das partes que interagem simultaneamente. Dessa forma, as comunicações dão-se, na maioria das vezes, utilizando-se de videoconferências, chamadas telefônicas ou salas de chat online, proporcionando com que as partes comuniquem-se diretamente entre si ou por mediadores também presentes na plataforma. Sendo assim, a utilidade dessa modalidade de ODR dá-se à vista da necessidade de diálogo imediato e troca ágil de informações.

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Por outro lado, a ODR assíncrona não exige a presença concorrente das partes envolvidas. Portanto, elas poderão participar em momentos distintos, levando em consideração o que lhe for cômodo. Além disso, estas comunicações ocorrem utilizando-se de mensagens escritas, e-mail ou propriamente nos canais de mensagem interna da plataforma, onde as partes enviaram propostas, declarações, documentos e evidências quando virem a necessidade, recebendo feedbacks também em momentos diferentes. Sua utilidade é vista quando as partes encontram-se em diferentes fusos ou suas agendas são lotadas de afazeres, utilizando-se do tempo que lhes couber para responder a essa forma de solução.

No cenário da justiça brasileira, a ADR iguala-se aos Métodos Adequados de Solução de Conflitos (MASC), os quais, inevitavelmente, fizeram uso das citadas ferramentas, espelhando sua inclusão e adaptação ao período em que se encontram, ostentando sua completa imprescindibilidade em nossa existência e até o fim de nossos tempos terrenos.

Através do texto do inciso X do art. 6º, da Resolução CNJ nº 125, de 29 de novembro de 2010- alterado a partir das Emendas nº 01/2013 e pela Emenda nº 02/2016 e das Resolução nº 290/2019 e nº 326/2020- foi estabelecido o surgimento do Sistema de Mediação e Conciliação Digital. Objetivando, por meio da medida, adotá-lo tanto para as fases pré-processuais, quanto durante o procedimento, contanto que houvesse a anuência dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais4.

Além disso, com o surgimento dos versados CPC/2015 e da Lei nº 13.140/2015, desenvolve-se mais ainda a viabilidade da aplicação das tecnologias de informação e comunicação como meio de operação dos métodos de autocomposição.

No mais, os softwares de ODR ainda estão ganhando espaço de forma discreta. Na base de dados da Associação Brasileira de Lawtechs & Legaltechs (AB2L)- entidade que tem como objetivo apoiar o desenvolvimento de empresas que oferecem produtos ou serviços inovadores usando recursos tecnológicos nas área jurídicas- encontramos empresas como Acordo Fechado, Concilie Online, eConciliar, Jussto, Mol e Sem Processo, que prestam serviços de resolução de disputas virtualmente.

Todavia, uma pesquisa nacional realizada em 2017 sobre o cenário de tecnologias para o mercado jurídico realizada pela AB2L revelou que a demanda por plataformas de negociação de acordos é apenas de 2% (dois por cento_.

GRÁFICO SOBRE O USO DE MEIO DIGITAIS NO DIREITO

Entretanto, vide a pandemia do COVID-19, no ano de 2020, foi notado por todos certa obrigação de instaurar essas ferramentas tecnológicas e suas fontes em todas as possíveis atividades humanas. Pela inter-relação não ser possível, teríamos que permanecer com o contato, porém não como usualmente conhecemos, o distanciamento era sentido e sofrido por todos, mas não impossibilitava que continuássemos com nossas vidas e interações, só que agora de modo quase que completamente online.

Ao examinar o quadro regulatório em vigor, desenvolvido principalmente sob a influência do referido contexto, observa-se a implementação do modelo de audiências telepresenciais, ou seja, de interação em tempo real, introduzindo as mais profusas inteligências artificiais ao cenário dos pleitos judiciais. A exemplo da Portaria nº 61, de 31 de março de 2020, do Conselho Nacional de Justiça, que cria a Plataforma Emergencial de Videoconferência para Atos Processuais e Leis como o art. 22, § 2º da Lei 13.994, de 24 de abril de 2020.

