Análise sobre a responsabilidade civil decorrente dos transportes

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13/03/2025 às 16:59
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5 – DAS RESPONSABILIDADES EM TRANSPORTES VEICULARES DE PESSOAS:

O Decreto nº 2681, de 7 de dezembro de 1912, estabelece uma regulamentação importante a respeito das responsabilidades civis das ferrovias. Embora originalmente voltado para ferrovias, a jurisprudência, ao longo dos anos, tem ampliado o entendimento desse decreto, aplicando suas disposições a outros tipos de transportes, como ônibus, táxis, fretados, serviços de transporte por aplicativos (como Uber), e outros veículos. Esse avanço jurisprudencial revela a visão moderna contida no decreto, que, mesmo elaborado no início do século XX, ainda pode regular adequadamente o transporte de passageiros em várias modalidades, reforçando a ideia de que o transporte de pessoas é uma relação de natureza contratual.

Nesse contexto, o passageiro, ao adquirir uma passagem ou contratar um serviço de transporte, estabelece uma relação contratual com o transportador. O condutor, então, assume a obrigação de conduzir o passageiro com segurança até o destino acordado. A responsabilidade do transportador só se extingue ao final do trajeto, ou seja, quando o passageiro chega em segurança ao destino. Essa responsabilidade é regida, dentre outros dispositivos, pelo artigo 17 do Decreto nº 2681, que dispõe:

"Art. 17. As estradas de ferro responderão pelos desastres que nas suas linhas sucederem aos viajantes e de que resulte a morte, ferimento ou lesão corpórea. A culpa será sempre presumida, só se admitindo em contrário algumas das seguintes provas:

I – caso fortuito ou força maior;

II – culpa do viajante, não concorrendo culpa da estrada".

(Gonçalves, 2024, p. 874).

Esse artigo é claro ao estabelecer que, em caso de acidentes durante o transporte, a culpa será presumida contra a transportadora, que deverá responder pelos danos causados ao passageiro, a menos que consiga provar que o evento decorreu de um caso fortuito ou força maior, ou que houve culpa exclusiva do próprio passageiro. Assim, a responsabilidade do transportador só poderá ser afastada em situações específicas que excluam sua culpa, como em caso de eventos imprevisíveis ou irresistíveis (força maior) ou por conduta imprudente ou negligente do próprio passageiro.

Baseado nessas premissas, o Código Civil Brasileiro modernizou e reforçou o tratamento da responsabilidade civil no transporte de pessoas. O Art. 734. do Código Civil estabelece que:

" O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade".

I sso significa que a responsabilidade do transportador por danos ao passageiro ou à sua bagagem é praticamente objetiva, ou seja, independe de culpa. A transportadora deve indenizar o passageiro por qualquer dano sofrido durante o transporte, exceto em casos de força maior, que são eventos fora do controle humano, como desastres naturais, por exemplo. Além disso, qualquer cláusula que tente excluir essa responsabilidade é considerada nula, ou seja, sem validade jurídica.

O Art. 735. do Código Civil reforça essa responsabilidade ao afirmar que:

" A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva".

Isso quer dizer que, mesmo que o acidente seja causado por um terceiro (por exemplo, outro motorista que colidiu com o veículo de transporte), a responsabilidade de indenizar o passageiro continua sendo do transportador. Nesse caso, o transportador poderá, posteriormente, buscar uma indenização (ação regressiva) contra o terceiro culpado pelo acidente, a fim de ser ressarcido pelo que pagou ao passageiro lesado. Por fim, o Artigo 738 do Código Civil estabelece normas importantes para regulamentar o comportamento do passageiro na relação de transporte. Ele define que:

" A pessoa transportada deve sujeitar-se às normas estabelecidas pelo transportador, constantes no bilhete ou afixadas à vista dos usuários, abstendo-se de quaisquer atos que causem incômodo ou prejuízo aos passageiros, danifiquem o veículo, ou dificultem ou impeçam a execução normal do serviço."

Isso significa que o passageiro tem a obrigação de seguir as regras impostas pelo transportador, que podem estar descritas no bilhete ou visíveis dentro do veículo. Essas normas servem para garantir a ordem e segurança durante a viagem, tanto para a preservação do veículo quanto para o conforto e bem-estar dos demais passageiros. O passageiro deve evitar atos que possam gerar transtornos, como causar incômodos aos outros usuários, danificar o veículo ou atrapalhar a execução normal do serviço prestado pelo transportador.

Além disso, o parágrafo único do mesmo artigo acrescenta que:

" Se o prejuízo sofrido pela pessoa transportada for atribuível à transgressão de normas e instruções regulamentares, o juiz reduzirá equitativamente a indenização, na medida em que a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano."

E sse parágrafo trata da culpa concorrente, situação em que o próprio passageiro também contribui, de alguma forma, para o acontecimento do prejuízo ou acidente. Nesses casos, se o passageiro descumpriu alguma regra ou instrução de segurança e isso ajudou a causar o dano, o juiz pode, de maneira justa e equilibrada, reduzir o valor da indenização que ele teria direito a receber.

