Capa da publicação Flagrante provado: prisão até 24h após o crime
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A proposta de inserção do flagrante provado no ordenamento jurídico brasileiro

21/03/2025 às 14:53

Resumo:


  • A prisão em flagrante delito é um tema que suscita debates sociais e críticas às autoridades.

  • A validade da prisão em flagrante requer o cumprimento de requisitos legais e o equilíbrio entre ordem pública e garantias individuais.

  • Existem diferentes modalidades de flagrante, como o flagrante próprio, impróprio, presumido, provocado, esperado, forjado e diferido.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O “flagrante provado” permite prisão até 24 horas após o crime, com provas como vídeos ou fotos. A medida fere garantias individuais ou reforça a segurança pública?

Resumo: A prisão em flagrante delito possui sua pertinência jurídica elencada no artigo 302 do Código de Processo Penal. Apesar disso, frequentemente suscita debates no âmbito social, especialmente quando, diante de um crime específico, o autor do fato não pode ser detido coercitivamente. Tal circunstância, como é esperado, mobiliza a população, que, agindo de forma quase “vigilante”, manifesta sua indignação, sobretudo nas redes sociais, quando o desfecho não corresponde às expectativas. Essa insatisfação culmina em críticas direcionadas às autoridades públicas e ao sistema de justiça criminal. Contudo, é importante ressaltar que a prisão em flagrante exige o cumprimento rigoroso de requisitos legais para garantir sua validade. Não deve ser compreendida apenas como um instrumento de repressão imediata, mas também como um ato formal e jurídico, cujo objetivo é equilibrar a necessidade de manutenção da ordem pública com a observância das garantias fundamentais dos indivíduos.

Palavras-chave: Flagrante; Prisão; Processo Penal; Delito; Crime.


O termo “flagrante” deriva do latim flagrare, que significa “queimar” ou “arder”, fazendo alusão ao crime que ainda se encontra em evidência, ou seja, que está sendo cometido ou que foi recentemente consumado (in flagranti delicto). (CAPEZ, 2012, p. 314). Sob tal prisma, a prisão em flagrante é forma abrangente de restrição cautelar de liberdade prevista no ordenamento jurídico.

Quando o assunto é prisão em flagrante, existem dois sujeitos: ativo e o passivo. O sujeito ativo diz respeito ao autor da prisão, pode ser dividido em duas categorias. O flagrante obrigatório, também denominado de compulsório ou necessário, impõe aos agentes públicos, como delegados de polícia, juízes e guardas municipais, o dever de realizar a prisão quando se deparam com a pessoa em situação de flagrância. A omissão no cumprimento do dever, seja por desleixo ou por interesse pessoal, pode configurar o crime de prevaricação, nos termos do Código Penal. Por outro lado, tem-se o flagrante facultativo: qualquer do povo pode realizar a prisão, trata- se de mera faculdade.

Quanto ao sujeito passivo, regra geral, qualquer pessoa pode ser presa em flagrante, desde que esteja cometendo um delito ou seja surpreendida imediatamente após a prática de um crime. Contudo, há exceções importantes. A Constituição Federal, no artigo 86, § 3º, veda a prisão em flagrante do Presidente da República, assim como dos menores de 18 anos, submetidos ao regime previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Além disso, diplomatas estrangeiros gozam de imunidade em relação à prisão em flagrante, desde que haja tratado internacional assinado pelo Brasil garantindo essa prerrogativa. Também os doentes mentais, embora possam ser presos em flagrante, devem ser submetidos a regime específico, medidas de segurança, conforme estipulado pelo Código Penal.

Em relação aos crimes afiançáveis, a legislação confere imunidade à prisão em flagrante de determinadas autoridades. Os deputados e senadores, conforme o artigo 53, § 2º, da Constituição, não podem ser presos em flagrante por crimes passíveis de fiança. O mesmo ocorre com os juízes, promotores de justiça e advogados, cujas prerrogativas profissionais, garantidas pela Constituição e por outras leis específicas, conferem-lhes proteção contra a prisão em flagrante por crimes afiançáveis. Essas garantias visam assegurar que o exercício das funções públicas e da advocacia não seja obstado de forma arbitrária, preservando, assim, o equilíbrio entre a autoridade do Estado e os direitos dos indivíduos.

