Será que repressão às drogas visa o bem estar social?
Outro ponto que se faz mister questionar é se as atuais políticas públicas e os dados condizem com a realidade. Concernente ao suposto “ao inimigo da sociedade”, adrede, devemos pontuar e identificar qual são as potencialidades lesivas de substâncias licitas e ilícitas.
De rigor o álcool e cigarro são as drogas mais consumidas, até aí nenhuma novidade. Porém, o que refuto é o escudo da via proibicionista, concernente a proteção da saúde, que, evidentemente falece razão.
Em verdade as políticas públicas e os dados demonstram que a potencialidade das drogas licitas (Álcool e cigarro) são mais deletérias para saúde coletiva do que a própria maconha, contudo não se cogita a proibição do consumo. Segundo esse raciocínio, apesar de haver uma queda significativa nos últimos anos, o Cigarro figurou por muitos anos dentre as drogas mais consumidas, igualmente ao álcool, a questão é, diante dos malefícios dessas drogas licitas será que há em verdade interesse na proteção da saúde público.
Feito o cotejo dos elementos epidemiológicos, disponibilizados pela SENAD (orgão público) é possível afirmar que as drogas atualmente licitas são mais deletérias à saúde coletiva e decorre disso marcante incongruência no sistema de disseminação da atual “guerra às drogas”. A tese defendida por este signatário, apresenta-se agasalhada pela melhor doutrina, há de se notar o posicionamento do STF, em total corroboração ao acima expendido, que preconiza, de rigor as preocupações com a saúde pública, principal objetivo do controle de drogas, assume posição secundária em relação às políticas de segurança pública e à aplicação da lei penal, ainda, conforme pontifício de Min. Barroso:
“a criminalização de condutas relacionadas ao consumo promove a exclusão e a marginalização dos usuários, dificultando o acesso a tratamentos” evidentemente em razão do estigma construído a qual foi alinhavado no tópico retro. Como bem assinalou o antropólogo Rubem César Fernandes, diretor do Viva Rio citado no voto de Min. Barroso: “O fato de o consumo de drogas ser criminalizado aproxima a população jovem do mundo do crime” . 10
À vista de tais e tantas circunstâncias, resta acompanhar piamente a constatação exposta pelo eminente Ministro Barroso, vez que a via proibicionista proporciona alto custo para coletividade, bem como o aumento de indivíduos no sistema carcerário e violência decorrente da discriminação.
Consoante inserto no voto de Min. Barroso, em suma, não há dúvida de que:
““(…)O aumento do encarceramento por infrações relacionadas às drogas de 9% para 27% após vigência da atual lei de drogas, inclusive aproximadamente, 63% das mulheres que se encontram encarceradas o foram por delitos relacionados às drogas, assentado outrossim, que, 1 em cada 2 mulheres e 1 em cada 4 homens presos no país estão atrás das grades por tráfico de drogas.”11
Populismo Penal e a incidência de iniquidades em saúde.
Acreditamos que de fato há um ranço cultural e paradigma construído fim de viabilizar o encarceramento sistêmico em massa de pobres e negros, tendo como instrumento operacional essa irracional criminalização da posse de drogas para consumo pessoal.
Em suma, falece razão a manutenção de alguns tipos penais de mera conduta, dada a subjetividade e seletividade penal. Nesse diapasão, além de inconstitucional, em verdade a via proibicionista afasta a ideia de bem comum ou de proteção à saúde coletiva, em especial, proíbe a luta pela vida e fere a dignidade da pessoa humana, daqueles que buscam na extração de óleo da cannabis, amenizar os efeitos de enfermidades degenerativas.
De rigor inexiste tipicidade material na conduta do cidadão que busca superar doença por meio da utilização de planta medicinal, e disso decorre que a manter criminalização é ato absolutamente inadequado ao Estado.
