Portugal e Brasil, duas democracias estranguladas pelo neofascismo jornalístico

20/03/2025 às 10:11
Leia nesta página:

O ex-primeiro ministro português é um velho conhecido nosso. Ele já foi mencionado por mim no meu blogue algumas vezes12. Volto a tratar do caso dele porque um espectro português está rondando o Brasil.

Quando participou do lançamento do livro Lawfare: uma introdução, Cristiano Zanin, Valeska Martins e Rafael Valim, editora Contracorrente, José Sócrates disse que:

“… o Lawfare se torna uma realidade em virtude da união do submundo do jornalismo com o submundo da justiça. Ele opera através do vazamento, ato vil que liga os dois campos e possibilita a construção de um poder obscuro que existe à margem da democracia e fora dos limites da legalidade.” 3

No discurso que fez durante o comício em favor de Jair Bolsonaro, o candidato T (o T de Tarcísio também pode ser T de Terrorismo policial) disse que Lula roubou a Petrobras, mas foi indevidamente absolvido pelo STF. Segundo o interventor militar bolsonarista eleito pelos paulistas, os terroristas que depredaram prédios públicos em Brasília são inocentes.

O candidato T (T de Trezoitão de miliciano carioca atuando em São Paulo) não tentou apenas ressuscitar o Lawfare contra o adversário. O que ele fez foi deformar a deformação política do Direito. Segundo o candidato T criminosos que foram justamente condenados porque depredaram prédios públicos são vítimas de Lawfare. A sentença nula proferida contra Lula por um juiz incompetente e suspeito deveria produzir efeitos, mas os acórdãos válidos prolatados pelo STF contra os terroristas bolsonaristas não tem valor. Tarcísio é um mágico. Mas essa magia ele não aprendeu nos EUA.

Assim como o Lawfare transforma o processo num simulacro, a Justiça num teatro de horrores e a Lei num instrumento de perseguição política, a imprensa pode transformar uma derrota do Lawfare em vitória eleitoral. O candidato T, nesse caso, não está utilizando uma fórmula norte-americana (como disse um especialista entrevistado por Luis Nassif em 17/03/2025). Essa fórmula é lusitana e está sendo utilizada em Portugal. Após o congresso ser dissolvido e eleições serem convocadas, a imprensa voltou a atacar ferozmente José Sócrates.

Em decorrência dos ataques políticos eleitorais que tem recebido com base num processo em que já foi duas vezes absolvido, José Sócrates tem se defendido no Facebook 45. Começarei pela última nota.

A imprensa televisada portuguesa disse que José Sócrates deve 50 mil euros de custas processuais, fato que ele negou peremptoriamente no Facebook. Todavia, a verdade ou falsidade da informação divulgada pelo telejornal é irrelevante. Importante é a consequência de sua divulgação e reverberação nos demais veículos de comunicação em Portugal: os jornalistas colaram o verbete “caloteiro” na imagem do ex-primeiro ministro do país, anulando dessa maneira toda e qualquer coisa boa que ele e o partido dele tenham feito quando governou Portugal.

Na primeira nota recente que publicou sobre o assunto, disse José Sócrates:

“É muito difícil conduzir uma qualquer discussão nos jornais sobre o processo marquês sem esbarrar imediatamente na mais descarada desonestidade. E, no entanto, não vejo alternativa que não seja a de insistir na retidão dos argumentos.

Primeiro ponto: ao fim de doze anos não houve julgamento do processo Marquês porque houve duas decisões judiciais que me deram razão – a primeira é a decisão instrutória de dois mil e vinte e um, que considerou que nenhuma das acusações estava indiciada; a segunda é um acórdão da Relação de Lisboa de dois mil e vinte e quatro que derrubou a chamada pronúncia Ivo Rosa, considerando-a como uma 'alteração substancial de factos'.

Portanto, o processo marquês não foi a julgamento não em razão de nenhuma 'manobra dilatória', mas em função de duas decisões judiciais que me foram favoráveis.”

Ao que parece o problema do sistema de justiça português é a ANI. Não, não estou me referindo aqui à Inteligência Artificial Limitada (cuja sigla em inglês é ANI), mas à Absurda Naturalização da Inépcia profissional dos membros do órgão de acusação. Eles querem praticar Lawfare contra José Sócrates, mas não tem a sofisticação necessária para transformar perseguição política em acusação criminal plausível.