Após a consumação da prisão em flagrante, o detido deve ser apresentado ao juiz competente, para ele avaliar a necessidade de manutenção da prisão. Caso o juiz constate que os requisitos para a prisão preventiva estão presentes, ele poderá converter o flagrante em prisão preventiva ou decretar uma medida cautelar diversa da prisão. Se o juiz identificar alguma ilegalidade na prisão, deverá relaxar o flagrante. Por outro lado, se entender que os requisitos para a prisão preventiva não estão presentes, poderá conceder liberdade provisória, com ou sem fiança, conforme o caso.

Vale ressaltar que a prisão em flagrante não pode ser mantida de forma indefinida, pois sua natureza é pré-cautelar, ou seja, não se destina a manter a pessoa presa por tempo indeterminado. A prisão em flagrante é uma medida de caráter temporário e pessoal, cuja necessidade vincula-se à brevidade de sua duração e ao imperativo de uma análise judicial no prazo de 24 horas, dentro das quais o juiz deve avaliar sua legalidade e decidir sobre a manutenção da prisão, com a possibilidade de convertê-la em prisão preventiva, ou decidir pela sua revogação, em audiência de custódia (LOPES JR., 2013, p. 52).

Nada obstante, são comuns ataques às autoridades policiais, devido ao desconhecimento dos requisitos de relaxamento do flagrante. Um exemplo seria o roubo em uma fazenda, onde, com o emprego de violência, o criminoso levou o celular da vítima e objetos de valor. Após a fuga para um local próximo, foi capturado pela polícia. No entanto, ao realizar a prisão, a polícia não conseguiu apreender o objeto roubado, nem colher elementos materiais suficientes para comprovar a autoria do crime, como testemunhas ou imagens de câmeras de segurança que identificassem claramente o acusado como autor do roubo. Além disso, o auto de prisão em flagrante foi lavrado de maneira incompleta, sem a análise de elementos probatórios que pudessem corroborar a versão policial. Nesse caso, o relaxamento do flagrante poderá ocorrer, à míngua dos requisitos legais.

Assim, a natureza precária da prisão em flagrante decorre de sua insuficiência para justificar uma detenção prolongada. Sua função pré – cautelar se vincula à possibilidade de decretação de medida cautelar pessoal, sendo, às vezes, um instrumento preparatório à decretação da prisão preventiva. Em outros casos, antecede à imposição de medida cautelar alternativa (CPP, art.319).

Existem diversas hipóteses de flagrante:

  1. Flagrante próprio (ou real): ocorre quando o agente é preso no exato momento em que está cometendo o crime ou logo após tê-lo cometido. A prisão acontece no cenário imediato do delito, sem qualquer intervalo significativo entre a ação criminosa e a captura;

  2. Flagrante impróprio (ou quase flagrante): o agente é perseguido logo após a prática do crime e é preso em uma situação que cria uma presunção razoável de que ele é o autor da infração. Embora o criminoso tenha conseguido fugir do local do crime, a perseguição contínua e a prisão subsequente são suficientes para indicar sua provável autoria, mesmo que ele não tenha sido pego no momento;

  3. Flagrante presumido (ou ficto): ocorre quando o agente é encontrado, pouco tempo depois de cometer o crime, em posse de objetos, armas, instrumentos ou documentos que indicam de forma clara sua ligação com a infração. Mesmo que não tenha sido perseguido nem capturado no local do crime, a posse de tais elementos (que são considerados indícios substanciais) gera uma forte presunção de que ele seja o autor do delito, mesmo em um local diferente do ocorrido inicialmente;

  4. Flagrante provocado ou preparado: aquele em que uma pessoa é induzida, de forma deliberada, a cometer um crime, com o objetivo de possibilitar sua prisão imediata. No entanto, nesse tipo de flagrante, as ações das autoridades são tão cuidadosas que tornam a consumação do delito impossível, já que o agente é manipulado para que não haja de fato a infração penal. A Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal estabelece que, nesses casos, não há crime, pois a atuação policial que prepara o flagrante torna a consumação impossível, caracterizando um flagrante nulo;

  5. Flagrante esperado: ocorre quando a polícia tem conhecimento prévio de que um ilícito será cometido em determinado local e decide aguardar o momento da sua execução para efetuar a prisão em flagrante do infrator. Diferentemente do flagrante provocado, não há qualquer ação deliberada para induzir o crime. A atuação policial se limita a uma vigilância para capturar o infrator no momento em que o crime se concretiza. Este tipo de flagrante é considerado válido, pois não envolve manipulação ou incitação à prática do delito;

