Direito para Todos: Um Manual Claro e Objetivo

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2. SÓCRATES

Sócrates via os sofistas como professores de retórica que, ao contrário dele, se preocupavam mais com a persuasão do que com a busca pela verdade. Para os sofistas, o conhecimento era relativo e dependente das convenções sociais, enquanto Sócrates acreditava que havia uma verdade universal e objetiva, acessível por meio da razão e do questionamento. Ele utilizava a “maiêutica socrática”, uma técnica de diálogo que visava “dar à luz” o conhecimento que já estava implícito na mente de seu interlocutor, guiando-o a questionar suas próprias ideias e chegar a conclusões por si. Essa técnica consistia em fazer perguntas provocativas e dialéticas, desafiando pressupostos e levando à reflexão.

Como gosto de gibis, e um deles O recruta Zero, um diálogo entre o sargento e o recruta:

Sargento: “Soldado, se você não fizer o que mando, você estará desobedecendo à ordem, e desobedecer é um crime. Portanto, você deve fazer o que digo, pois a desobediência é inaceitável.”

Soldado: “Mas, senhor, se a ordem que o senhor me der for injusta, eu ainda teria que obedecer?”

Sargento: “Claro que sim. A obediência é um dever, independentemente da ordem ser justa ou não.”

Soldado: “Mas, senhor, se a ordem fosse para fazer algo que prejudicasse outra pessoa, eu estaria cumprindo meu dever corretamente ao seguir essa ordem?”

Sargento: “Sim, porque a obediência à ordem é o que importa, não importa o efeito.”

Soldado: “Então, senhor, se eu receber a ordem de fazer algo errado, como prejudicar alguém, e ainda assim obedecer, estaria sendo correto em seguir a ordem? Ou o senhor não considera que a justiça também deve ser considerada, além da obediência?”

Sargento: “Não! O mais importante é obedecer.”

Soldado: “Então, se eu for ordenado a cometer um erro ou causar dano a alguém, o senhor estará dizendo que obedecer, mesmo estando errado, é sempre o caminho correto? Não estaria, então, desconsiderando a própria noção de certo e errado?”

Sargento (em silêncio, percebendo a contradição).

Em relação à cultura grega, Sócrates via o avanço da civilização como uma forma de tentar alcançar a verdade e o bem, mas também criticava os valores da sociedade ateniense, que ele considerava superficiais e materialistas, distantes das virtudes que ele defendia. Ele acreditava que a cultura grega, embora avançada, estava excessivamente preocupada com o poder, a riqueza e a aparência, ao invés da busca genuína pela verdade e pelo bem.

2.1. Maiêutica Socrática

Quando Sócrates “fazia o parto” por meio da maiêutica, ele induzia seus interlocutores a um processo profundo de autoquestionamento e conscientização, onde a verdade não era imposta, mas descoberta por meio da razão. Esse método, baseado na dialogicidade, visava desafiá-los a confrontar suas crenças e ideias pré-estabelecidas, levando-os a perceber as inconsistências em seu pensamento e a buscar uma compreensão mais profunda de si (cosmovisão própria) e do mundo (cosmovisão compartilhada). Esse processo é, sem dúvida, um poderoso instrumento para superar a resistência psicológica, que frequentemente se manifesta como medo — seja consciente ou inconsciente — do que se está prestes a descobrir e das implicações emocionais que isso pode gerar. O medo, como resistência, é gerado pela zona de conforto emocional, onde a pessoa, acostumada a pensar de maneira automática, ou a seguir convicções herdadas, ou socialmente moldadas, evita o desconforto de revisar seus pressupostos e assumir a responsabilidade por sua própria visão de mundo.

A resistência à mudança, como a que Sócrates procurava superar, não é nada isolado, mas está intimamente ligada à pressão social que molda os indivíduos. No contexto moderno, a zona de conforto emocional de uma pessoa também é influenciada por estruturas de poder mais amplas, como o Estado e seus entes federativos (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), e pelos poderes da República (Legislativo, Executivo e Judiciário). Estas estruturas políticas, com suas normas e práticas, não só impõem regras e limites, mas também geram um ambiente social que pode reforçar ou desafiar o status quo. Para o indivíduo, pensar por si, ou seja, questionar as normas estabelecidas e buscar sua própria verdade, exige uma coragem pessoal considerável. Enfrentar a pressão social — seja do ponto de vista das instituições governamentais, da mídia, ou das expectativas familiares e comunitárias — pode ser desafiador. A libertação que a maiêutica socrática sugere, portanto, não se resume a uma descoberta individual isolada, mas a um processo que, embora profundamente interno, acontece em um contexto social e político que pode oferecer tanto suporte quanto resistência. Assim, a autonomia intelectual de um indivíduo e a capacidade de agir conforme a razão, defendido por Sócrates, envolvem não apenas o confronto com suas próprias limitações emocionais, mas também a interação com as dinâmicas sociais e políticas que moldam sua visão de mundo e suas escolhas.

Esse processo de autodescoberta, tal como praticado por Sócrates, pode ser comparado ao método utilizado na Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), que visa auxiliar o indivíduo a questionar suas crenças irracionais e a reestruturar seu pensamento, superando a resistência psicológica que muitas vezes surge como mecanismos de defesa do ego. Assim como Sócrates desafiava seus interlocutores a pensar por eles mesmos e a questionar suas verdades internas, a TCC utiliza estratégias cognitivas para alterar padrões de pensamento disfuncionais que sustentam a ansiedade, a depressão e outros transtornos emocionais.

