Direito para Todos: Um Manual Claro e Objetivo

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3. Platão

Platão foi um dos filósofos mais influentes da Antiguidade e, através de suas obras, forneceu uma reflexão profunda sobre a política, a justiça, a virtude e o papel da sociedade. Seus valores para a sociedade e a organização do Estado podem ser entendidos principalmente através de sua obra mais famosa, “A República”, onde ele expõe sua visão sobre uma sociedade justa e como ela deve ser estruturada. A questão de saber se Platão vivia ou não numa democracia, e como seus valores podem ser aplicados nas democracias modernas, envolve uma análise complexa de suas ideias e do contexto histórico em que ele vivia.

3.1. Valores Platônicos para a Sociedade

Platão defendia uma sociedade organizada de maneira que cada indivíduo cumprisse a sua função com base nas suas capacidades naturais e habilidades. Para ele, a justiça na sociedade não era apenas uma questão de igualdade formal ou de distribuição de bens, mas sim a realização do bem comum, com cada classe social cumprindo seu papel.

Nos tempos de Platão, a sociedade grega era altamente hierárquica, com a escravidão e a exclusão de mulheres e estrangeiros sendo práticas comuns. A ideia de uma sociedade estratificada e de pessoas limitadas ao cumprimento de uma função específica, com base no seu nascimento e natureza (como Platão sugeria), seria amplamente inaceitável hoje, especialmente à luz da evolução das ideias sobre dignidade humana e igualdade.

Em comparação com Sócrates. Embora Sócrates tenha sido crítico da democracia ateniense e visse a sabedoria filosófica como essencial para a governança, suas ideias podem ser aplicadas no século XXI no sentido de fortalecer a democracia e os direitos humanos por meio da educação, do questionamento crítico e da participação consciente. Sócrates nos ensina que a verdadeira liberdade e justiça em uma sociedade só podem ser alcançadas quando os cidadãos podem pensar por si, de refletir sobre o que é verdadeiro e bom, e de agir para o bem coletivo. Isso é perfeitamente compatível com as democracias modernas, onde a educação e o pensamento crítico filosófico são fundamentais para garantir uma verdadeira sociedade justa e igualitária.

3.2. A Justiça como Harmonia

Platão entendia a justiça como a harmonia das diferentes partes da sociedade. Ele propôs uma divisão tripartite da sociedade, baseada na divisão das funções humanas. Para ele, a justiça seria alcançada quando cada grupo desempenhasse seu papel de acordo com suas capacidades naturais:

  1. Governantes (Filosofos-Reis): Aqueles com sabedoria e razão deveriam governar. Platão acreditava que os filósofos, por terem o conhecimento da Verdade e da Justiça, eram os mais capacitados para tomar decisões em benefício da sociedade na totalidade. Eles seriam os líderes visionários, que guiariam o Estado conforme os princípios da sabedoria e da virtude.

  2. Guardas (Guerreiros): Aqueles com coragem e espírito guerreiro, ou seja, a classe militar, deveriam proteger o Estado e garantir a segurança da sociedade.

  3. Produtores (Trabalhadores e Comerciantes): A classe dos trabalhadores, formada pelos agricultores, artesãos, comerciantes e outros, seria responsável por produzir os bens e serviços necessários para o bem-estar da sociedade. Platão via esses indivíduos como importantes, pois seu trabalho sustentaria a economia do Estado.

Cada classe deveria cumprir suas responsabilidades e não intervir nas funções das outras classes. A justiça seria, portanto, a harmonia entre essas partes, com todos contribuindo para o bem comum de acordo com sua posição.