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  6. Flagrante forjado: é aquele em que são fabricadas provas falsas para incriminar alguém, criando a aparência de um crime que, na realidade, não ocorreu. Esse tipo de flagrante é uma fraude processual, pois visa enganar a autoridade policial e o judiciário, tratando-se de um flagrante nulo, sem qualquer validade legal;

  7. Flagrante diferido: é a possibilidade que a polícia possui de retardar a realização da prisão em flagrante, com o objetivo de obter mais dados e informações sobre a estrutura, os componentes e as atividades de uma organização criminosa. Segundo Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (Curso de Direito Processual Penal, 7ª edição, p. 565), mesmo diante da ocorrência da infração, pode-se postergar a atuação policial, visando capturar o maior número possível de infratores ou obter um maior volume de provas.

A propósito, a Câmara dos Deputados aprovou, recentemente, o Projeto de Lei n.º 373/2015, que introduz nova modalidade de flagrante delito no ordenamento jurídico brasileiro, denominada “flagrante provado”. Trata-se de uma proposta inovadora que amplia os contornos do flagrante tradicional ao permitir a prisão de um suspeito até 24 horas após a prática do crime, desde que existam provas concretas que o vinculem ao delito.

A inovação legislativa permitirá a prisão de um suspeito localizado até 24 horas após a prática do crime, desde que haja reconhecimento pela vítima ou por terceiros, mediante a utilização de elementos de prova, como filmagens, fotografias ou outros meios que comprovem sua participação no delito. O prazo de 24 horas foi incorporado ao texto por meio de emenda apresentada pelo partido Novo, acolhida pelo relator do projeto.

O conceito de “flagrante provado” rompe com a limitação temporal estrita do flagrante convencional, que exige a prisão do autor no momento do crime ou imediatamente após sua prática. Segundo o delegado Éder Mauro, autor do projeto, essa alteração representa um avanço significativo na eficiência das atividades policiais, ao integrar novas tecnologias e métodos investigativos ao processo de responsabilização criminal. Em sua defesa, ele destacou: “Não podemos aceitar que obriguem os policiais a usar câmeras se não podem usar a filmagem e fotos para identificar bandidos e indiciá-los em flagrante”.

Apesar de sua aprovação pela Câmara, o projeto gerou intensos debates entre parlamentares, suscitando questionamentos quanto aos possíveis impactos da ampliação no sistema de garantias individuais e no equilíbrio entre repressão e proteção de direitos. Agora, o texto segue para o Senado Federal, onde será submetido a nova análise e poderá sofrer ajustes antes de sua eventual sanção presidencial.

A proposta, ao conjugar inovação tecnológica com práticas investigativas, inaugura um importante debate sobre o equilíbrio entre eficiência na segurança pública e preservação dos direitos fundamentais, destacando-se como uma potencial evolução no campo jurídico- criminal brasileiro.

Para arrematar, a prisão em flagrante, com suas diversas modalidades e nuances, constitui importante mecanismo de resposta à criminalidade, buscando equilibrar a eficácia das ações policiais com a proteção das garantias individuais. A introdução do “flagrante provado” propõe uma ampliação significativa dessa ferramenta, permitindo a prisão de um suspeito até 24 horas após o delito, desde que existam provas concretas que o vinculem ao crime, como imagens ou outros elementos substanciais. Contudo, essa mudança legislativa também desafia o sistema jurídico ao levantar questionamentos sobre os limites entre a eficiência na repressão e o respeito aos direitos fundamentais do acusado. Assim, enquanto a inovação busca aprimorar o combate ao crime e integrar novas tecnologias ao processo, é imprescindível que a legislação garanta um equilíbrio entre a segurança pública e a preservação das liberdades individuais, assegurando que o avanço não se sobreponha aos princípios constitucionais que norteiam o Estado de Direito.


REFERÊNCIAS

BRASILEIRO DE LIMA, Renato. Manual de Processo Penal. 14ª Ed. Salvador: Juspodivm,2025.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 31ª Ed. São Paulo: Saraiva,2024.

BRASIL. [Constituição (1988)].Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 2016.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Portal da Câmara dos Deputados. Disponível em: www.camara.leg.br.

LOPES JR., Aury. Código de Processo Penal.

PLANALTO. Portal Oficial da Presidência da República. Disponível em: www.planalto.gov.br

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Maria Clara. A proposta de inserção do flagrante provado no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7933, 21 mar. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113239. Acesso em: 26 mar. 2025.

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