Art. 22, § 2º: “É cabível a conciliação não presencial conduzida pelo Juizado mediante o emprego dos recursos tecnológicos disponíveis de transmissão de sons e imagens em tempo real, devendo o resultado da tentativa de conciliação ser reduzido a escrito com os anexos pertinentes”.

Mesmo com a aplicação da ODR, ainda é possível perceber um certo bloqueio para com esse mecanismo de resolução, no entendimento de Santos e Magalhães,

(...) para que haja uma maior utilização das formas alternativas de resolução de conflitos é preciso que seja construída uma cultura social que reconheça a importância no aprendizado de técnicas que possibilitem o gerenciamento dos conflitos pelos próprios interessados, recorrendo a terceiros com poderes decisórios apenas nas hipóteses em que haja fracasso da resolução dos conflitos pelos próprios interessados (...) (2013, [n.p.]).

Deve ser destacada a importância de manter o poder decisório nas mãos dos próprios agentes, na administração dos conflitos, visto que estes são os únicos indicados para reconhecer os verdadeiros interesses que visam alcançar.

Além da resistência antes percebida por parte dos profissionais desta área em utilizar-se dos MASC, Lima e Feitosa (2016, p. 62) abordam o fato da desigualdade quando tratam do emprego da ODR, isso porque, é de conhecimento comum os entraves do acesso a internet para toda a população, o que de certa maneira traria um obstáculo para esse exercício.

Entretanto, ao mesmo tempo que apresenta esse obstáculo, traz também como solução a difusão da utilização da internet, ou seja, quanto mais se demonstrar a necessidade e utilização desta, mais se fará, em especial para solução de conflitos jurídicos, sua operação e disseminação em torno da sociedade.

Ademais, os autores afirmam ainda que as vantagens da ODR superam os desafios, pois apresentam inúmeros aspectos positivos em relação à economia com despesas de viagens, comparecimento de audiência e contratação de advogados, apresentando potencial de mudança de cultura e empoderamento social.

Com isso, a utilização desses métodos traz a possibilidade de inclusão dos meios digitais como ferramenta principal. Para Granat (1996) é positivo que a mediação online possa consentir que as partes envolvidas anteponha o momento que desejam participar da solução do conflito, dando espaço para uma reflexão perante seu posicionamento antes de responder, garantindo uma melhor gerência de suas emoções, por não precisarem no primeiro momento encararem a outra parte do conflito. Contribuindo para a diminuição da hostilidade emotiva e proporcionando o maior respeito entre as partes.

Além disso, a Associação Brasileira Law Techs e Legal Techs (AB2L), principal no território brasileiro que opera a tecnologia da ODR, com a finalidade de gerar soluções e inovações próprias para o contexto nacional, mediante diálogo entre empresas de modalidade tecnológica e jurídica, abarcando as características de celeridade e eficiência para a apreciação dos processos e trazendo assim, a expansão da ODR nesse cenário.

Sendo assim, nota-se a inclusão cada vez mais recorrente da utilização da ODR no meio das MASC, com a finalidade, acima de tudo, de progredir a solução de conflitos, isso porque, percebendo a utilização dos métodos de solução de conflitos, a automatização desses seriam ainda mais uma demonstração da inclusão do direito brasileiro no contexto de tecnologias que se dispõe diariamente em nossa vivência.

Pois como asseverou o Presidente e CEO da odr.com, Mediate.com, e Arbitrate.com., Colin Rule, “Justice is a thing, Justice is not a place”, traduzindo como, "Justiça é uma coisa, Justiça não é um lugar" e, dessa forma, não deve se prender apenas ao tribunal do júri como local para solucionar as demandas de uma sociedade.5

3.1.1 O uso da Online Dispute Resolution (ODR) no comércio eletrônico: Uma perspectiva sobre o caso eBay

Fundada em 1995, nos Estados Unidos, pelo engenheiro de software francês Pierre Omidyar, sob o nome inicial de AuctionWeb, alterando-o no ano de 1997, ao alcançar 2 milhões de negociações. O site foi criado com o escopo de reunir compradores e vendedores em um mercado aberto, oportunizando não só a divulgação de itens, mas também a conexão entre as pessoas. Isso porque, a empresa carrega mais de 180 milhões de usuários, além dos mais de um bilhão de produtos à venda, carregando cerca de dois bilhões de transações por dia em sua plataforma, sendo assim um dos principais mercados digitais do mundo.6

Disponível em 32 países, disponibiliza dois métodos de venda, sendo este por meio direto e leilões. No caso de vendas diretas, o comprador paga um valor fixo pelo produto, já no caso do leilão quem fizer o lance mais alto ganha o produto. Os vendedores escolhem qual modalidade querem vender, mas também podem utilizar os dois modelos ao mesmo tempo.