Um exemplo claro de culpa concorrente é a não utilização do cinto de segurança pelo passageiro. Se ocorrer um acidente e a pessoa transportada sofrer lesões por não estar utilizando o cinto, essa falta de precaução é considerada uma contribuição direta para a gravidade dos danos. Mesmo que a transportadora ainda seja responsável por indenizar o passageiro, o valor da indenização pode ser reduzido, porque o próprio passageiro não seguiu as normas de segurança. Assim, o passageiro, ao não cumprir as regras estabelecidas, assume parcialmente a culpa pelo dano ocorrido, e o juiz pode ajustar a indenização de forma proporcional à sua responsabilidade.

Dessa forma, o artigo 738 busca equilibrar a relação entre passageiro e transportador, assegurando que o passageiro não apenas tenha direitos, mas também deveres de conduta dentro do transporte. Ao mesmo tempo, permite que o transportador, embora responsável pelos danos, tenha uma margem de proteção contra atos imprudentes ou irresponsáveis dos passageiros, refletindo a ideia de justiça e proporcionalidade nas decisões judiciais quando há culpa compartilhada.

5.1 – DAS ATENUANTES DE ILICITUDE NOS DANOS VEICULARES:

Discutiremos alguns atenuantes que podem incidir sobre a responsabilidade do agente causador do dano, com o objetivo de reduzir a extensão do prejuízo sofrido pela vítima. Esses atenuantes, muitas vezes, estão ligados a pressupostos ou crenças que podem ter sido causados ​​pela própria vítima, como comportamentos que desenvolvem para o evento danoso. Ao examinar essas nuances, podemos entender melhor como o sistema jurídico busca equilibrar a proteção aos direitos dos indivíduos, promovendo a justiça e a equidade nas situações de conflito, o direito se preocupou nas responsabilidades em não fazer com que apenas o causador do dano se responsabilizasse quando se tiver terceiros envolvidos, a depender do caso e do nexo causal.

5.2 – CULPA CONCORRENTE:

A primeira atenuante mencionada anteriormente neste texto é a culpa concorrente, um conceito importante no direito civil. A culpa concorrente ocorre quando a parte lesada, ou seja, aquela que sofreu o dano, contribui de alguma forma para a sua própria situação. Essa contribuição pode ser direta ou indireta, resultando em uma diminuição da responsabilidade do agente que causou o dano. O artigo 945 do Código Civil é claro ao abordar essa questão, afirmando que: “Se a vítima tiver corrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será reduzida, levando-se em consideração a gravidade de sua culpa em comparação com a do autor do dano.”

Nesse sentido, o legislador busca estabelecer um equilíbrio entre as partes envolvidas na situação. A ideia central é garantir que a parte lesada receba a indenização a que tem direito, mas, ao mesmo tempo, proteger o devedor de uma penalização excessiva em virtude da imprudência ou negligência da parte contrária. Essa abordagem é fundamental para a justiça nas relações civis, pois evita que o autor do dano seja injustamente sobrecarregado por uma responsabilidade que não é inteiramente sua.

Além disso, é importante destacar que o artigo 945 se aplica especificamente a casos de danos entre duas pessoas separadas, ressaltando a necessidade de uma análise cuidadosa das circunstâncias que levaram ao evento danoso. Por outro lado, o artigo 938 do mesmo código trata de questões relacionadas ao transporte, que foram abordadas anteriormente. Essa distinção é essencial, uma vez que as dinâmicas de responsabilidade podem variar significativamente entre situações de danos gerais e aquelas que envolvem a prestação de serviços de transporte. Dessa forma, o Código Civil busca proporcionar uma estrutura normativa que assegure tanto a reparação justa das vítimas quanto a proteção dos devedores, promovendo a equidade nas relações jurídicas.

5.3 - INCAPACIDADE CIVIL DO CAUSADOR DO DANO:

A doutrina também se debruça sobre o tema da incapacidade civil, especialmente no contexto de acidentes de trânsito, quando o incapaz, sem cumprir as devidas obrigações legais, como a maioridade penal e a posse da carteira de habilitação, se vê envolvido em um evento danoso. Nesse caso, sua responsabilidade é mitigada e dividida, conforme disposto no artigo 928 do Código Civil: “O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes”. Assim, o incapaz responderá pelos danos que causar desde que as pessoas responsáveis por ele, como pais ou tutores, não possam arcar com tal obrigação ou não disponham de meios financeiros para fazê-lo.

Essa norma busca garantir que, em situações nas quais o incapaz esteja diretamente envolvido em um ato danoso, haja uma responsabilização, desde que os responsáveis legais não possam ou não estejam obrigados a fazê-lo. Caso os responsáveis possuam os meios necessários ou sejam obrigados, a responsabilidade recai diretamente sobre eles, como os pais, tutores ou curadores do incapaz. O legislador, nesse sentido, busca proteger os direitos da vítima, garantindo que ela seja indenizada, ao mesmo tempo em que reconhece a incapacidade jurídica de determinados agentes para responder plenamente por seus atos.