A visão de Platão sobre a organização social, em que a justiça é alcançada quando cada indivíduo cumpre seu papel conforme suas capacidades naturais e habilidades, estabelece uma sociedade estratificada, onde o bem comum é o objetivo final. Ele acreditava que as diferentes classes sociais, compostas por governantes (filósofos-reis), soldados (guardas) e produtores (trabalhadores), deveriam agir conforme sua natureza e virtudes, promovendo a harmonia na sociedade. Essa concepção de justiça, que se baseia na adequação das funções sociais à natureza do indivíduo, não é facilmente compatível com as ideias de igualdade formal e liberdade individual que fundamentam as democracias contemporâneas. No entanto, podemos analisar como essa visão poderia ser interpretada e aplicada no século XXI, especialmente à luz das teorias éticas e políticas contemporâneas, como o utilitarismo e o liberalismo.

3.3. Platão e a Organização Social

Platão acreditava que a sociedade seria justa quando cada pessoa realizasse a função para a qual estava mais bem preparada, seja por suas capacidades intelectuais (governantes), coragem (soldados) ou habilidades práticas (produtores). Para ele, a justiça não era a distribuição equitativa de bens ou direitos, mas sim a ordem natural, onde cada um fizesse o que era mais adequado ao seu ser. Em sua obra "A República", ele descreve uma sociedade onde a justiça se dá quando as três classes funcionam em harmonia, sem interferir no papel das outras.

3.4. Analisando Platão à Luz do Utilitarismo

O utilitarismo, defendido por filósofos como Jeremy Bentham e John Stuart Mill, é uma teoria ética que propõe que a ação moralmente correta é aquela que maximiza a felicidade ou o bem-estar geral da sociedade. A ideia central do utilitarismo é buscar a maior felicidade para o maior número de pessoas.

3.5. Compatibilidade com a Visão Platônica

Aplicando o utilitarismo à visão de Platão, podemos encontrar algumas áreas de compatibilidade e outras de conflito. Em termos de bem comum, a ideia de Platão de que cada indivíduo cumpre a função para a qual está mais capacitado pode ser vista como uma maneira de maximizar a eficiência social e, portanto, promover o bem-estar coletivo. A justiça, então, seria alcançada quando a sociedade funcionasse de maneira harmônica, com as diferentes classes contribuindo de maneira adequada ao seu papel, o que poderia, em teoria, maximizar o bem-estar de todos.

No entanto, o utilitarismo moderno valoriza a liberdade individual e o bem-estar subjetivo das pessoas, entrando em conflito com a concepção de Platão, que prescreve funções sociais fixas com base nas capacidades naturais. O utilitarismo se preocupa mais com a qualidade de vida e a felicidade das pessoas, independentemente de suas funções sociais, enquanto Platão se preocupa com a harmonia social como um objetivo moral. O utilitarismo permitiria mais flexibilidade na mobilidade social e na autodeterminação do indivíduo, algo que não é contemplado na visão platônica, que restringe as escolhas individuais a um papel predefinido.

3.6. O Desafio da Liberdade

No século XXI, onde os direitos humanos são fundamentais e a liberdade individual é um valor central, a visão estratificada e predeterminada de Platão pode ser vista como uma limitação à autonomia individual. O utilitarismo, ao enfatizar o bem-estar geral, poderia apoiar políticas que incentivassem a educação e mobilidade social, permitindo que as pessoas escolham seus papéis na sociedade de acordo com seus interesses e habilidades, sem serem limitadas por uma ordem social rígida.

3.7. Analisando Platão à Luz do Liberalismo

O liberalismo, especialmente em suas vertentes modernas, defende a liberdade individual, a igualdade de direitos e a autonomia pessoal. Pensadores como John Locke e Immanuel Kant estabeleceram que as sociedades justas são aquelas em que as pessoas têm a liberdade de seguir suas próprias escolhas, desde que não prejudiquem os direitos dos outros. O liberalismo promove a ideia de que as pessoas devem ser tratadas como indivíduos autônomos, livres para definir seus próprios destinos.

