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Os direitos sociais na Constituição Federal de 1988.

Em busca de um modelo dogmático de tutela judicial dos direitos fundamentais de segunda dimensão

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29/05/2008 às 00:00
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3 CONCLUSÃO

A intrincada questão da justiciabilidade dos direitos fundamentais de dimensão social exige enfrentamento de sólidas construções doutrinárias e jurisprudenciais que historicamente negaram a juridicidade desta categoria de direitos. Entretanto, a partir do desenvolvimento da Teoria dos Princípios e da conseqüente decadência do positivismo jurídico abriu-se espaço para o progresso nessa área, alavancado decisivamente pelas contribuições da Teoria dos Direitos Fundamentais.

O preceito contido no art.5°, §1°, da Carta Magna consubstancia um dos principais argumentos em prol da tutela judicial dos direitos sociais, vez que conforme Ingo Sarlet, a sua dimensão principiológica indica presunção de aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos fundamentais. Da mesma forma, a vinculação dos poderes públicos à sua realização aponta que devem implementar os direitos sociais na máxima medida possível, sendo-lhes vedado adotar qualquer ação que os viole (eficácia negativa).

As doutrinas de resistência à justiciabilidade dos direitos sociais, econômicos e culturais já não consubstanciam consenso sequer na práxis jurídica, fruto de um desenvolvimento e amadurecimento do constitucionalismo e dos novos paradigmas trazidos pelo Estado Social.

Em meio a esse contexto e diante da limitação fática da escassez de recursos públicos, o modelo de exigibilidade judicial dos direitos sociais sob a forma de direitos subjetivos passa, inevitavelmente, pela filtragem do mínimo existencial. Assim, os direitos fundamentais de segunda dimensão só serão justiciáveis se inseridos dentro do mínimo existencial, padrão que indica os direitos e bens jurídicos indispensáveis à vida digna do ser humano. Admitir a exigibilidade judicial de todos os direitos sociais como direitos subjetivos individuais implicaria em dissociar-se insanamente da realidade orçamentária e transferência de todas as questões políticas ao Poder Judiciário, o que indubitavelmente afrontaria o princípio da separação dos poderes.

De outra banda, negar pura e simplesmente a justiciabilidade importaria em esvaziamento do conteúdo da Constituição e negação da sua força normativa, além de impor ao Judiciário conduta incompatível com os valores éticos e morais da sociedade brasileira. Isso nos leva à conclusão de que uma resposta prudente, equilibrada e comprometida com a Constituição deve garantir judicialmente, sob a forma de direitos subjetivos, os direitos sociais indispensáveis à promoção da dignidade da pessoa humana, os quais restam inseridos no padrão do "mínimo existencial".