Em alguns casos, no entanto, pode ocorrer que o incapaz seja emancipado. A emancipação confere ao menor maior autonomia, incluindo a possibilidade de gerir seus próprios atos, o que também implica uma mudança na forma como a responsabilidade é distribuída. Quando o incapaz emancipado é o causador do dano, há uma responsabilidade solidária entre ele e seus pais ou responsáveis, ou seja, ambos responderão de forma concorrente pelos prejuízos causados, buscando assim uma solução jurídica para o dano causado, que embora seja feito por terceiros, que no caso é o menor emancipado, traga responsabilidade aos pais também, já que no caso do menor incapaz a responsabilidade é totalmente do tutor, pois este é quem tem a guarda do causador do delito.

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5.4 – DAS EXCLUDENTES DE ILICITUDE NOS DANOS VEICULARES:

Como citado anteriormente, o direito se preocupa tanto com a parte lesada, buscando garantir que o dano sofrido fosse realmente ressarcido, quanto à parte causadora da lesão. Essa preocupação dupla é fundamental para o equilíbrio nas relações sociais e jurídicas. Nos próximos pontos, abordaremos de forma detalhada quais são as formas de exclusão de ilicitude, que se referem a situações que podem remover a caracterização do ato ilícito em relação ao sujeito passivo, isentando-o da responsabilidade.

5.5– CULPA EXCLUSIVA DA VITIMA:

Nesta perspectiva da exclusão de culpabilidade, a vítima que sofreu o dano pode ser responsabilizada integralmente por sua própria ação, pois o evento danoso ocorreu exclusivamente em decorrência de sua conduta imprudente. Segundo o doutrinador Rui Stoco, esse conceito está alinhado com o princípio da confiança, que é essencial nas relações sociais, especialmente no contexto do trânsito. Ele exemplifica essa ideia da seguinte maneira: "Em matéria de trânsito, deve vigorar sempre o princípio da confiança. O condutor de um veículo tem o direito de esperar que os outros condutores e pedestres se atenham às regras de trânsito e às cautelas que de todos são exigidas no convívio social. Se o pedestre deixa de observar as regras concernentes à normalidade da conduta, procurando atravessar a pista fora das faixas de segurança, não há como imputar culpabilidade ao condutor do veículo, que se vê surpreendido por um comportamento imprevisível do pedestre, no caso de atropelamento deste" (STOCO, 2001, p. 1122).

Essa reflexão é fundamental para a compreensão de que a responsabilidade civil não é absoluta, devendo ser analisada caso a caso. Portanto, a exclusão de ilicitude implica a necessidade de comprovar que o causador do dano observou rigorosamente todas as regras de trânsito e agiu dentro dos padrões de prudência exigidos pela situação. Além disso, deve-se demonstrar que a parte contrária, no caso o pedestre, descumpriu suas obrigações, agindo de maneira a contribuir para o evento danoso.

5.6 – CASO FORTUITO, FORÇA MAIOR E FATO DE TERCEIRO:

No âmbito do Código Civil, encontramos em várias de suas disposições o conceito de exclusão de responsabilidade, que ocorre quando, em determinadas situações, o agente causador do dano não pode ser responsabilizado devido a fatores externos. Um desses casos envolve o caso fortuito ou força maior, que se caracteriza quando uma pessoa sofre um dano, mas esse dano não decorre de culpa ou dolo da parte contrária, e sim de um acontecimento imprevisto e inevitável. Esses eventos são situações que fogem ao controle humano e estão além da previsão razoável.

O caso fortuito ou força maior pode ser ilustrado por exemplos como deslizamentos de terra, que ocorrem frequentemente em regiões litorâneas do Brasil. Esses deslizamentos, muitas vezes, são causados por chuvas intensas e não podem ser previstos ou evitados com precisão. Quando tais desastres ocorrem, são considerados como eventos fortuitos ou de força maior. Nessas situações, a responsabilidade pela reparação do dano pode ser excluída, pois o evento remove o nexo causal – ou seja, o vínculo que liga a ação de uma pessoa ao dano sofrido por outra.

Sem o nexo causal, não há como atribuir responsabilidade à parte que, de outra forma, seria considerada culpada. Isso porque o evento que causou o dano é independente da vontade ou das ações da pessoa. O legislador, portanto, reconhece que há situações em que, mesmo havendo prejuízo, não seria justo atribuir a responsabilidade à outra parte, já que o acontecimento foi fruto de uma circunstância incontrolável. Dessa forma, o caso fortuito ou a força maior funcionam como uma causa excludente de responsabilidade civil, protegendo a parte que, de boa-fé, não teve como evitar o evento ou seus efeitos.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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