No entanto, a resistência psicológica à mudança é um fenômeno profundo e muitas vezes inconsciente. Os mecanismos de defesa do ego, como repressão, negação, projeção e racionalização, protegem o indivíduo de enfrentar realidades internas dolorosas ou desconfortáveis. Esses mecanismos muitas vezes atuam como barreiras, impedindo que o indivíduo se confrontem com as verdades que podem gerar desconforto emocional. A repressão, por exemplo, pode esconder sentimentos e lembranças desagradáveis, enquanto a negação pode levar a pessoa a evitar a aceitação de suas falhas ou problemas. Já a projeção e a racionalização são estratégias defensivas para atribuir aos outros a responsabilidade por sentimentos ou comportamentos indesejáveis, evitando assim a autocrítica. A TCC, ao buscar identificar e modificar esses padrões de defesa, permite ao paciente não apenas superar as barreiras psíquicas que limitam o autoconhecimento, mas também desafiar a zona de conforto emocional, semelhante ao que Sócrates procurava fazer com seus interlocutores.

A compensação, conceito introduzido por Alfred Adler, também é um mecanismo relevante nesse contexto. Segundo Adler, quando uma pessoa se sente inferior ou incapaz em alguma área de sua vida, ela pode buscar compensar essas deficiências por meio de conquistas ou comportamentos em outras áreas, muitas vezes de forma exagerada ou disfuncional. Esse fenômeno pode ser observado em indivíduos que, por exemplo, demonstram uma autoestima excessiva ou buscam aprovação externa para suprir uma baixa autoestima interna. A compensação, nesse sentido, pode ser uma forma de defender o ego de sentimentos de insegurança e falta de valor próprio, mas, ao mesmo tempo, gera um ciclo vicioso de fuga das reais causas da autoestima e da vulnerabilidade emocional. Em um contexto terapêutico, como na TCC, o objetivo é trabalhar esses mecanismos defensivos, auxiliando o paciente a reconhecer suas falhas sem o medo de perder sua identidade ou valor. Isso cria uma nova perspectiva sobre a autoestima, baseada na autoaceitação e no autoconhecimento, em vez de depender da aprovação externa ou da compensação de fraquezas.

Além disso, outros mecanismos de defesa como formação reativa, sublimação, regressão, identificação, introjeção, e isolamento também têm um papel importante nesse processo de autodescoberta e transformação psicológica. Por exemplo, a sublimação pode ser um mecanismo de defesa que direciona impulsos agressivos ou sexuais para atividades socialmente aceitáveis, como o trabalho ou a arte, auxiliando a pessoa a lidar com emoções conflitantes de maneira construtiva. Na TCC, ajudar o paciente a identificar quando está ocorrendo uma sublimação disfuncional ou formação reativa é um passo essencial para entender os conflitos internos e trabalhar as causas subjacentes dessas defesas.

Portanto, a combinação da maiêutica socrática, da TCC e dos mecanismos de defesa do ego oferece um caminho profundo e integrado para superar a resistência psicológica e alcançar um autoconhecimento mais pleno e libertador. A resistência, muitas vezes sustentada por mecanismos defensivos, é confrontada diretamente, seja por meio do questionamento socrático, que desafia a pessoa a sair de sua zona de conforto emocional, ou pelas técnicas cognitivas da TCC, que permitem reestruturar padrões disfuncionais de pensamento e comportamento. No centro desse processo está a busca por autonomia emocional, onde o indivíduo, assim como nas ideias de Kant, pode conquistar sua liberdade de pensamento e, em última instância, sua autoaceitação, sem a necessidade de recorrer a compensações externas ou defesas psicológicas que mascaram a verdadeira essência do ser.

Excelente exemplo da aplicação da maiêutica socrática, com abordagem do TCC, é na área de violência doméstica.

A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) pode ser aplicada de maneira eficaz tanto para vítimas de violência doméstica quanto para agressores, para interromper ciclos de abuso e promover mudanças comportamentais sustentáveis. A TCC, com seu foco em identificar e modificar padrões de pensamento distorcidos e comportamentos disfuncionais, oferece ferramentas cruciais para lidar com os aspectos emocionais, psicológicos e sociais envolvidos na violência doméstica.

2.2. TCC para Vítimas de Violência Doméstica

Para as vítimas, a TCC pode ser usada para identificar crenças disfuncionais que possam ter sido internalizadas ao longo do tempo, como baixa autoestima, culpa excessiva ou medo irracional de reações externas. Muitas vítimas de violência doméstica desenvolvem crenças como “mereço a violência” ou “não posso sair dessa situação”, perpetuadas por mecanismos de defesa como negação ou racionalização do comportamento do agressor. A TCC pode trabalhar esses pensamentos, auxiliando a vítima a reconhecer sua dignidade e direito a relacionamentos saudáveis, além de desenvolver estratégias de enfrentamento para lidar com o trauma e superar os efeitos psicológicos da violência.

A reestruturação cognitiva, uma das técnicas centrais da TCC, permite que a vítima reconstrua sua narrativa pessoal, alterando a visão distorcida que ela possa ter sobre si mesma ou sobre os relacionamentos abusivos. Também são trabalhadas questões relacionadas ao controle emocional, como a ansiedade e o medo que podem ser acionados por gatilhos do passado, além de promover o fortalecimento da autoconfiança e a construção de habilidades de assertividade, essenciais para a vítima poder estabelecer limites saudáveis no futuro.