Diante desse ambiente de volumosas negociações, como uma empresa dessa magnitude poderia resolver todos os processos de conflitos envolvendo as reclamações de seus compradores? A resposta é simples: virtualmente.

A empresa eBay, gigante no comércio eletrônico, teve papel significativamente relevante para o início da utilização da ODR em seu sistema interno. Em 1999, o Professor Ethan Katsh, considerado um dos fundadores do campo da Resolução de Disputas Online (ODR), colaborou com o eBay para resolver disputas entre compradores e vendedores.

Disponibilizando um link na página de ajuda do eBay, direcionando os consumidores para o Katsh’s Online Ombuds Center, sediado na Universidade de Massachusetts, onde poderiam reportar seus problemas, gerando um grande aumento de casos no Centro.7

Posteriormente, esse modelo piloto evoluiu para a startup SquareTrade.com, que se tornou o serviço de mediação online mais famoso do mundo. Durante os oito anos seguintes, a SquareTrade resolveu milhares de disputas utilizando mediadores através do sistema de Feedback do eBay, no qual os consumidores davam notas para suas compras e vendas.

Sabe-se que a empresa utilizava da mediação oferecida pelo Ombuds Online no ano de 2003, no atual cenário é criado pela mesma a adoção de sistema próprio de ODR para solucionar seus reveses, em razão dos problemas em que a SquareTrade, como uma empresa terceirizada, já não conseguiu resolver (Rule, 2017). Dessa maneira, o atual sistema criado pela própria empresa, proporciona a solução de mais de 60 milhões de casos por ano, por meio da combinação de negociação entre as partes e julgamento juntamente a um funcionário do eBay.

[...] as disputas no eBay podem envolver desentendimentos culturais, barreiras linguísticas e diferenças de classes. Uma única compra no eBay pode envolver um comprador na Austrália, um vendedor da França, um fornecedor da China, tudo sendo transacionado em um site americano que utiliza as leis da Califórnia em seus Termos e Condicoes. Isto pode levar a muitos pontos de confusão. (Rule, 2017, p. 356, tradução nossa)8

O primeiro desafio observado pela empresa ao realizar o desenvolvimento de seu sistema de ODR foi no que diz respeito ao excessivo número de casos, chegando a ultrapassar o volume de casos da corte civil americana. Desse modo, mesmo que o eBay contratasse diversos mediadores, seria impossível lidar com a quantidade de casos, à vista disso, fazendo uma análise acerca desses casos, notou-se que encaixavam-se em categorias similares. A partir disso, foi decidido que seria necessário desenvolver um software visando cumprir os requisitos do devido processo legal, ainda que em sentido amplo, de maneira a incluir a participação de pessoas, o 3º excluso a lide, em casos particulares e que de fato fosse excepcional essa atuação.

Para entendermos esse sistema de experiência do usuário conhecido como UX- propõe a interação entre usuário e produto ou serviço de forma mais eficiente, intuitiva e agradável possível- que opera com usabilidade de persuasão, com a preponderante finalidade de conceber um ambiente amistoso e intrínseco para a resolução consensual dos conflitos, é substancial compreender que são utilizadas etapas, com diferentes modalidades de resolução, totalmente online, para solucionar os conflitos impostos.

Inicialmente a parte que se sentir lesada, por revisão insensível de produto ou por problema na entrega, possui um prazo de 30 dias para acionar o site do eBay. Sequencialmente, o site cria um espaço para que as partes possam discutir abertamente sobre a objeção, utilizando-se da negociação em seus próprios termos, de modo a entrarem em consenso independentemente.