Notas

  1. A expressão "quase" foi inserida apenas pelo ideal utópico do autor que não admite, pelo menos no mundo das idéias, a impossibilidade de concretização total dos direitos fundamentais de segunda dimensão, embora reconheça que as limitações orçamentárias na realidade fática de um país subdesenvolvido como o Brasil ainda consubstanciam barreira intransponível.
  2. A respeito ver BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995, p. 34-37.
  3. BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 2001, p. 343.
  4. COMPARATO, Fábio Konder. A experiência totalitária do século XX: lições para o futuro. In: NOVAES, Adauto (org.). O avesso da liberdade. São Paulo: Cia. Das Letras, 2002, p. 285.
  5. Aliás, digno salientar que a legislação infraconstitucional promulgada após a Constituição Federal de 1988 também vem seguindo tal tendência, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), além do novo Código Civil.
  6. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 35-36.
  7. No ordenamento jurídico pátrio a Lei de Introdução do Código Civil determina que se evidenciada omissão da lei (lacuna), o juiz deverá decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes, os princípios gerais do Direito. Entretanto, na prática observa-se que nos casos em que não há regra que permita alcançar conclusão, as decisões passavam muito longe dos critérios apontados e eram fundamentadas com base em argumentos extra-jurídicos que expressavam a discricionariedade do julgador.
  8. Op. cit. p. 35-36.
  9. Op. cit. p. 36.
  10. Op. cit. p. 42.
  11. Teoria de los derechos fundamentales. Madri: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 86.
  12. Op. cit. p. 99.
  13. Humberto Ávila critica a distinção entre regras e princípios como duas categorias de normas jurídicas estáticas além de propor uma terceira espécie que seriam os postulados normativo-aplicativos, mas que se deixa de abordar em face da limitação do tema proposta. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
  14. HC nº 82.424-2, Rel. Min. Maurício Corrêa, publicado no DJ em 19/03/2004.
  15. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. Revista do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, n.46, p. 50-62.
  16. ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. 4. ed. Madri: Editorial Trotta, 2002, p. 116.
  17. El derecho dúctil. 4. ed. Madri: Editorial Trotta, 2002, p. 146.
  18. Ingo Wolfgang Sarlet propõe uma classificação dicotômica de direitos de defesa e direitos a prestações, inserindo os direitos políticos na primeira. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 167-204. Robert Alexy também explicita classificação dicotômica, mas inclui os direitos políticos na categoria de direitos a prestações. Teoria de los derechos fundamentales. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 2002, p. 454-482. Aproximando-se do posicionamento de Vieira de Andrade, MELO, Cláudio Ari. Democracia constitucional e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 163; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 140-152.
  19. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2001, p. 174-175.
  20. Op. cit. p. 174.
  21. MELO, Cláudio Ari. Democracia constitucional e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 164.
  22. Direitos a prestações em sentido estrito para Ingo Sarlet e Alexy.
  23. Op. cit. p. 174.
  24. ANDRADE, José Carlos Vieira de. Op. cit. p. 175.
  25. MELO, Cláudio Ari. Democracia constitucional e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 164.
  26. O custo dos direitos. In: TORRES, Ricardo Lobo (org). Legitimação dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 192-193.
  27. Apuntes sobre la exigibilidad judicial de los derechos sociales. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org). Direitos fundamentais sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 138.
  28. Democracia constitucional e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 164-165.
  29. GALDINO, Flávio. O custo dos direitos. In: TORRES, Ricardo Lobo (org). Legitimação dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 209.
  30. MELLO, Cláudio Ari. Democracia constitucional e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 171.
  31. Normatividade dos princípios e o princípio da dignidade da pessoa humana na constituição de 1988. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n.221, jul/set 2000, p. 162-163.
  32. Nesse sentido tem-se falado na eficácia negativa – limite material ao legislador e parâmetro do controle de constitucionalidade das leis –, eficácia interpretativa e a proibição do retrocesso social.
  33. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 236.
  34. Op. cit. p. 242.
  35. Op. cit. p. 243-244.
  36. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 245-246.
  37. SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit. p. 322-323.
  38. Op. cit. p. 323.
  39. SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit. p. 330.
  40. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 127.
  41. PISARELLO, Gerardo. Del estado social legislativo al estado social constitucional: por una proteción complexa de los derechos sociales. Isonomia. Cidade do México. n.15, out.2001, p. 94.
  42. Idem. p. 94.
  43. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2001, p. 392-394.
  44. Direitos sociais e a vulgarização da noção de direitos fundamentais. 10/06/2004. On-line. Disponível na Internet http://www.ufrgs.br.
  45. HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991, p. 15.
  46. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 74.
  47. Idem. p. 138.
  48. Idem. p. 178.
  49. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 94-117.
  50. RE n° 271286 AgR/RS, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 12/09/2000, 2ª Turma, publicado no DJ em 24/11/2000, p 101.
  51. Apelação e Reexame Necessário nº 70010996478, Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, julgado em 15/06/2005.
  52. RESP n° 208.893/PR, Rel. Min. Franciulli Netto, publicado no DJ em 22/03/2004.
  53. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 19.
  54. Op. cit. p. 32-36.
  55. Idem. p. 88-98.
  56. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 136-143.
  57. Idem. p. 143-151.
  58. Democracia constitucional e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 230.
  59. Op. cit. p. 232-240.
  60. Apelação Cível n° 596017897, 7ª Câmara Cível, Des. Rel. Sérgio Gischkow Pereira, julgado em 12/03/1997.
  61. Apelação Civel n° 597247642, 4ª Câmara Cível, Rel. Des. João Carlos Branco Cardoso, julgado em 30/12/1998.
  62. RESP nº 429570/GO, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, publicado no DJ em 22.03.2004, p. 277.
  63. Direitos sociais e controle judicial no brasil e na alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional "comparado". Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002, p. 85-98.
  64. Principalmente obras de infra-estrutura em loteamentos populares, onde se destaca a Apelação e Reexame Necessário n° 70005356472, 4ª Câmara Cível, TJRS, Des. Rel. Vasco Della Giustina, julgado em 21/05/2003.
  65. Apelação e Reexame Necessário nº 70010981355, Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, julgado em 15/06/2005.
  66. BIGOLIN, Giovani. A reserva do possível como limite à eficácia dos direitos sociais. 12/10/2004. On-line. Disponível na Internet http://www.revistadoutrina.trf4.br.
  67. Direitos sociais e controle judicial no brasil e na alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional "comparado". Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002, p. 62.
  68. Op. cit. p. 63.
  69. Teoria de los derechos fundamentales. Madri: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 495.
  70. Op. cit. p. 495.
  71. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 311-321.
  72. Op. cit. p. 320.
  73. Tese defendida pelo Professor Cláudio Ari Mello em palestra entitulada "Proteção Judicial dos Direitos Sociais", proferida no VI Congresso Trinacional de Direito realizado na PUC/RS, Câmpus II.
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Sobre o autor
Daniel Bofill Vanoni

Advogado. Especialista em Direito Público. Pós-graduando em Direito e Processo do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VANONI, Daniel Bofill. Os direitos sociais na Constituição Federal de 1988.: Em busca de um modelo dogmático de tutela judicial dos direitos fundamentais de segunda dimensão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1793, 29 mai. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11318. Acesso em: 3 mai. 2024.

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