No Brasil, a era dos promotores fanfarrões terminou com a aprovação e promulgação da Lei de Abuso de Autoridade. Ao que parece, Portugal está a precisar de uma Lei semelhante para conter o ímpeto de bestialidade política do Ministério Público.

Não se trata de criminalizar a atuação dos promotores que trabalham de maneira correta, mas de impedir que os promotores ineptos e fanfarrões infernizem injustamente a vida de um cidadão e de um político por razões políticas e ideológicas. A distribuição de justiça não é o local adequado para a acertos de contas eleitorais. Se os promotores que perseguem indevidamente José Sócrates querem fazer política, eles devem abandonar seus cargos e disputar eleições. Mas se quiserem continuar a fazer o que fazem uma Lei deve impedi-los criminalizando a conduta indevida deles. Simples assim.

O caso da imprensa é diferente. Lá como cá, a liberdade de imprensa é garantida constitucionalmente. Mas ao contrário do que ocorre no Brasil, Portugal tem uma Lei de Imprensa6 que dispõe expressamente que:

Artigo 3.º

Limites

A liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática.

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Em tese, José Sócrates pode processar um veículo de comunicação que divulga uma inverdade para prejudicá-lo politicamente. Mas Lula não pode fazer nada contra os jornais e redes de TV que repercutiram o discurso claramente mentiroso do candidato T. Entre nós, a única coisa que Lula poderia fazer é processar pessoalmente Tarcísio de Freitas, sendo certo que o governador de São Paulo poderia utilizar esse processo para se dizer vítima de uma perseguição injusta.

É nesse ponto que nós estamos: a imprensa não apenas politiza a Justiça ao legitimar o Lawfare, ela a transforma o Direito num pesadelo político-eleitoral permanente quer o réu tenha sido injustamente perseguido (caso de Lula e de José Sócrates) quer ele esteja sendo justamente condenado (caso de Jair Bolsonaro e dos bolsonaristas condenados porque depredaram prédios públicos em Brasília). Assim degrada-se tanto o jornalismo quanto a imagem de imparcialidade do Poder Judiciário, da qual dependem os juízes para realizar seu trabalho num ambiente de tranquilidade democrática.

Desse jeito sempre perdem os cidadãos, as democracias e os juristas. Só os fascistas ganharão algo com a técnica que está sendo empregada em Portugal contra José Sócrates e no Brasil em favor da anistia de Jair Bolsonaro. Nesse contexto, o governo Lula e o STF poderiam avançar em duas frentes. Numa delas unindo esforços com as autoridades portuguesas a fim de criar instrumentos legais novos e fortalecer os existentes para garantir a estabilidade democrática nos dois países. Num segundo, Portugal poderia bloquear em seu território o jornalismo de esgoto praticado no Brasil e nosso país faria o mesmo em relação às notícias inventadas pelo submundo do jornalismo português.

Um país que garante a liberdade de imprensa não tem e não deve ter obrigação nenhuma de ficar exposto ao mal jornalismo praticado em outro país, especialmente quando as “verdades alternativas” inventadas no estrangeiro reforçam o que existe de pior em seu próprio território. Esse, aliás, foi o exemplo dado pelos EUA e os países da UE quando começaram a bloquear os portais de notícias da Rússia em seus territórios (algo que levou a Rússia a fazer o mesmo em seu território em relação aos portais de notícias norte-americanos e europeus).

A não circulação de desinformação sobre Lula e o PT (e em favor de Jair Bolsonaro e os terroristas bolsonaristas) em Portugal e sobre José Sócrates e o partido dele no Brasil ajudariam a reduzir o ambiente tóxico neofascista que está sendo criado e impulsionado por algoritmos de direita 7 das Big Techs nos dois países? Essa é uma questão que só poderia ser respondida colocando em prática freios e filtros de internet que ainda não existem.


Notas

1 https://jornalggn.com.br/destaque-secundario/so-agora-comecou-por-fabio-de-oliveira-ribeiro/

2https://jornalggn.com.br/opiniao/reflexoes-rousseaunianas-sobre-o-lawfare-por-fabio-de-oliveira-ribeiro/

3https://jornalggn.com.br/artigos/lawfare-uma-introducao/

4https://www.facebook.com/share/p/1BWDCFqLVM/

5https://www.facebook.com/share/p/19x9bd7AbQ/

6https://diariodarepublica.pt/dr/legislacao-consolidada/lei/1999-34439075-43455675

7https://jornalggn.com.br/cidadania/algoritmos-de-direita-o-que-resta-da-esquerda-por-fabio-ribeiro/

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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