2.3. TCC para Agressores de Violência Doméstica

Para os agressores, a TCC é frequentemente utilizada em programas de reabilitação para agressores de violência doméstica, conhecidos como programas de intervenção com agressores (PIA). Nesse contexto, a TCC busca identificar os padrões de pensamento que justificam e perpetuam o comportamento violento, como crenças distorcidas sobre controle, domínio e hierarquia no relacionamento, bem como justificativas para o abuso, como “ela me provocou” ou “eu estava fora de controle”.

O objetivo da TCC com os agressores é promover uma mudança nas crenças e atitudes que sustentam o comportamento abusivo, por meio de técnicas como:

  • Reestruturação Cognitiva: Identificar e corrigir pensamentos distorcidos que levam à violência. Por exemplo, a crença de que é aceitável usar a força física para resolver conflitos é desafiada e reformulada.

  • Treinamento de Habilidades Sociais e de Comunicação: Ajudar os agressores a aprender formas mais adequadas de resolver conflitos e de expressar suas emoções sem recorrer à violência. O uso de habilidades de comunicação assertiva é fundamental, permitindo que o indivíduo expresse suas necessidades sem hostilidade.

  • Controle de Impulsos: Ensinar técnicas de gestão da raiva e controle de impulsos para reduzir a tendência de reagir de maneira agressiva, promovendo a autorregulação emocional.

  • Empatia e Responsabilidade: Trabalhar com o agressor a capacidade de se colocar no lugar da vítima e compreender as consequências de suas ações, tanto para o parceiro quanto para os filhos, criando um sentimento de responsabilidade pelos danos causados.

  • Análise Funcional: A TCC também envolve a análise dos gatilhos e contextos que provocam o comportamento violento, buscando maneiras de modificar os padrões de comportamento e as situações que favorecem o abuso.

A intervenção com agressores visa, portanto, romper o ciclo de violência, auxiliando o agressor a reconhecer suas falhas, a desenvolver competências emocionais e comportamentais mais saudáveis, e a evitar a reincidência no abuso. É fundamental que, além da reabilitação individual, também haja a responsabilização do agressor pelos seus atos, sem justificar o comportamento abusivo com fatores externos, como o estresse ou as dificuldades de relacionamento.

A TCC, tanto para vítimas quanto para agressores de violência doméstica, oferece uma abordagem prática e eficaz para romper ciclos de abuso e transformar padrões de pensamento e comportamento prejudiciais. Para as vítimas, a terapia busca a recuperação emocional e o fortalecimento pessoal, enquanto para os agressores, visa interromper comportamentos violentos e promover mudanças duradouras na forma de lidar com conflitos e emoções. Em ambos os casos, a TCC enfatiza a autoconhecimento, a responsabilidade e a transformação pessoal como pilares para a construção de relacionamentos saudáveis e respeitosos.

2.4. A FORÇA DA LIBERDADE

Gosto de citar filmes e analisá-los. O filme “Malcolm X”.

A história de Malcolm X é um exemplo vívido de transformação psicológica que pode ser relacionada com conceitos da TCC, como a reestruturação cognitiva, e com a aplicação de mecanismos de defesa do ego como a compensação. Sua trajetória mostra como a resistência psicológica pode ser superada quando se desafiam crenças limitantes e padrões de comportamento destrutivos. Ao passar de um homem que vive a violência e a raiva para um líder que propaga paz e justiça social, Malcolm X exemplifica o poder da mudança interna, um processo que pode ser entendido através da TCC, da maiêutica socrática e dos mecanismos de defesa. Ele ilustra a possibilidade de reconstrução da identidade e elevação da autoestima, desafiando as narrativas de inferioridade que o sistema social havia imposto a ele e, com isso, alcançando um novo sentido de liberdade e dignidade.

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O filme Malcolm X, dirigido por Spike Lee e baseado na autobiografia de Malcolm X, narra a vida de um dos mais notáveis líderes afroamericanos do século XX, destacando sua jornada de transformação pessoal, social e política. A história de Malcolm X é um exemplo poderoso de como os processos de mudança psicológica e comportamental podem ser aplicados em diferentes contextos, sendo um excelente exemplo de como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), mecanismos de defesa do ego, e os conceitos de autoestima podem ser observados em uma trajetória de superação de resistência psicológica, tanto na vivência da opressão quanto no confronto com comportamentos agressivos e destrutivos.

2.5. A Transformação de "Malcolm X" e a Maiêutica Socrática

Ao longo do filme, vemos Malcolm X passar por uma profunda transformação interna, passando de um jovem delinquente para um líder político e espiritual. Este processo de mudança pode ser relacionado com o método socrático de maiêutica, onde, em vez de ser imposta uma verdade externa, Malcolm X é desafiado a refletir sobre suas próprias experiências, crenças e escolhas de vida. Seu período de prisão é um momento crucial, onde ele começa a questionar a narrativa que havia seguido até então e a reavaliar suas crenças sobre raça, religião e identidade.

O processo de autoquestionamento que ocorre enquanto ele se educa e reflete sobre suas ações pode ser entendido como uma forma de “parto” socrático, onde ele revisita novas verdades sobre si e sobre o mundo, confrontando suas crenças limitantes e mecanismos de defesa, como negação (da sua própria realidade social e histórica), projeção (ao culpar os outros por sua situação) e racionalização (justificando seu comportamento agressivo no passado).