Em caso de não funcionalidade da etapa anterior, o litígio poderá ainda ser resolvido, de maneira que, as partes agora são redirecionadas para um novo ambiente, ainda no próprio site, permitindo que sejam feitas alegações, utilizando-se também do anexo de documentos essenciais para a comprovação do problema levantado. Conseguinte, um funcionário da empresa será responsabilizado por verificar essas alegações e documentos e, assim, definir a parte detentora da razão, bem como as regras que serão cabíveis ao caso, aplicando as políticas internas do próprio eBay.

Já nos casos de difamação presentes no site, tanto a parte vítima do ato quanto a causadora, poderão consultar especialistas da Net Neutrals, empresa independente referência nesses tipos de caso, ajudando empresas e consumidores a resolver suas diferenças online, de forma rápida e justa.

Face a isso, graças ao eBay, no que concerne ao proveito digital para solução de litígios, que diversas outras fontes de ODR foram criadas. A exemplo disso tem-se um Tribunal do Canadá, denominado Civil Resolution Tribunal (CRT), sendo o primeiro tribunal online do país, fazendo parte do sistema de justiça pública da Colúmbia Britânica. Onde é oferecida uma maneira acessível de resolver disputas sem a necessidade de um advogado ou de comparecimento a um tribunal. Utilizando-se do incentivo através de uma abordagem colaborativa para a resolução de disputas.

Destinado a lidar com conflitos civis análogos ao do Juizado Especial brasileiro, utiliza do meio digital a fim de sanar os conflitos apresentados, os quais podem variar em valores de $5.000,00 (cinco mil dólares) nas pequenas causas, até $50.000,00 (cinquenta mil dólares).

Nesse modelo, o sistema educa as partes envolvidas na etapa conhecida como case explorer, aqui elas compreenderão melhor sobre os direitos em questão e as possibilidades de solução. Após isso, as partes passaram pelo processo de negociação, o qual utiliza-se da usabilidade e busca derrubar os muros que poderão dificultar a resolução do conflito entre os sujeitos

No mais, caso não seja alcançado um acordo pelas partes, estas são direcionadas a uma câmara de mediação, que coordena as sessões no próprio site ou até mesmo por meio de ligação telefônica. Caso não haja acordo novamente, será passado o caso para o juiz no tribunal, que através da internet ou telefone decidirá sobre o conflito, sendo essa a decisão final.

Mostrou-se otimista sua aplicação, de tal forma que, Segundo o Presidente do Tribunal, Shannon Salter, desde o ano de 2017, 94% (noventa e quatro por cento) dos casos com valores inferiores a $5.000,00 (cinco mil dólares), são solucionados antes da apreciação de um juiz, mediante acordos entre as partes, resultando no aumento gradual do índice de satisfação de seus usuários.

No Brasil também é observada a aplicação da ODR, criada pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, ainda em 2015 a plataforma consumidor.gov.br é um dos excelentes exemplos da aplicação da tecnologia com o direito, nesse caso o direito do consumidor, assim como no caso da empresa Ebay. Favorecendo aos consumidores e as empresas o diálogo para solucionar suas demandas, gratuitamente, afastando a necessidade inicial de judicialização.

Também brasileira, criada em 2016, com plataforma online e por aplicativo e utilizadora dos recursos da ODR, a startup AcordoNet é uma plataforma de mediação de conflitos, possibilitando medir a eficiência das negociações, retirar tendências e comportamentos, tudo por meio dos resultados obtidos.

À vista disso, novamente são inferidas as qualidades, pelas quais serão versadas de maneira mais detalhada no tópico seguinte, demonstrando as assertividades em face da adoção das resoluções de conflitos online progressivamente no panorama do Direito brasileiro, exigindo a reflexão sobre outras possibilidades de interação com uso da tecnologia, desenraizando sua permanência exclusiva a jurisdição.

