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Anistia: afinal, do que se trata?

28/03/2025 às 19:58

Resumo:


  • Anistia é um instituto político antigo que visa promover o esquecimento de crimes ou ofensas cometidos, permitindo a restauração da sociedade sem a imposição de castigos.

  • A anistia foi concedida em diferentes momentos da história, como na Grécia antiga, no Brasil durante o Regime Militar e na Alemanha pós-2ª Guerra Mundial, como forma de apaziguar conflitos e permitir recomeços.

  • A concessão de anistia deve ser cuidadosa e justa, buscando promover o apaziguamento social sem desvirtuar a ideia de justiça, sendo essencial para a regeneração de uma sociedade após períodos conturbados.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A anistia é instrumento histórico de apaziguamento social e reinício democrático após conflitos internos. Pode-se apagar crimes sem comprometer a justiça e a memória coletiva?

Resumo: No Brasil, quando se fala em anistia, automaticamente somos levados a pensar naquela concedida aos envolvidos, direta ou indiretamente, nos eventos havidos no período do Regime Militar, anterior ao início da reabertura política. Veremos neste trabalho, porém, que aquela não foi a única e nem a primeira vez que anistia foi concedida no Brasil. Veremos também que não apenas em nosso país, mas no mundo todo, inclusive em períodos longínquos, nações fizeram uso da anistia como forma de apaziguamento social. Por fim, buscaremos entender os motivos que justificam seu uso, a fim de que argumentos falaciosos não desvirtuem esse precioso instituto das democracias.

Palavras-chave: Anistia, Democracia, Ditadura, Escuso, Regime.


INTRODUÇÃO

Viver em sociedade é sinônimo de exercer a tolerância diariamente, especialmente sob o regime democrático. A convivência com pensamentos e ideologias antagônicas pode representar um desafio, tanto na seara pessoal de cada indivíduo, quanto na seara dos debates coletivos, sobretudo na política. Esse exercício pode representar uma verdadeira prova de fogo para as sociedades, de modo apenas as que conseguem promover debates de ideias divergentes e, por vezes, diametralmente opostas, terminam por se sagrarem como democracias consolidadas, afinal, a convivência harmônica entre os diferentes constitui a democracia.

Entretanto, quando os ânimos se acirram em demasia e certos grupos se insurgem, de modo a se disporem a romper com o diálogo, tornando impossível qualquer tentativa de buscar um denominador comum para suas contendas, medidas extremadas podem ser tomadas, levando a conflitos internos ou à revoltas intestinas que corroem a sociedade.

Conflitos dessa natureza nunca produzem vencedores, somente perdedores, uma vez que o que está em jogo não são pessoas em posições de poder contra outras sob o jugo dos primeiros, mas sim ideias ou doutrinas, e essas não podem ser exterminadas. Neste sentido profetizou a militante francesa Louise Michel:

Não podemos matar as ideias a tiros de canhão nem tampouco algemá-las. O fim apressa-se tanto mais quanto o verdadeiro ideal surge, belo e poderoso, superior a todas as ficções que o precederam (MENDES, pag. 88, 2011).

Nota-se que do conceito de imortalidade das ideias e doutrinas proposta por Michel e confirmada pela história humana surge um problema insolúvel, mas que ainda precisa ser tratado de algum modo: como se elimina o que não pode ser eliminado?

Pois bem, essa foi e tem sido uma questão enfrentada por soberanos de outrora e também por governos e juristas da atualidade, pois sempre que períodos conturbados findam ou chegam a um ponto de estagnação do qual nenhum dos lados avançam nem recuam, é preciso uma forma de apaziguamento que, mesmo sem destruir as convicções, pois seria impossível fazê-lo, possa ao menos criar um ambiente no qual tais convicções consigam se tolerar.

Partindo desse ponto de inflexão, ou seja, da mais absoluta ausência de vitórias e do acúmulo de derrotas que emergem quando ideias contrárias se enfrentam no seio de uma nação, ou quando colocam nações umas contra as outras, antes que seja tarde demais, torna-se exigível a tomada de providência no campo legal que possa tornar a reconstrução possível. Assim passaremos a analisar no que consiste a ideia de anistia, algumas aplicações dela feitas no Brasil e também no mundo, em diferentes períodos e em cenários diversos.


ESQUECER PARA PROSSEGUIR

Para entender no que, de fato, consiste a anistia, é preciso que busquemos sua origem etimológica. Como muitas outras palavras de nossa língua, anistia tem origem grega e deriva de amnésia. Ambas, por suas vezes, derivam da palavra grega amnestía, que significa esquecimento.