2.6. Resistência Psicológica e Mecanismos de Defesa

Antes de sua transformação, Malcolm X demonstrava comportamentos agressivos e impulsivos, bem como crenças e atitudes radicais, características típicas de mecanismos de defesa do ego, como negação (negar as injustiças sociais e raciais), projeção (culpar a sociedade e o sistema de poder pelos seus fracassos pessoais) e formação reativa (ao adotar um comportamento agressivo e extremo como uma reação à opressão que vivenciava). Esses mecanismos, na maioria, estavam ligados a sua vivência de baixa autoestima e sentimentos de inadequação, que, em sua visão, eram reforçados pela sociedade racista.

Seu envolvimento com o crime e suas atitudes agressivas podem ser interpretados como formas de compensação pela dor da opressão racial, como um mecanismo de defesa para lidar com a insegurança e o sentimento de impotência diante das adversidades da vida. Ao se envolver em atividades criminosas, Malcolm X tenta afirmar seu controle e poder sobre a sua realidade, uma reação compensatória à marginalização e à falta de oportunidades que ele experimentava.

2.7. TCC e Transformação: Da Agressividade à Paz Interior

No entanto, a verdadeira transformação de Malcolm ocorre quando ele começa a desafiar essas crenças e comportamentos automáticos e reconhece seus próprios mecanismos de defesa. A TCC, com seu foco na reestruturação cognitiva, poderia ser aplicada aqui para ajudar Malcolm X a repensar suas crenças e atitudes. Ele começa a questionar seus pensamentos distorcidos, como a ideia de que a única forma de se afirmar é por meio da violência e da agressão. Ele se depara com a necessidade de modificar seus comportamentos destrutivos e aprender a expressar suas emoções de maneira mais construtiva, sem recorrer à agressividade ou ao ódio.

A TCC ajudaria Malcolm a reconhecer a importância de controlar seus impulsos e de adotar formas mais saudáveis de interação social, o que ele começa a fazer ao se aproximar de diferentes movimentos de direitos civis, promovendo uma mensagem de unidade, paz e respeito entre as pessoas, independentemente da raça. Seu novo caminho espiritual, ao se tornar membro da Nação do Islã e depois seguir uma trajetória mais ecumênica, reflete o processo de ressignificação de sua vida, algo muito alinhado com a reconstrução cognitiva que a TCC promove, auxiliando o indivíduo a desafiar ideias preconcebidas e a adotar novos significados.

2.8. A Compensação e a Autoestima

Em termos de compensação, a jornada de Malcolm X também pode ser vista como um esforço para reparar os danos causados por sua vida anterior de crime e violência. Ele, como alguém que se sentia desvalorizado pela sociedade e, em muitos aspectos, por si, tentou compensar essas sensações de inferioridade ao se tornar um líder destacado. Ao buscar a reconstrução de sua autoestima, ele passou a perceber seu valor intrínseco não pela força física ou pelo medo, mas pelo conhecimento, pela sabedoria e pela capacidade de inspirar os outros. Essa autoestima renovada permitiu-lhe fazer a transição de uma identidade marcada pela violência para uma identidade fundamentada no respeito próprio e na compaixão, promovendo a empatia e a unidade como valores centrais em seu ativismo.

2.9. A maiêutica socrática na Democracia e no Direito

A jornada de Malcolm X, como abordada no filme e em sua autobiografia, não se limita a uma transformação pessoal, mas também é intrinsecamente conectada à necessidade política e constitucional de garantir que as minorias, especialmente as pessoas negras, possam exigir seus direitos civis e políticos em um contexto historicamente marcado pela opressão e desigualdade. A luta de Malcolm X, como a de muitos outros líderes afroamericanos, não é apenas uma questão de mudança interna, mas também de desemparelhamento do Estado que, em sua estrutura institucional e histórica, se fundamentou no racismo contra os negros. No sistema jurídico e político dos Estados Unidos, bem como em muitos outros contextos, o racismo estrutural criou um cenário onde a discriminação racial era institucionalizada, tornando-se uma prática social e jurídica aceita e naturalizada.

2.10. Necessidade Política e Constitucional para a Exigência dos Direitos Civis e Políticos

No contexto da necessidade política e constitucional, o movimento de Malcolm X se insere diretamente na luta pela garantia de direitos fundamentais, conforme estabelecido pela Constituição dos Estados Unidos e, de forma mais ampla, no Direito Internacional e nas normas constitucionais modernas, que reconhecem os direitos civis e políticos das minorias, particularmente no que diz respeito ao direito à igualdade, liberdade e dignidade humana. A posse de direitos civis e políticos por parte das “minorias”, como os negros nos Estados Unidos, sempre foi uma necessidade política urgente para corrigir as distorções do passado, em que as instituições do Estado não só não protegiam, mas muitas vezes reforçavam a opressão racial. Por exemplo, o Caso Plessy v. Ferguson.

A expressão “separados, mas iguais” (em inglês, “separate but equal”) foi uma doutrina jurídica que se tornou oficial nos Estados Unidos após a decisão da Corte Suprema no caso Plessy v. Ferguson (1896). A Corte, na época, decidiu que a segregação racial nas instalações públicas, como escolas, transportes e outros serviços, era constitucional, desde que as instalações para negros e brancos fossem “iguais”. Essa ideia deu respaldo legal à segregação racial que predominou nos Estados Unidos por várias décadas, especialmente no Sul do país.

