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Trump x Universidades norte-americanas, o novo front de batalha

12/03/2025 às 15:49

Resumo:


  • Procurador dos EUA indicado por Trump pediu para faculdade encerrar esforços de diversidade;

  • Reitor da Georgetown Law respondeu que governo não pode direcionar o que a universidade ensina;

  • Autonomia pedagógica universitária é protegida pela Primeira Emenda nos EUA e no Brasil.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Governo Trump ameaça não contratar alunos de universidades que apoiam políticas de diversidade, equidade e inclusão. Isso viola a Primeira Emenda? A decisão pode criar precedente perigoso para a autonomia universitária.

“Um procurador dos EUA nomeado por Donald Trump disse a uma das principais faculdades de direito do país para encerrar imediatamente os esforços de diversidade, equidade e inclusão (DEI), alertando que seu escritório do Departamento de Justiça não contratará alunos ou outros afiliados associados a uma universidade que utilize DEI.

Em uma carta extraordinária enviada ao reitor da faculdade de direito de Georgetown, o procurador interino dos EUA recentemente nomeado para o Distrito de Columbia, Ed Martin, disse que estava investigando a instituição acadêmica depois que chegou ao seu 'conhecimento confiável' de que eles estavam ensinando e promovendo DEI.”

Assim começa a matéria do The Guardian1 sobre essa disputa. A resposta do reitor da universidade foi exemplar. Através de uma carta, ele disse ao procurador:

"The First Amendment, however, guarantees that the government cannot direct what Georgetown and its faculty teach and how to teach it."

Tradução: "A Primeira Emenda, no entanto, garante que o governo não pode direcionar o que Georgetown e seu corpo docente ensinam e como ensinam."

Veja a carta do reitor na íntegra aqui2.

Dentre outras coisas, a Primeira Emenda à Constituição dos EUA3, mencionada na carta, é o texto que garante a liberdade de expressão entre os norte-americanos.

A intromissão estatal na autonomia pedagógica universitária também é inadmissível no Brasil. Isso fere os princípios instituídos pelo art. 206 da CF/88, os quais devem ser sempre interpretados e aplicados em consonância com os incisos II, III e V do art. 1º da CF/88. Entre nós, ao contrário do que ocorre nos EUA, a questão da autonomia pedagógica não é articulada exclusivamente em torno da “liberdade de expressão”, mas sim como um instrumento de aperfeiçoamento da cidadania, garantia da dignidade humana e do pluralismo político.

Isso sem mencionar que, no Brasil, qualquer ação do Ministério Público com o intuito de proibir uma universidade de definir algum tema como prioridade pedagógica pode ser interpretada como abuso de autoridade, sujeitando a autoridade à aplicação do disposto na Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 20194. No entanto, é evidente que a apreciação do abuso somente poderá ocorrer respeitando-se o devido processo legal.

O assunto está sendo intensamente debatido nos EUA. Os blogs de direita e extrema-direita apoiam a decisão do procurador, mas a grande imprensa aplaudiu a resposta do reitor 5 6 7.

Essa curiosa disputa, que reedita nos EUA a interferência de Orbán nas universidades da Hungria8 e as tentativas de Bolsonaro de intervir nas universidades brasileiras9, provavelmente ainda não chegou ao fim. Se o procurador cumprir sua promessa de não contratar pessoas oriundas da Georgetown Law School porque a instituição tem um programa DEI, parece evidente que os prejudicados recorrerão ao Poder Judiciário, alegando discriminação ilegal que atenta contra a Primeira Emenda à Constituição dos EUA.

Sendo uma questão de grande repercussão, a matéria pode eventualmente ser decidida pela Suprema Corte. Nesse caso, a derrota de Trump seria quase inevitável. Todavia, tratando-se de uma questão delicada que pode ser resolvida de maneira criativa, as hordas de juristas trumpistas podem obter uma meia vitória que equivaleria a uma vitória completa. Explico.

A Suprema Corte dos EUA pode, por exemplo, interpretar o texto da Primeira Emenda de forma a excepcionar a prerrogativa das autoridades federais de contratar ou deixar de contratar pessoas oriundas de determinadas universidades segundo suas próprias prioridades, desde que o governo federal não tente interferir diretamente na universidade (como ocorreu de maneira grotesca no caso comentado). Se um precedente como esse for criado, o estrago será imenso e duradouro. Com o tempo, as universidades dos EUA provavelmente se ajustariam voluntariamente ao novo paradigma, e aquelas que não o fizessem amargariam uma lenta decadência.

É preciso acompanhar o desenrolar dessa disputa. Ela é mais importante do que aparenta ser neste momento.


Notas

1 https://www.theguardian.com/us-news/2025/mar/06/ed-martin-us-attorney-dei

2https://www.linkedin.com/feed/update/urn:li:ugcPost:7304481895352799232/

3https://pt.wikipedia.org/wiki/Primeira_Emenda_à_Constituição_dos_Estados_Unidos

4https://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2013.869-2019?OpenDocument

5https://www.msn.com/en-gb/news/world/bravo-legal-experts-laud-georgetown-law-dean-s-response-to-trump-official-s-threat/ar-AA1ApfGx

6https://www.usnews.com/news/politics/articles/2025-03-06/georgetown-law-dean-rebuffs-dei-warning-from-top-federal-prosecutor-for-dc

7https://www.washingtonpost.com/dc-md-va/2025/03/05/dc-us-attorney-ed-martin-georgetown-law-dei/

8https://brasil.elpais.com/internacional/2021-04-27/orban-reforca-dominio-da-ultradireita-na-hungria-com-reforma-que-inclui-gestao-das-universidades.html

9https://www.cut.org.br/noticias/sociedade-reage-a-tentativa-de-bolsonaro-de-atacar-autonomia-das-universidades-f2b1

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Fábio Oliveira. Trump x Universidades norte-americanas, o novo front de batalha. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7924, 12 mar. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113147. Acesso em: 22 mar. 2025.

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