3.8. Conflito com a Visão Platônica

A ideia de Platão de uma sociedade organizada de maneira hierárquica e com papéis predefinidos para os indivíduos entra em grande conflito com os valores liberais de igualdade e liberdade individual. O liberalismo defende que cada pessoa deve ter a liberdade de escolher sua própria ocupação e sua identidade social, sem ser limitada por uma ordem natural ou por uma classe social à qual tenha sido atribuída. Platão, ao sugerir que as pessoas devem desempenhar papéis determinados pelas suas capacidades naturais, nega a ideia de que cada indivíduo deve ter a liberdade de perseguir seus próprios interesses, o que é um princípio central do liberalismo.

3.9. A Importância da Igualdade de Oportunidades

No século XXI, as democracias liberais enfatizam a igualdade de oportunidades como uma das bases para garantir que todos os cidadãos tenham acesso aos mesmos direitos e oportunidades, independentemente de sua origem ou status social. A visão de Platão de uma sociedade rigidamente estratificada vai contra essa ideia, por limitar as opções de vida dos indivíduos com base em uma ordem natural que os classifica em diferentes funções. O liberalismo moderno defende uma sociedade onde as pessoas possam escolher livremente seu papel, com a única limitação sendo o respeito pelos direitos dos outros.

3.10. Princípios de Justiça e Liberdade

Embora Platão fosse a favor de uma justiça que promovesse o bem comum, sua definição de justiça é centrada na ordem e harmonia social, e não na liberdade individual. O liberalismo, por outro lado, coloca a liberdade e a igualdade de direitos como princípios fundamentais da justiça. Em uma sociedade liberal, cada indivíduo tem o direito de autodeterminar-se e escolher sua trajetória de vida, o que é contraditório com a visão platônica de uma sociedade onde as funções sociais são atribuídas por natureza.

A ideia de Platão sobre uma sociedade estruturada de acordo com as capacidades naturais dos indivíduos e com cada classe cumprindo seu papel é difícil de aplicar diretamente nas democracias contemporâneas, onde os direitos humanos e os princípios de igualdade e liberdade individual são fundamentais. Tanto o utilitarismo quanto o liberalismo oferecem uma perspectiva que favorece maior flexibilidade e liberdade para os indivíduos, contrastando com a visão platônica de uma sociedade estratificada e rigidamente ordenada.

  • Utilitarismo: Embora a ênfase no bem comum de Platão possa encontrar algum eco na busca do bem-estar geral, o utilitarismo defende que as pessoas devem ter a liberdade de escolha e que a mobilidade social e a autonomia são essenciais para alcançar o bem-estar coletivo.

  • Liberalismo: A ideia de Platão de funções sociais fixas entra em conflito com os valores liberais de igualdade de direitos e liberdade de escolha, centrais para as democracias modernas.

Em última análise, as visões contemporâneas de justiça e direitos humanos tendem a promover uma sociedade mais fluida e igualitária, onde os indivíduos não são definidos ou limitados pelas suas capacidades naturais, ou por uma classe social predeterminada, mas podem escolher livremente seu caminho na vida.

3.11. A Virtude e a Educação

Platão também acreditava que a virtude era fundamental para o bem-estar da sociedade. A educação desempenharia um papel central, pois deveria ser voltada para o desenvolvimento da razão e da moralidade, a fim de formar governantes sábios, cidadãos virtuosos e uma sociedade harmônica.

3.12. A Teoria das Ideias

Platão tinha uma visão transcendental da realidade, acreditando que o mundo sensível (aquele que percebemos com os sentidos) era apenas uma cópia imperfeita do mundo das Ideias ou Formas (realidade eterna e imutável). Para ele, a sabedoria e a justiça só podiam ser alcançadas quando as pessoas buscassem compreender as Ideias, ou seja, os princípios universais e imutáveis da realidade.

3.14. Platão Vivendo em uma Democracia?

Platão viveu em Atenas, uma cidade-estado grega que era famosa por ser uma democracia direta no período em que ele nasceu (aproximadamente 428 a.C.). Na democracia ateniense, todos os cidadãos livres (homens adultos, nativos de Atenas) podiam participar diretamente das decisões políticas por meio da Assembleia e de outros órgãos representativos, como o Conselho dos 500.