A corroborar o exposto acima, insta transcrever o entendimento do renomado BARROS FILHO (BARROS FILHO apud MENDES VEIGA, 2020), repisando texto prefácio à 1ª edição de nossa obra Direito Penal do Inimigo, que preleciona, “ad litteram”:
“(...) Para tanto, urge vitória sobre os vieses arbitrários da vontade bem como frente aos escapes temerosos da imaginação. Reconciliação com o mundo que cobra ajuste pleno com seus tempos e espaços (…) Abrir-se para o universo - em relação franca e genuína - cobra trocar os programas consagrados de existência pelo respeito encantado ao inédito, virginal e irrepetível. E tão agudo esforço só se revelará compensador pela angústia do desencontro. A fragilidade louca de viver dentro e fora. De estar sem estar. De atravessar a vida breve em quimera fosca de fuga covarde, na fissura rachada do que poderia ter sido” (BARROS FILHO, apud MENDES VEIGA, 2020, p.29). 12 (GN)
Enfim, nossa vivência nas funções de conciliador, advogado e procurador, nos fez crer piamente acerca da necessidade de disseminar essa ideia erigida por BARROS FILHO, pois:
“(...) “o homem se aproxima de Deus, no sentido de ser um pouco como ele, toda vez que pensa, usa a inteligência, articula ideias. Naturalmente que esta aproximação será ainda maior se o uso da razão for adequado, qualitativo, inteligente.” (BARROS FILHO, apud MENDES VEIGA, 2020, p.29) 13 .
Os agentes públicos são formadores de opinião, consequentemente com papel impar e essencial nessa modernidade e sociedade tecnológica. À mesa, é evidente a capacidade (poder) de inspirar nova rapaziada para o engajamento de ações e novos movimentos. Portanto, é preciso trilhar para inspirar, outrossim, consoante semeou há tempos, Helen Keller:
“(...) Somente sou um, mas sou um. Tudo não posso fazer, mas fazer algo, posso. Não me negarei a fazer o que posso fazer” (KELLER, Helen, apud. GOMES 2017,). 14
Finalizo esse tópico, estribando-se do pontifício de saudoso LFG (BOLEN,2014, apud GOMES,2017, P.15), o qual assevera:
“a conduta de uma espécie muda quando um número critico de seus indivíduos aprende a fazer algo novo (...) Quando uma massa crítica de pessoas adota algo novo, uma ideia ou um comportamento novo, eles se convergem em uma norma nova”. 15
Atipicidade material do uso medicinal da cannabis.
Feito o cotejo de elementos, sobretudo aqueles careados na melhor doutrina e recente posição da suprema corte, questiono a deletéria manutenção da tipicidade da conduta de cultivo e extração de óleo medicinal da cannabis sativa, alinhado o fato, que são inúmeros os casos de pacientes cujo uso de remédios convencionais são inacessiveis, e, que, vislumbram no uso medicinal da Cannabis artesanal, a oportunidade de pugnar em terapia diante de quadro nada agradável.
Do ponto da ética e da moral, é incongruente admitir a ideia de tipicidade de conduta a qual o cidadão pugna por uma nova esperança, face de doenças com grau elevado de complexidade, ao passo que “as drogas legais” “de farmácia” se apresentam inacessiveis a maioria diante dos altos valores de importação.
Ora, creio que endossar à ideia de criminalizar alguém que busca tratamento e sobrevivência, além de inconstitucional é imoral. Pontifico que aquiescer piamente essa despicienda cláusula no pacto social, emporcalha e mácula o ofício daqueles empossados no dever constitucional de agir contra as injustiças sociais.
Enfim, avoco a função constitucional de Procurador de um ente federativo, para refutar essa discrepância, consignando que em nosso modo de pensar há de fato atipicidade material do tipo penal que criminaliza a plantação e cultivo de cannabis para fim de tratamento médico.
Eficiência e direito de usar cannabis medicinal.
Nesse rumo, inúmeros são os artigos científicos especializados em vários cantos do mundo, que atestam a eficácia de Cannabis medicinal ao tratamento de inúmeras doenças graves, cito: diabetes, Aids, epilepsia refratária, demência, Parkinson, ansiedade, depressão, pânico, insônia, Câncer, dor crônica, doenças imunológicas dentre outras.
Todavia, incide o problema quando embora haja orientação médica para tratamento com a cannabis, a rigor os pacientes encontram pelejas burocráticas e entraves jurídicos, podendo inclusive ser presa a pessoa que cultive o necessário para produzir óleo terapêutico, o que viola direito constitucional à saúde.
Em outras palavras a pessoa pode ser conduzida ao cárcere pelo Estado em razão de buscar o tratamento, tudo isso em razão da omissão e inercia praticada pelas autoridades (União e Anvisa e câmara dos deputados que demora colocar em pauta votação de texto que regulamente essa questão).
Inclusive, temos que dizer que é um direito constitucional a saúde e à autonomia dos pacientes de doenças graves. Ora, em nossa carta política há princípios preceituados que estabelece a garantia do direito à saúde.