O uso mais antigo de que se tem conhecimento de seu uso como instituto político remonta à 594 a.C., quando Sólon a concedeu aos cidadãos perseguidos pelos regimes tirânicos anteriores, exceto aos que haviam sido condenados por traição ou homicídio. Também da Grécia vem outro exemplo de aplicação desse instituto, tratando-se do episódio que entrou para a história como a deposição dos Trinta:

Nesse caso, a principal medida adotada contra a lembrança dos Trinta, é o decreto de 403 a. C., citado indiretamente pela Constituição dos Atenienses e direta e novamente por Andócides bem como por Xenofonte. O decreto anistia todos os cidadãos atenienses, com exceção dos próprios oligarcas, fazendo referência aos Trinta, que formam a comissão em Atenas, aos Dez, que a montam em Elêusis, e aos Onze magistrados encarregados de prisões e de penas capitais aos inimigos. Em resumo, com exceção daqueles que haviam de fato sujado as mãos no golpe oligárquico de 404 a. C., o decreto do ano seguinte busca estabelecer a anistia para todos, fazendo um duplo apelo ao esquecimento (COSTA, pag. 146, 2017).

Os gregos, no entanto, como era costume fazê-lo em diversos campos de suas vidas, inspiraram-se, também para isso, em suas mitologias, de modo que em uma de suas muitas lendas, após uma contenda havida entre duas deidades, houve a necessidade de que fosse promovido o esquecimento das ofensas para que a paz voltasse a reinar, ocasião em que uma nova divindade acabou sendo incorporada ao vasto panteão grego:

É Plutarco quem faz a associação entre a anistia de 403 a. C. e outros esquecimentos da história ateniense. O autor narra que, certa feita, tendo ocorrido uma querela entre a deusa Atena e o deus Posêidon pelo domínio da pólis, a deusa sai vitoriosa da disputa. Posêidon, porém, a despeito da derrota, vai reconciliarse com a cidade, suportando o resultado do embate com leveza, sem se lembrar dos males, sem guardar rancor. Além disso, para que a reconciliação aconteça de fato, ergue-se ainda um altar para a deusa do Esquecimento, Léte, e se esquece, arbitrariamente, da data da disputa, suprimindo-a do calendário (COSTA, pag. 147/148, 2017).

Pois bem, do que vimos até aqui, podemos depreender que anistia consiste em algo muito mais abrangente que o mero ato de perdoar ou relevar crimes ou ofensas cometidos, mas sim de varrê-los da história, como se jamais tivessem ocorrido. O efeito esperado é que a sociedade se restaure sem que haja a necessidade de impor castigos, pois que sendo um ato que atinge os envolvidos bilateralmente, sua instituição encerra a premissa de que tanto ofendidos como ofensores agiram: os primeiros em defesa de seus direitos básicos, contra leis injustas e regimes tirânicos; ao passo que os outros agiram sob a égide das leis vigentes a seu tempo e não por vontade própria.

Nesta senda, porem, a anistia nem sempre se afigurará moralmente justa se aplicada de maneira ampla e irrestrita. O exemplo dos Trinta citados acima, que não foram alcançados pelo decreto ateniense, por terem sido, eles próprios, os arquitetos da tentativa de golpe contra o Estado que, se bem sucedido, os beneficiaria sobremaneira, bem retrata que nem sempre será possível uma anistia total. Portanto, em circunstâncias análogas, não há que se falar em agir por obediência a ordens ou como meros cumpridores das leis vigentes, pois que sendo idealizadores, agem sob suas próprias regras, com o fim único de tomar o poder e dele se beneficiarem.


RECOMEÇOS E TROPEÇOS

No Brasil e no mundo o instituto da anistia vem sendo usado sempre que conflitos, revoluções ou sublevações se acham em fases minguantes e o apaziguamento entre os opositores em contenta se afigura como a única via elegível para que as nações e povos possam recomeçar, sendo, para isso, necessário promover o esquecimento, ainda que este seja apenas galvanizado por normas jurídicas impositivas, uma vez que das memórias dos que participaram ativamente de eventos dessa natureza, não há engenhos jurídicos capazes de remover, constituindo-se uma marca indelével no indivíduo.

Começando pelo Brasil, frisa-se que, apesar de bastante conhecida, a anistia concedida ao final do Regime Militar, referente aos crimes políticos ou relacionados a eles, cometidos entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, quando, enfim, teve início a reabertura política, aquela não foi a primeira e tampouco a única promovida em solo nacional. Na jovem república já grassavam sublevações que tinham como combustíveis descontentamentos de todo tipo, sendo daquele período o registro mais antigo da aplicação na anistia no Brasil:

O primeiro caso diz respeito à prisão e reforma de militares que assinaram um manifesto em 1892 com críticas ao governo de Floriano Peixoto e defenderam novas eleições para presidente. Em resposta, Floriano decretou o estado de sítio, suspendeu o Congresso, prendeu e reformou os militares envolvidos. No mesmo ano, o Congresso aprovou um decreto concedendo anistia aos militares, mas sem possibilitar o retorno ao serviço ativo das Forças Armadas (MARQUES, pag. 284, 2022).