A doutrina de “separados, mas iguais” foi uma forma de justificar a discriminação racial sob a premissa de que, embora os negros e os brancos fossem separados em espaços públicos, eles ainda teriam acesso a serviços de qualidade igual. Na prática, no entanto, essa doutrina manteve um sistema de segregação profundamente desigual, no qual as instalações destinadas aos negros eram sistematicamente inferiores às dos brancos. Além disso, essa doutrina foi usada para negar a plena cidadania e os direitos civis dos afro-americanos, perpetuando a marginalização e a opressão racial.

O caso Plessy v. Ferguson foi um marco na história jurídica dos Estados Unidos, ao estabelecer uma base legal para a segregação racial que duraria até meados do século XX. Essa doutrina foi derrubada apenas em 1954, com a decisão da Corte Suprema no caso Brown v. Board of Education, que declarou que a segregação nas escolas públicas era inconstitucional, afirmando que a segregação racial causava dano psicológico e impedia o desenvolvimento igualitário das crianças negras.

2.11. Relação com a Luta de "Malcolm X"

A ideia de “separados, mas iguais” e a decisão do caso Plessy v. Ferguson refletem a estrutura de opressão racial que Malcolm X e outros ativistas negros combateram durante o movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos. Malcolm X, em seus primeiros anos de militância, defendia a ideia de que os negros deveriam se separar das estruturas dominadas pelos brancos para alcançar sua liberdade e dignidade. No entanto, sua perspectiva sobre a segregação mudou com o tempo, especialmente após sua viagem à Meca, onde ele viu a unidade racial e a diversidade religiosa de uma forma que desafiou as suas crenças anteriores.

A doutrina de “separados, mas iguais” foi um exemplo claro de justificação jurídica para a desigualdade, e é nesse contexto que a luta de Malcolm X se insere, desafiando as estruturas que legitimavam a discriminação institucionalizada. Ele, assim como outros líderes do movimento pelos direitos civis, trabalhou para desmantelar as estruturas de segregação e promover a igualdade real e substantiva, ao contrário da mera igualdade formal prevista pela doutrina de “separados, mas iguais”.

A Constituição, especialmente após os movimentos pelos direitos civis nas décadas de 1960 e 1970, se tornou um instrumento de transformação, no qual as minorias passaram a ter a legitimidade para reivindicar seus direitos, a fim de alcançar a isenção de discriminação racial e garantir um tratamento igualitário perante a lei. Assim, a exigência dos direitos civis e políticos não é apenas um direito, mas uma necessidade para a justiça social e para a igualdade racial no sistema jurídico.

2.12. Desemparelhamento do Estado Fundamentado no Racismo

O Estado, historicamente, foi fundamentado no racismo contra os negros, uma vez que suas instituições jurídicas e sociais foram moldadas para excluir ou marginalizar a população negra, seja pela escravidão, pela segregação ou pela discriminação racial sistemática. O desemparelhamento do Estado é, então, um processo essencial para que as minorias não apenas tenham acesso a seus direitos civis e políticos, mas também para as estruturas estatais serem desconstruídas e reformadas a partir de uma perspectiva antirracista e inclusiva. A reconstrução do Estado implica em romper com a herança do racismo estrutural, garantindo que a justiça e a equidade sejam princípios fundamentais de qualquer legislação e prática estatal. Nesse contexto, o Estado não deve ser uma entidade opressora, mas um instrumento de emancipação, que reconhece e valoriza a diversidade étnica e cultural de suas populações.

2.13. Positivismo Jurídico e Pós-Positivismo Jurídico

A luta de Malcolm X, e mais amplamente a luta dos negros pelos seus direitos civis e políticos, pode ser compreendida a partir das perspectivas do positivismo jurídico e do pós-positivismo jurídico. O positivismo jurídico acredita que o direito é uma construção autônoma da moral, ou seja, a validade do direito não depende de sua justiça ou moralidade, mas sim da autoridade da lei formalmente estabelecida. Nesse sentido, o positivismo jurídico baseia-se na legalidade (norma jurídica) utilizada para justificar a opressão racial durante boa parte da história, quando as normas jurídicas eram criadas por uma elite dominante que legitimava práticas discriminatórias contra os negros.

No entanto, o pós-positivismo jurídico, especialmente a partir da Teoria Crítica do Direito e da jurisprudência dos direitos humanos, traz a perspectiva de que o direito não pode ser dissociado da justiça social e da dignidade humana. O pós-positivismo admite que a norma jurídica deve ser interpretada para garantir a equidade, os direitos fundamentais e a igualdade material, além de considerar a história e o contexto social em que as leis são aplicadas. No caso do movimento negro e de Malcolm X, o pós-positivismo jurídico oferece um instrumento crítico para a interpretação das leis e das constituições de modo a desafiar a legitimidade de um sistema legal que manteve a discriminação racial por tanto tempo. Essa abordagem permite que as minorias possam reivindicar direitos com base na dignidade humana e na justiça material, em contraste com o positivismo, que poderia justificar leis injustas como válidas apenas por sua formalidade.

