Conclusão
A crise da Soberania, Democracia e Justiça Social é uma realidade, se tivermos em conta as consequências das convulsões sociais que afectam vários sectores, desde instituições públicas e privadas. Os cidadãos sentem-se frustrados por falta da concretização de promessas que têm vindo a ser feitas, desde que Moçambique se tornou Independente. É em virtude deste ambiente que o povo grita: “estamos cansados”. Será cansaço de tanto trabalhar ou de falta de emprego e oportunidades? É cansaço de tantas expectativas de promessas não realizadas ao longo de 50 anos.
“A soberania reside no Povo” (nº 1 do art. 2. da CRM), o possuidor da soberania pretende ver sua prerrogativa constitucional a ser materializada para seu benefício pois, no concreto, o Povo torna-se soberano no momento da campanha e propaganda política, fundamentalmente, em tempos eleitorais para dar vantagem ao seu partido.
Por outro lado, quando alguma parte do povo diz que “este país é nosso” e age contra o Estado e suas instituições, parece ignorar-se que o mesmo conjunto de cidadãos fez um contrato social (Hobbes) e confiou à uma entidade para exercer o seu poder soberano. O povo deve exercer a soberania dentro dos limites constitucionais e não cada grupo, sob qualquer pretexto, levantar-se contra tudo e todos, sem respeitar as balizas legais.
Hoje, o que serviu como causa imediata e que provocou as convulsões sociais e consequente desrespeito às limitações legais é o problema eleitoral onde, ciclicamente, a oposição acusa o partido no poder de roubo de votos e manipulações dos resultados pelos órgãos eleitorais e instituições de Administração da Justiça. As eleições sendo uma prática dos Estados denominados democráticos é um dos momentos centrais onde o povo exerce o seu poder soberano, ao se revestir de direito e o dever de escolher seus representantes. No entanto, o exercício deste direito e dever, tem desaguado em sérias acusações, espancamentos e mortes pois, depois das eleições agudizam-se as rivalidades entre os que se chamam por ganhadores e os que se designam por roubados.
Seja como for, a reivindicação pelos resultados eleitorais vem juntar-se a crónicos problemas de assimetrias e injustiças iniciados desde a Independência (1975), pois, apesar de tanta expectativa dos moçambicanos usufruírem das riquezas que Moçambique dispõe, apenas uma minoria tem tal direito.
Se, desde as origens, a democracia foi imperfeita por ter se manifestado excludente, urge repensar um novo paradigma de governação em que todos, independentemente da sua condição social, económica e política possam se sentir integrados e beneficiados das políticas públicas do Estado e do Governo. Urge repensar um sistema político e governativo em que o Estado se empenha pela justa distribuição da riqueza, valorização das iniciativas individuais e colectivas, em que a academia e as instituições da Administração da Justiça, livres de interesses partidários, se empenhem em mostrar aos governantes o caminho justo para a paz e a reconciliação nacional.
De contrário, teremos um Estado destituído da sua soberania, um Estado onde opera a anarquia tanto institucional como de grupos, enfim, um Estado se perpectua a lei do mais forte. Como dizia Dom Jaime Pedro Gonçalves (2014), “os moçambicanos ou acabam com a guerra ou a guerra acaba com os moçambicanos”.
Referências Bibliográficas
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Notas
Conteúdo que pode ser encontrado na cadeira de Direito Administrativo I referente às garantias da Administração Pública.
Sobre esta matéria, apresentámos como oradores no VI Congresso Internacional de Ciências Políticas da Universidade Católica de Moçambique, Extensão de Maputo, realizado em Maputo, a 15 de Julho de 2024 em co-autoria com o Prof. Dr. Pedrito Cambrão, da Universidade Zambeze.
Cf. O Preâmbulo da Constituição de 2004.
O termo “justamente” é introduzido na frase porque, desde as eleições de 1994 até as eleições de 2024, a tónica é a reclamação por parte da oposição de ter havido fraude, alteração de números de votantes, enchimento de urnas e que a polícia tem mostrado o seu pendor para com o partido no poder em detrimento dos da oposição.
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Abraham Lincoln (1809 – 1865), politico norte-americano e 16º presidente dos Estados Unidos da América, considerava a democracia como “government of the people, by the people, for the people” (governo do povo, pelo povo, para o povo).