3.1.2 A importância da Online Dispute Resolution (ODR) na atual conjuntura do direito brasileiro: A implementação da plataforma Modria

Segundo entendimento dos autores Eckschmidt, Magalhães e Muhr (2016), sobre o uso da ODR, destacam-se suas inúmeras vantagens, em especial a celeridade, englobando também neste o caráter econômico, por não requerer custo de deslocamento- tendo em vista que muitas vezes as partes encontram-se em locais distintos e longínquos umas das outras- de cópias de documentos, carga dos autos, entre outros. Ainda sobre o quesito da economia, essa modalidade de resolução de conflito, por ter os custos geralmente fixos e mais acessíveis, em comparação às taxas da demanda judicial comum, permite que seus usuários vejam os gastos para a solução de suas controvérsias.

Além disso, os autores afirmam que, sendo menos pessoais às relações, esse uso impede as variações de ânimos e tensões entre as partes, afastando a agitação e o desgaste emocional muitas vezes observados em resoluções judiciais, já que a prescindibilidade do contato direto se torna característica dirigente.

Conforme os autores supracitados:

A cada dia que passa, novas funcionalidades tecnológicas são desenvolvidas e surgem novas maneiras e incorporá-las os MESC. Imagine que o Facebook não existia em 2003 e hoje, em pouco mais de 12 anos, é uma das maiores redes sociais do mundo com mais de 1,6 bilhões de usuários. Da mesma forma, novas definições surgiram, levando em conta, inclusive, a origem do conflito. (Eckschmidt; Magalhães; Muhr, 2016, s/p)

Outrossim, a aplicação da ODR no meio jurídico estatal vislumbra acima de tudo a diminuição do número de processos em sua atribuição, o que igualmente incorpora aqui o fator da economia. No mais, suscita aos que dela demandam a flexibilização de horários, apartando assim a exigência de que os conflitos sejam resolvidos em momentos pré-estabelecidos e sem condescendência.

Contudo, pode-se argumentar a respeito da segurança dos conflitos resolvidos por meio desse sistema digital, então o que se explica é que da mesma maneira que uma sentença emitida pelo poder judiciário, no Brasil, temos a atuação de mediadores produzindo títulos executivos extrajudiciais e títulos executivos judiciais (quando os mediadores/conciliadores passam por capacitação oferecida pelo CNJ, portanto, o termo dessa decisão, valendo-se da Resolução Online, assumirá título executivo de natureza judicial, podendo ser empreendida se não houver cumprimento voluntário da obrigação, asseverando portanto, segurança jurídica, sobretudo pelo caráter de privacidade, transparência e sigilo.

Reconhecido pelo CNJ, no Relatório Anual de 2015, esse trouxe como uma de suas diretrizes “impulsionar o uso de meios eletrônicos para tomada de decisões”, é inegável que no Poder Judiciário brasileiro, a informatização do processo judiciário exibe veemente valia, devido a efetividade da prestação jurisdicional obedecendo os princípios basilares da eficiência, da celeridade e da razoável duração do processo.

Além desses princípios, a ODR carrega também outros em sua formação e desenvolvimento, sendo estes o da acessibilidade e garantia, a qual importa que a ferramenta esteja à disposição da parte pelo tempo necessário e na íntegra; autonomia de vontade, por meio da participação informada de cada agente, ou seja, consciência de todo o andamento do procedimento e da expectativa de conclusão; igualdade e equilíbrio dos intervenientes ao longo do desenvolvimento de trabalhos online; garantia de sigilo e confidencialidade, essa que importa propriamente a segurança deste ambiente digital; neutralidade, equidistância e domínio da tecnologia por parte dos usuários da plataforma, sejam eles árbitros, conciliadores, mediadores ou membros de comissões de julgamento.

Em síntese, segundo o professor de direito Aires José Rover (2001, p. 15).

Ora, o caráter fortemente racional do Direito não só facilita sua aplicação esquemática no dia-a-dia como permite construir sistemas informatizados que avançam naquela direção. Naturalmente, é preciso distinguir as situações em que a aplicação da informática no Direito é possível daquelas em que se exige o uso dos métodos tradicionais de interpretação e resolução de conflitos legais.9

Mesmo não observando ainda o emprego majoritário da ODR no cenário da jurisdição brasileira, gradativamente, é apreciado, em especial pela inserção diária da tecnologia e suas criações, sobretudo dos softwares de inteligência artificial- os quais possibilitam o auxilio na gestação de tramitação de ações- a presença dessa modalidade de resolução.