A aplicação do pós-positivismo implica que a luta por direitos civis e políticos, como a de Malcolm X, se baseia na ideia de que as leis precisam ser adaptadas e reinterpretadas para superar as desigualdades estruturais do sistema, reconhecendo que o direito não é apenas um conjunto de normas formais, mas um instrumento de transformação social, que deve atender às necessidades das minorias e garantir a efetividade da justiça.

A luta de Malcolm X não pode ser dissociada das questões de direitos civis e políticos, da reconstrução das instituições jurídicas e do desemparelhamento do Estado frente à opressão racial. A exigência de direitos civis e políticos pelas “minorias”, no caso dos negros, é uma necessidade política e constitucional que não se limita à simples reivindicação de igualdade formal, mas sim à transformação das estruturas de poder e ao reconhecimento da dignidade humana. O positivismo jurídico, ao defender a primazia da norma escrita, pode ser utilizado para justificar as práticas de exclusão e discriminação racial no passado, enquanto o pós-positivismo jurídico abre a possibilidade de uma interpretação mais inclusiva e justa das leis, permitindo que as minorias, como os negros, possam exigir seus direitos em um contexto de igualdade material e justiça social, rompendo com as heranças racistas e promovendo uma sociedade mais justa e equânime.

2.14. Maiêutica socrática e o pós-positivismo jurídico para questionar a decisão a favor do racismo

A. Decisão a favor do racismo: Plessy v. Ferguson (1896)

Na decisão do caso Plessy v. Ferguson, a Corte Suprema dos Estados Unidos decidiu, por 7 votos a 1, que a segregação racial era constitucional, desde que as instalações separadas para negros e brancos fossem “iguais”. O juiz Henry Brown, que escreveu a opinião majoritária, argumentou que a segregação não violava a 13ª emenda (que aboliu a escravidão) ou a 14ª emenda (que garantiu a igualdade perante a lei) porque a segregação não impunha uma condição de inferioridade legalmente estabelecida. Segundo a Corte, se as instalações para negros e brancos eram iguais em qualidade, não havia razão para considerá-las inconstitucionais. A decisão foi baseada na ideia de que a segregação não era uma forma de opressão, mas sim uma prática que refletia uma distinção social aceitável.

Essa decisão estabeleceu o princípio de “separados, mas iguais”, que permaneceu válido por mais de meio século, legalizando a segregação racial nas escolas, transportes, estabelecimentos públicos e muitas outras áreas da vida social, especialmente no Sul dos Estados Unidos. Embora a separação fosse permitida, o padrão imposto pela Corte ainda era o da igualdade formal, o que manteve a segregação e a desigualdade social.

B. Decisão contra o racismo: Desafios posteriores (Brown v. Board of Education, 1954)

A decisão de Plessy v. Ferguson foi finalmente derrubada em 1954 pela Corte Suprema no caso Brown v. Board of Education, que declarou a segregação nas escolas públicas, inconstitucional. A Corte concluiu que a segregação cria uma sensação de inferioridade entre as crianças negras, afetando o seu desenvolvimento educacional e psicológico. A decisão foi uma clara afirmação de que a igualdade material e não apenas a igualdade formal é necessária para a verdadeira justiça social.

A decisão de Brown v. Board of Education foi baseada em argumentos que iam além da simples análise da legalidade formal das leis, reconhecendo que os efeitos da segregação eram profundos e a igualdade substancial não poderia ser alcançada através da igualdade superficial imposta pelo “separados, mas iguais”.

2.15. Questionando a favor do racismo pela Maiêutica Socrática e o Pós-Positivismo Jurídico

A. Maiêutica Socrática

Se utilizarmos a maiêutica socrática para questionar a decisão a favor da segregação racial em Plessy v. Ferguson, podemos aplicar o método de questionamento profundo e reflexão, a fim de revelar a verdadeira natureza das ideias em jogo.

  • Questão inicial: A decisão de permitir a segregação racial sob a premissa de “separados, mas iguais” não violaria o princípio da igualdade? Se as instalações são separadas, como podemos garantir que realmente sejam iguais? E se a segregação promove uma sensação de inferioridade nas pessoas segregadas, não estamos negligenciando o impacto psicológico dessa divisão?

  • Reflexão adicional: Se as pessoas negras são forçadas a utilizar instalações de qualidade inferior, mesmo que legalmente sejam “iguais”, isso não caracteriza uma iniquidade material disfarçada de igualdade formal? Não deveríamos perguntar: qual é o efeito real dessa separação nas pessoas, em sua identidade e autoestima? E essa separação imposta não revela um preconceito fundamental sobre a igualdade humana?

A maiêutica socrática busca revelar que a igualdade formal não é suficiente para garantir justiça real. A segregação racial, apesar de ser justificada sob a ideia de “igualdade legal”, perpetua um sistema que não garante igualdade real, criando desigualdades substantivas que não podem ser ignoradas pela análise superficial da lei.

B. Pós-Positivismo Jurídico

O pós-positivismo jurídico, que enfoca a justiça material e a dignidade humana, também pode ser usado para questionar a decisão favorável à segregação racial. O pós-positivismo propõe que o direito não possa ser reducional a uma aplicação mecânica de normas; ele deve ser interpretado à luz de valores fundamentais, como a igualdade substancial e os direitos humanos. Nesse sentido, podemos criticar a decisão de Plessy v. Ferguson por falhar em considerar as implicações sociais e humanas da segregação.