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Entretanto, Platão foi um crítico feroz da democracia ateniense, especialmente após a Execução de Sócrates (399 a.C.), que ele considerou um exemplo do fracasso da democracia. Sócrates, seu mestre, foi condenado à morte por um tribunal popular, e Platão interpretou isso como uma falha moral e racional da democracia, onde a vontade da maioria prevalecia sem uma verdadeira reflexão racional e filosófica sobre o que seria melhor para a cidade. Platão acreditava que a democracia estava sujeita à demagogia e ao populismo, onde os governantes eram eleitos pela popularidade, não pela sabedoria.

3.15. Platão e a Democracia Moderna

As ideias de Platão sobre a organização social e política têm implicações profundas para as democracias modernas, embora, à primeira vista, elas pareçam ser muito distantes da ideia de democracia representativa. Alguns pontos de reflexão sobre a aplicabilidade de suas ideias nas democracias modernas são:

3.16. Crítica à Democracia

Platão criticava as democracias do seu tempo pela falta de conhecimento e virtude nas decisões políticas. Ele acreditava que a vontade popular, quando deixada sem controle, podia levar ao caos e à corrupção, como se viu na decadência de Atenas, a cidade que ele amava. Platão acreditava que a sabedoria e o conhecimento deviam ser as bases do governo, o que sugeria uma aristocracia filosófica, ou seja, um governo de filósofos-reis que tomariam decisões com base na razão e no conhecimento superior.

Nas democracias modernas, vemos um sistema que tenta equilibrar a participação popular com a representatividade e a garantia de direitos humanos. Platão provavelmente questionaria se a participação de pessoas sem a devida educação e sabedoria poderia realmente garantir o melhor governo. Ele poderia argumentar que, sem uma formação adequada, as pessoas poderiam ser manipuladas por discursos populistas e tomar decisões que prejudicassem o bem comum.

3.17. A Educação como Pilar Fundamental

Platão via a educação como a chave para uma sociedade justa e virtuosa. No contexto das democracias modernas, esse valor platônico continua a ser fundamental. Ele acreditava que uma verdadeira educação filosófica poderia levar os indivíduos a um entendimento mais profundo da justiça, da virtude e da verdade. Em uma democracia moderna, isso poderia se traduzir em investimentos em educação de qualidade, cidadania ativa e em formação ética para cidadãos, para garantir que as escolhas políticas sejam mais racionais e menos impulsivas.

3.18. A Representação das Minorias

Platão também via a necessidade de uma classe governante especializada e sabia que a sabedoria não estava necessariamente na maioria. Nas democracias modernas, essa noção pode ser vista nas representações parlamentares e no sistema de checks and balances, onde as decisões da maioria devem ser equilibradas e ponderadas pelas instituições independentes (como o judiciário, por exemplo). Platão talvez se preocupasse com a tendência ao populismo e o governo por interesses egoístas, algo que ele via como destrutivo para a sociedade. Nesse sentido, as democracias modernas poderiam ser vistas como um esforço para balancear a vontade popular com mecanismos de controle e valores constitucionais.

Platão não vivia em uma democracia moderna como conhecemos hoje, mas ele foi, de fato, um crítico da democracia direta praticada em Atenas. Suas ideias sobre justiça, educação, virtude e a natureza do governo podem ser interpretadas como um chamado para um governo mais racional, mais sábio e mais justo, baseado na sabedoria filosófica e no bem comum. Mesmo assim, alguns de seus valores podem ser aplicados nas democracias modernas, especialmente no que diz respeito à importância da educação, à formação ética dos cidadãos e à necessidade de um governo responsável que atue pelo bem coletivo, além de ponderar a limitação do poder popular quando as escolhas populares são baseadas em interesses egoístas ou ignorância.

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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