O Direito do Trabalho apresenta dois segmentos: o Direito Individual do Trabalho e o Direito Coletivo do Trabalho. Como em qualquer ramo do direito, podem surgir conflitos de interesses. Esses conflitos poderão ser solucionados de algumas formas, existindo uma classificação que inclui a autodefesa, a autocomposição e a heterocomposição.
A autodefesa, também chamada de autotutela, é uma forma primitiva de solução de conflitos, na qual uma das partes decide impor unilateralmente a solução à parte contrária. Esse método era muito comum em tempos remotos da história, quando vigorava a "lei do mais forte". Em uma sociedade civilizada, a autotutela somente será admitida de forma excepcional, como ocorre na legítima defesa ou no estado de necessidade, por exemplo. No direito do trabalho, alguns autores ainda apontam a greve como uma forma de autotutela, mas essa classificação certamente requer muitas ressalvas.
Já na autocomposição, temos uma forma amigável de solução de conflitos, na qual pode haver um mediador para tentar um acordo entre as partes, mas jamais um terceiro imparcial para solucionar o conflito. Na autocomposição, é possível ocorrer a renúncia a algum direito, quando uma das partes simplesmente abdica de seu direito em prol da parte contrária, ou uma transação, quando ambos cedem um pouco para se chegar a um consenso. No direito do trabalho, um exemplo dessa modalidade pode ser observado nas comissões de conciliação prévia.
Além das formas mencionadas acima, temos, especialmente no âmbito do Direito Coletivo do Trabalho, as chamadas negociações coletivas. Nesse contexto, é possível estabelecer uma divisão clássica entre a convenção coletiva de trabalho, na qual de um lado está o sindicato representativo dos trabalhadores de uma determinada categoria profissional e, do outro, o sindicato da categoria econômica (representando os empregadores), e o acordo coletivo de trabalho, em que o sindicato dos trabalhadores de uma categoria profissional negocia diretamente com uma ou mais empresas.
Por fim, temos a chamada heterocomposição, na qual há a atuação de um terceiro imparcial que irá decidir o direito e entregar o bem da vida a quem for merecedor. Ou seja, “por via heterônoma, mediante a atuação de um árbitro ou de um juiz/tribunal, o terceiro bloco de fórmulas solucionadoras dos conflitos: a arbitragem ou a jurisdição. As partes contrapostas, não conseguindo ajustar autonomamente suas divergências, entregam, então, a um terceiro o encargo da resolução dos conflitos”. (MARTINEZ, 2021, p. 1078)
Dessa forma, é sempre importante buscar uma tentativa de negociação extrajudicial, visando uma solução benéfica para ambos os lados do impasse. No entanto, caso não seja possível chegar a um acordo, a solução acaba sendo a heterocomposição.
No âmbito do Direito Coletivo do Trabalho, a solução judicial ocorre por meio do chamado dissídio coletivo, que se divide em duas modalidades. De um lado, tem-se o dissídio coletivo de natureza jurídica, que consiste, na verdade, em uma ação declaratória, cujo objeto reside apenas na interpretação de cláusulas previstas em instrumentos normativos coletivos preexistentes, que vigoram no âmbito de uma determinada categoria. (LEITE, 2016, p. 1540) Ou seja, quando uma das partes busca a aplicação ou interpretação de uma norma jurídica já existente, aciona a Justiça do Trabalho para obter essa definição.
A outra modalidade é o dissídio coletivo de natureza econômica, que confere ao Poder Judiciário uma função atípica. Ora, a função primordial do Judiciário é julgar — nenhuma novidade nesse aspecto. No entanto, por vezes, esse poder acaba assumindo uma função atípica, ou seja, uma atribuição que, em tese, seria própria do Poder Legislativo: a de criar leis e estabelecer regras que deverão ser obedecidas. Nesse sentido, Bezerra Leite afirma que “trata-se de ação constitutiva, pois visa à prolação de sentença normativa que criará novas normas ou condições de trabalho que irão vigorar no âmbito das relações empregatícias individuais”. (LEITE, 2016, p. 1540)
O dissídio coletivo de natureza econômica, portanto, cria uma norma jurídica que será aplicada no âmbito das partes envolvidas. Sergio Pinto Martins faz um comparativo com o dissídio individual, mencionando que, em uma ação trabalhista individual, o que se busca é a aplicação dos direitos individuais do trabalhador. Ele vai além ao afirmar que “no dissídio individual as partes são uma pessoa física e uma pessoa jurídica ou física. No dissídio coletivo, os beneficiados são indeterminados, pois a controvérsia compreende toda a categoria profissional e econômica. No dissídio individual, as partes são perfeitamente determinadas e individualizadas”. (MARTINS, 2016, p. 916)
A grande questão a ser estudada neste artigo está justamente nos dissídios coletivos de natureza econômica, em razão da redação dada pelo art. 114, § 2º, da Constituição Federal de 1988, que assim dispõe:
“Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.”