  • Questão central: Mesmo que as leis de segregação sejam formalmente legais, elas violam os princípios fundamentais de igualdade substancial e dignidade humana. Como as normas jurídicas que perpetuam desigualdades estruturais podem ser justificadas em um sistema que afirma proteger a igualdade e os direitos humanos? A separação forçada de negros e brancos em escolas, por exemplo, não cria um efeito de inferioridade que impede a plena realização do potencial humano?

  • Reflexão crítica: O pós-positivismo nos permite ver que o direito não deve ser apenas uma aplicação mecânica de normas, mas deve considerar os efeitos concretos da lei nas pessoas e nas relações sociais. Nesse sentido, a ideia de que a segregação racial pode ser igual em qualidade, quando, na prática, ela resulta em desigualdades materiais claras, não pode ser aceita como justificada. O direito deve promover a equidade, e não simplesmente preservar a estrutura de dominação que favorece uma classe em detrimento de outra.

Ambas as abordagens, tanto a maiêutica socrática quanto o pós-positivismo jurídico, ajudam a desafiar a ideia de que a segregação pode ser legítima se as instalações forem “iguais”. A maiêutica socrática revela as falácias e as contradições implícitas nas ideias de igualdade superficial, e o pós-positivismo jurídico questiona a justiça material que a segregação efetivamente impede, argumentando que o direito deve sempre buscar a equidade substancial e o respeito à dignidade humana, algo que a decisão de Plessy v. Ferguson não levou em consideração adequadamente.

2.16. As virtudes de Sócrates

Sócrates, em sua crítica à sociedade ateniense, defendia uma busca pela verdade e pelo bem que fosse fundamentada nas virtudes morais e no conhecimento verdadeiro, em oposição às preocupações materiais, superficiais e efêmeras que marcavam a cultura de sua época.

Quando falamos que Sócrates se opunha às "preocupações materiais, superficiais e efêmeras que marcavam a cultura de sua época, estamos nos referindo ao modo de vida predominante em Atenas no século V a.C., que valorizava especialmente a busca por riquezas, prestígio social, poder político e a satisfação dos desejos sensoriais. Sócrates via essas preocupações como contrárias ao desenvolvimento moral e intelectual do indivíduo, pois eram voltadas para aspectos passageiros e externos, que não conduziam ao verdadeiro bem ou à felicidade duradoura. Vamos detalhar melhor cada um desses aspectos:

 2.17. Preocupações materiais

Na Atenas de Sócrates, havia uma ênfase muito grande na busca por riqueza, posses e o sucesso material. A elite da cidade estava focada em acumular bens, terras e dinheiro, e muitos cidadãos mediam seu valor e sua posição social com base nesses aspectos materiais. A vida era muitas vezes definida pela capacidade de adquirir recursos e de manter um status elevado, seja por meio do comércio, da política ou da conquista militar.

Sócrates via essa busca material como uma forma de superficialidade, pois acreditava que o verdadeiro bem não estava nas riquezas externas, mas na vida virtuosa e no cultivo da alma. Para ele, a riqueza material era efêmera e não conduzia à verdadeira felicidade, que só poderia ser alcançada por meio da sabedoria, da justiça e do autoconhecimento.

2.18. Preocupações superficiais

Quando falamos de “preocupações superficiais”, estamos nos referindo ao foco da sociedade ateniense nas aparências, no status e nas preocupações com o que os outros pensavam. Muitas pessoas em Atenas eram obcecadas pela honra pública, pela fama e pelas opiniões alheias, e buscavam essa validação externa por meio de prestígios políticos ou culturais. Esse comportamento, segundo Sócrates, era “superficial” porque não envolvia um exame profundo das verdadeiras questões da vida, como a busca pela virtude e pelo bem.

Sócrates via isso como um desvio do caminho verdadeiro, pois os valores superficiais que guiam as ações das pessoas podem levar a comportamentos egoístas e irresponsáveis, em vez de promover o bem coletivo e o bem-estar individual fundamentado na razão e na moralidade. Para ele, o caráter das pessoas deveria ser formado por uma avaliação interior, e não pela aparência externa.

2.19. Preocupações efêmeras

As “preocupações efêmeras” são aquelas que são passageiras, volúveis e não duram. Sócrates acreditava que muitos dos interesses da sociedade ateniense eram voltados para prazeres e conquistas que eram temporários e fugazes, como as riquezas, os prazeres sensoriais (como comida, sexo, bebida), ou as honras efêmeras conquistadas no campo político, ou militar. Ele via esses interesses como ilusórios, já que, embora possam trazer prazer imediato ou um certo status social, não levam ao crescimento espiritual ou à verdadeira felicidade.

Para Sócrates, a verdadeira felicidade não dependia de circunstâncias externas, mas sim do cultivo das virtudes internas, como a justiça, a coragem, a sabedoria e a moderação, que poderiam ser sustentadas ao longo da vida. Ele via a busca incessante por bens temporários como uma distração do que realmente importa — o aperfeiçoamento da alma e a busca pela verdade.

2.20. A Crítica de Sócrates

Em suas conversas e diálogos, Sócrates questionava constantemente as crenças e atitudes comuns de seus concidadãos. Ele acreditava que as pessoas eram levadas a acreditar que o sucesso material e a busca por prazer imediato eram o caminho para a felicidade, mas, na verdade, estavam se afastando do verdadeiro propósito da vida humana. Em vez de gastar energia em busca de riquezas e prestígios, Sócrates defendia que se deveria investir no cultivo das virtudes e do conhecimento. Para ele, só por meio da razão e da reflexão seria possível compreender o que é verdadeiramente bom e alcançar a verdadeira felicidade.