Conforme relatório realizado para a pesquisa “Tecnologia Aplicada à Gestão dos Conflitos no Âmbito do Poder Judiciário Brasileiro”, realizado pelo Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da Fundação Getulio Vargas (CIAPJ/FGV), apresenta-se em pelo menos metade dos tribunais do país sistemas carregando essa caracteristica. Nesse viés, encontram-se hoje uma quantidade de 29 softwares em desenvolvimento; 7 em fase de projeto piloto; e 27 em produção10.

Como exemplo dessas plataformas, temos a plataforma Modria, desenvolvida pela empresa norte-americana Tyler Technologies, habilitada a processar um grande volume de disputas sincronizadas, aceitando casos variados como conflitos de consumo até os mais complexos de execução fiscal e direito de família. Essa plataforma chegou ao Brasil em parceria com a Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada (CAMES), auxiliando Procons e proporcionando atendimentos mais eficientes.

Seus fundadores foram responsáveis por criar os sistemas de ODR do eBay em meados dos anos 2000, permitindo à empresa processar uma quantidade de 60 milhões de conflitos por ano, onde 90% foram resolvidos pela automação. Diversas Entidades de Resolução Alternativa de Conflitos e Câmaras de Mediação e Arbitragem fazem uso dessa plataforma, a exemplo a American Arbitration Association, nos Estados Unidos.

A plataforma utiliza-se de quatro atos, sendo estes: diagnosticar o problema por meio da tecnologia; possibilitar a negociação online entre as partes; dar acesso a um mediador, se necessário; encaminhar o caso para avaliação do resultado. Além disso, os benefícios são vários, tanto para o judiciário quanto para os cidadãos que a utilizam.

Para o judiciário alguns benefícios dizem respeito a rápida redução de processos acumulados, integração com o sistema de gestão de processos eletrônicos do Tribunal e atuais fluxos de trabalho e diminuição dos custos. Já os cidadãos, são favorecidos com maior rapidez na resolução de suas demandas em qualquer lugar do mundo e a qualquer hora e alternativa de custeio mais baixo ao litígio.

Como exemplo para tamanho proveito no que tange sua adoção, tem-se o projeto adotado no Procon/RS, de forma que o órgão pudesse resolver os conflitos sofridos pelos consumidores de maneira mais célere, prática e gerando resultados cada vez mais efetivos, tanto para os próprios consumidores, como para as empresas e o próprio órgão.

Prestes a completar 1 ano de funcionamento, seus resultados são expressivos para todos que utilizam-na, portanto, o Procon/RS que antes demorava cerca de 10 dias para filtrar as reclamações que seriam de sua competência, utilizando agora da plataforma Modria, o prazo diminuiu consideravelmente para 2 dias, reduzindo 80% do tempo gasto, no mais, a taxa média de atendimento das empresas é de quase 95% evidenciando uma participação quase total; mais de 88% das reclamações abertas na plataforma já são solucionadas na fase de negociação, não havendo necessidade de direcioná-las para a segunda fase da intermediação; o órgão não necessitou dedicar-se a um novo espaço físico para atendimentos, devido as resoluções serem feitas de forma online; o número de servidores também não precisou aumentar, justamente pela implementação do sistema.

Desse modo, verifica-se a gratificação em torno da utilização de sistemas que integram e constituem-se da resolução de conflitos online na justiça brasileira, demonstrando cada vez mais a facilidade que estes carregam em seu funcionamento, além da visão de futuro que trazem para o cenário da justiça brasileira. Proporcionando tanto a evolução quanto a superação de obstáculos, mencionados anteriormente, atrelados a solução de litígios por meio da jurisdição.

Sobre o autor
Maria Fernanda Almeida Tiburtino

Graduada em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB); Especialista em Direito Previdenciário e Direito Digital pela LEGALE; Advogada OAB/PB 33143.︎

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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