Ocorre que, porém, diante de enfermidades graves, muitos acabam por não ter acesso ao tratamento convencional indicados pelos grandes laboratórios, e quiçá, esses pacientes os portadores de Parkinson, demência, convulsões refratárias, aguardam e um processo vegetativo, sem ter melhora e alguns casos marcados pela sensação de ineficácia à vista de medicamentos que produzem efeitos colaterais com resultados ínfimos. Inobstante a tudo, isso insurge inúmeros casos de pacientes que ao ser-lhes aplicadas doses do óleo da Cannabis, como tratamento alternativo (THC/Cannabidiol e outros canabinoides, têm se demonstrado profícuos resultados.
Construção de jurisprudência
Além da recente manifestação parcial da Suprema Corte Brasileira, por meio de Min. Gilmar Mendes, Edson Faccin, em especial o Histórico voto proferido pelo Min. Luís Roberto Barroso, é todo oportuno assinalar que juízes de primeiro grau tem deferido salvo conduto em favor pacientes com orientação médica para uso de cannabis em tratamento.
Não é outra a fundamentação emitida na Justiça Federal do Rio Grande do Norte, em que houve a autorização (22/07/2020) para que uma mulher que sofre com graves crises de enxaqueca possa importar sementes, cultivar Cannabis e produzir o óleo que trata os efeitos da doença crônica. Oportunamente, O MM. Juiz Francisco Eduardo Guimarães Farias, da 14ª Vara Federal da JFRN, Concedeu Liminar em HC a qual impede que as autoridades policiais adotem “qualquer medida voltada a cercear a liberdade de locomoção da paciente, por ocasião da importação de sementes, produção e cultivo do vegetal Cannabis sativa e Cannabis indica, com fins exclusivamente medicinais suficientes para cultivo de seis plantas”.
Em notável decisão o eminente magistrado também autorizou “o transporte dos vegetais in natura entre a residência da paciente e o Instituto do Cérebro da UFRN, para parametrização com testes laboratoriais com a finalidade de verificação da quantidade dos canabinoides presentes nas plantas cultivadas, qualidade e níveis seguros de utilização dos seus extratos”. Embora R. decisão tenha sido exarada em juízo singular, entretanto é cristalina a tendência que se forma, e que está em completa assonância a tudo que foi exposto até aqui, agiu com acerto o Juiz Federal concedeu o profícuo remédio constitucional (HC) com espeque de que: “Proibição não é uma medida razoável”. O juiz federal alinhavou que a posologia indicada para o tratamento da paciente é de 8 em 8 horas. “Contudo, o preço do medicamento disponível nas farmácias brasileiras é superior a R$ 2 mil”. Nesse particular, é oportuno salientar fundamentação de r. decisão do juiz federal:
“Verifica-se que a proibição do cultivo destinado ao tratamento de moléstia, preceituado por um médico, não é medida razoável diante dos benefícios potenciais à saúde dos pacientes. Não se há de esquecer que a criminalização do uso de substância entorpecente significa punição da autolesão, o que não é razoável” , destacou o juiz Francisco Guimarães Farias.
No caso em tela, há que se destacar que Exmo. Juiz Federal, bem observou que apesar de a ANVISA ter retirado a Cannabis de lista drogas proibidas, havia incoerência, vez que órgão autoriza apenas a importação dos medicamentos ou aquisição em farmácia. “Desse modo, a compra do óleo fica restrita a um público limitado, não possibilitando a todos o exercício do mesmo direito”, concluiu Juiz Federal.
STF acena à regulamentação de cultivo da cannabis.
A criminalização de posse para consumo pessoal se afigura completamente inadequada vez que se estriba em recru espeque de proteção da saúde pública. Todavia, em 2015 a Suprema Corte Brasileira foi invocada para se manifestar sobre o assunto, através de julgamento de um caso concreto na questão de porte de drogas para consumo pessoal. Votaram o Min. Gilmar Mendes. Min. Edson Fachin e o Min. Luís Roberto Barroso no recurso Extraordinário - RE 635.659.
Conforme irrefragável voto do Min. Barroso:
“ os resultados da atual política de combate as Droga têm sido pífios e aumento constante do consumo. Em suma, nos ensina que por ausência de lesividade a bem jurídico alheio, por inadequação, discutível sobretudo, pelo custo elevado em troca de benefícios irrelevantes, à criminalização não é a forma mais razoável e proporcional de se lidar com o problema. ” 16
Nesse aspecto convirjo e aponho na integra ao voto do eminente Min. Barroso, confessando que torço para que os votos dos demais Ministros siga o mesmo raciocínio da profícua tendência global, outrossim, que nossa casa legislativa (câmara dos deputados) aprove com urgência o projeto de lei que tramita visando suprir lacuna existente no arcabouço legal vigente.