Por exemplo, em “A República”, Platão — discípulo de Sócrates — narra como o filósofo critica as pessoas que se preocupam apenas com os bens materiais e com o prazer, enquanto ignoram o cuidado com suas próprias almas. Sócrates argumentava que a felicidade verdadeira não está no prazer passageiro, mas na vida justa e virtuosa, que é eterna e imutável.

Portanto, ao falar em oposição às “preocupações materiais, superficiais e efêmeras”, Sócrates criticava uma sociedade que estava obcecada com o exterior (o status, a riqueza, o prazer) e negligenciava o interior (a virtude, o autoconhecimento, a moralidade). Ele acreditava que essa busca pelos prazeres e conquistas externas impedia as pessoas de refletirem sobre o que realmente importa — o desenvolvimento do caráter e a busca pela verdade. Para Sócrates, uma vida baseada em virtudes, racionalidade e reflexão profunda era o único caminho para alcançar a verdadeira felicidade e a realização humana.

2.22. Virtudes e Sócrates

Entre as principais virtudes que ele defendia, podemos destacar:

  1. Sabedoria (Sophia): Sócrates acreditava que a verdadeira sabedoria não era o conhecimento técnico ou especializado, mas a compreensão do que é realmente importante para a vida humana. Ele enfatizava a importância do autoconhecimento, exemplificado pela famosa máxima “Conhece-te a ti mesmo”. Para Sócrates, a sabedoria começava com a conscientização da própria ignorância e o constante esforço para aprimorar-se moral e intelectualmente.

  2. Virtude (Arete): Sócrates via a virtude como a qualidade central de uma vida boa. Ele acreditava que as virtudes — como a coragem, a temperança, a justiça e a sabedoria — eram inseparáveis e formavam o alicerce para uma vida moralmente correta. Para ele, a virtude não era nada dado, mas algo que se desenvolvia através do esforço constante e da reflexão crítica.

  3. Justiça (Dikaiosyne): Sócrates considerava a justiça como uma das virtudes mais importantes. Em suas discussões, ele enfatizava que a justiça verdadeira não deveria ser vista apenas em termos de regras externas ou acordos sociais, mas como um estado interno do indivíduo, que implica agir segundo a razão e o bem, e tratando os outros de maneira justa.

  4. Moderação (Sofrosyne): A moderação ou temperança era outra virtude central para Sócrates. Ele acreditava que a busca pelo prazer material ou a obsessão com a riqueza e o status eram formas de desvio, que impediam as pessoas de alcançarem a verdadeira felicidade. A moderação, por sua vez, é a capacidade de controlar os desejos e buscar o equilíbrio na vida.

  5. Coragem (Andreia): Embora frequentemente associada à bravura em batalhas, para Sócrates, a coragem era uma virtude que se manifestava também em ações morais. A verdadeira coragem não era a força física, mas a disposição para fazer o que é moralmente correto, mesmo diante da adversidade ou do medo.

Sócrates, ao criticar os valores de sua sociedade, especialmente em relação à busca incessante por poder, riqueza e status, argumentava que esses desejos eram superficiais e muitas vezes corrompiam a moralidade e a virtude. Ele via a Atenas de sua época como uma sociedade focada na busca de honras externas e prazeres materiais, em detrimento do cultivo das virtudes internas, que ele considerava essenciais para uma vida plena e verdadeira. Portanto, enquanto a sociedade ateniense estava imersa em valores materialistas e em uma vida voltada para o prazer e a conquista, Sócrates propunha uma vida focada na reflexão, na sabedoria, no autoconhecimento e na busca contínua pela virtude.

Para Sócrates, “justiça” não era apenas uma questão de leis ou normas sociais, mas algo profundamente relacionado à harmonia da alma e à realização das virtudes. Ele acreditava que a justiça verdadeira era a prática da virtude em todas as esferas da vida, tanto no indivíduo quanto na cidade. Em seus diálogos, ele defendia a ideia de que, para uma sociedade ser justa, cada indivíduo deveria cumprir sua função de acordo com suas habilidades, e a justiça seria alcançada quando as pessoas se comportassem segundo a razão e o bem comum. Um exemplo clássico de sua interação sobre justiça ocorre no “Diálogo de Sócrates com Polemarco”, onde Polemarco, influenciado pelas ideias tradicionais de justiça, argumenta que justiça é “dar a cada um o que lhe é devido”. Sócrates desafia essa definição, questionando o que exatamente é devido a alguém e se, por exemplo, fazer o mal a um inimigo poderia ser considerado justo. Sócrates, ao usar a maiêutica, guia Polemarco a perceber que a verdadeira justiça não é apenas retribuição ou vingança, mas algo que busca o bem comum e a harmonia da alma. Esse diálogo ilustra a diferença fundamental entre a visão convencional de justiça, focada na retribuição, e a concepção filosófica socrática, que visa a virtude e o bem coletivo.

Platão, em sua obra “A República”, defendia a ideia de uma sociedade dividida em classes, cada uma com uma função específica, mas promovendo também a igualdade intelectual entre homens e mulheres, uma ideia revolucionária para a época. A partir da filosofia grega, o pensamento ocidental começou a moldar noções de justiça, igualdade e poder, que serviriam de base para futuras discussões sobre governança e organização social.

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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