Veja-se, portanto, que a expressão “comum acordo”, presente na redação do dispositivo, gerou um intenso debate doutrinário, levando à formação de diferentes correntes entre os juristas. Como bem observa Vólia Bomfim Cassar, a redação do dispositivo, trazida pela Emenda Constitucional 45/2004, estabeleceu um requisito de procedibilidade para o ajuizamento de um dissídio coletivo de natureza econômica, qual seja: a concordância da parte contrária para o ajuizamento da ação. Assim, é possível afirmar que a ação coletiva passou a ser bilateral. (CASSAR, 2016, p. 1292)
Além de um possível problema procedimental, essa questão levanta também uma possível inconstitucionalidade, o que é ainda mais grave, pois pode representar uma afronta ao art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, que dispõe:
“A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”
Isso significa que a regra estipulada pelo art. 114, § 2º, da Constituição Federal pode estar em conflito com um dos pilares do processo judicial, que é justamente o amplo acesso à justiça — a garantia de que todos possam recorrer ao Poder Judiciário para obter uma solução para seus litígios.
De acordo com o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, que decorre do amplo acesso à justiça, não podem ser criados obstáculos que impeçam o ingresso de uma ação judicial. O "comum acordo" entre as partes pode se tornar um obstáculo, pois, em tese, a parte contrária poderia simplesmente se recusar a aceitar o ajuizamento da ação. Se essa parte já não quis conciliar de forma amigável e extrajudicial, por que aceitaria levar o conflito à esfera judicial? Embora não seja impossível, essa concordância parece improvável.
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Enoque Santos e Ricardo Hajel Filho asseveram que “a afronta ao princípio do acesso ao Judiciário na exigência do ‘comum acordo’ estaria consubstanciada no fato de o autor necessitar da ‘autorização do réu’ para ter o direito de postular em juízo, o que, indubitavelmente, não faz qualquer sentido em sede de direito processual”. (SANTOS; HAJEL FILHO, 2017, p. 645)
No entanto, a doutrina está longe de ser pacífica sobre o tema. Para alguns autores, não há que se falar em qualquer inconstitucionalidade na exigência do "comum acordo", como sustenta Luciano Martinez, ao afirmar que “sobre o tema, cabe dizer que, apesar de a citada Emenda Constitucional n. 45/2004 ter modificado a redação do § 2º do art. 114 da Constituição de 1988 para fazer constar o ‘comum acordo’ dos contendores como pressuposto para o ajuizamento do dissídio coletivo, essa expressão não tem realmente a intenção de oferecer obstáculo à apreciação pelo Poder Judiciário de lesão ou de ameaça a direito, mas de criar um filtro de fortalecimento do diálogo social e uma menor intervenção do Judiciário, que, quando solicitado, atuaria não mais do que como um árbitro público”. (MARTINEZ, 2021, p. 1120)
Além disso, há quem sustente que o "comum acordo" pode ter outra interpretação. Ou seja, as partes não precisariam ajuizar a ação em conjunto, como poderia parecer à primeira vista, mas sim estariam de acordo com o fato de que uma das partes ajuizará a ação, enquanto a outra se apresentará no processo no momento de exercer sua defesa. Esse entendimento configuraria uma espécie de aceitação tácita do "comum acordo", manifestada no momento da audiência. Com ambas as partes no processo, haveria, inclusive, a possibilidade de buscar uma conciliação.
No entanto, cumpre lembrar que Mauro Schiavi adverte sobre a existência de entendimentos “no sentido de que o comum acordo tem que ser prévio, vale dizer: obtido quando do ajuizamento do dissídio coletivo, como sendo um pressuposto processual. Em sendo um pressuposto processual, o requisito do ‘comum acordo’ deve estar presente já no ingresso do dissídio, sob pena de nulidade do processo, uma vez que os pressupostos processuais são requisitos de existência, regularidade e desenvolvimento da relação jurídico-processual”. (SCHIAVI, 2023, p. 1566)
De todo modo, no entendimento do autor, caso realmente se exija o "comum acordo" para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica, o poder normativo da Justiça do Trabalho poderá ser extinto, visto que dificilmente tal requisito seria cumprido. Afinal, se as tentativas anteriores de solução amigável fracassaram, não faria sentido que as partes concordassem em levar a controvérsia ao Poder Judiciário (SCHIAVI, 2023, p. 1566).
Referências
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho. 38. ed. São Paulo: Saraiva: 2016.
MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.
SANTOS, Enoque Ribeiro dos; HAJEL FILHO, Ricardo Antonio Bittar. Curso de direito processual do trabalho. São Paulo: Atlas, 2017.
SCHIAVI, Mauro. Curso de direito processual do trabalho. 19. ed. São Paulo: Editora JusPodivm, 2023.