Naquela ocasião, em 31 de março de 1892, treze generais assinam um documento contestando o governo do então Presidente Floriano Peixoto, que assumiu após a renúncia de Deodoro da Fonseca. No documento publicado dias depois, os militares exigiam novas eleições para Presidência da República. Após o estado de sítio decretado por Floriano, que resultou em prisões e reformas dos envolvidos, em agosto do mesmo ano decretou-se suas anistias.

Dentre outros episódios nacionais, destaca-se a anistia que se operou em torno a Revolta da Chibata (1910). Na ocasião, Marinheiros liderados por João Cândido Felisberto, após tentativas pacíficas, contudo, frustradas de abolir castigos físicos, que ainda eram impostos a eles pelos Oficiais como forma de correção por faltas disciplinares, tomaram o Encouraçado São Paulo, fazendo reféns os Oficiais. Os motivos do levante e as exigências para o fim do motim constaram de um emocionante e revelador fac-símile datado de 22 de novembro de 1910, enviado de bordo e endereçado a Hermes da Fonseca, à época, Presidente da República:

Achando-se todos os navios em nosso poder, tendo a seu bordo prisioneiros todos os oficiais, os quais, tem sido os causadores da Marinha Brasileira não ser grandiosa, porque durante vinte anos de República ainda não foi bastante para tratar-nos como cidadãos fardados em defesa da Pátria, mandamos esta honrada mensagem para que V. Excia. Faça aos Marinheiros Brasileiros possuirmos os direitos sagrados que as leis da República nos faculta, acabando com a desordem e nos dando outros gozos que venham engrandecer a Marinha Brasileira; bem assim como: retirar os oficiais incompetentes e indignos de servir a Nação Brasileira. Reformar o Código Imoral e Vergonhoso que nos rege, a fim de que desapareça a chibata, o bolo, e outros castigos semelhantes; aumentar o nosso soldo pelos últimos planos do ilustre Senador José Carlos de Carvalho, educar os marinheiros que não tem competência para vestir a orgulhosa farda, mandar pôr em vigor a tabela de serviço diário, que a acompanha (AQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO).

Dois dias depois, em 24 de novembro, o Senado aprovou a anistia para os Marinheiros envolvidos, de modo que em 27 de novembro, os Marinheiros liderados de João Cândido, entregaram os navios amotinados para o comando da Marinha.

Infelizmente, apesar da mais do que justa anistia concedida aos revoltosos naquele momento, além da aprovação de uma lei que bania os castigos físicos na Marinha do Brasil, João Cândido viria a sofrer outras agruras, tendo sido aprisionado com outros companheiros na Ilha das Cobras, sob a alegação de incitar outros levantes. Lá, viu perecer alguns de seus pares, tendo sido internado com traumas mentais devido aos maus tratos sofridos naquele cárcere. Ele faleceu no Rio de Janeiro, em 06 de dezembro de 1969, aos 89 anos, mas um ano antes, em entrevista ao Museu da Imagem e do Som, deu seu testemunho público acerca dos motivos do levante de 1910:

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Nós que vínhamos da Europa, em contato com outras marinhas, não podíamos admitir que na Marinha Brasileira ainda o homem tirasse a camisa para ser chibateado por outro homem (CHRISPINO).

João Cândido viria a ser injustiçado também postumamente; desta vez, pela censura do Regime Militar. Cinco anos após sua morte, em 1974, os compositores João Bosco e Adir Blanc compuseram a música O Almirante Negro, em homenagem a João Cândido, que na letra era chamado de Marinheiro, num dos trechos, e de Almirante Negro, noutro. Todavia, como a gravação dependia da aprovação do regime, tanto o título quanto a letra tiveram que ser alteradas, tendo sido suprimidas palavras que faziam alusão direta à Maninha, além de ter sido gravada com o título de Mestre-Sala dos Mares, sendo eternizada na bela voz de Elis Regina.

Vejamos outro exemplo emblemático do uso da anistia como forma de reconstrução de uma sociedade, desta vez havida na Europa. Ao término da 2ª Guerra Mundial, em 1945, diversos militares alemães haviam desertado, quer por terem perdido a crença na vitória, que nitidamente parecia impossível com o avanço dos aliados, quer por repulsa ao regime de terror de Adolf Hitler que, àquela altura, colocara o povo alemão de joelhos. No ano de 2009, portanto, 64 anos após o fim do conflito, a Alemanha, finalmente, reabilitou (anistiou), cerca de dez mil militares até então considerados desertores. Um deles é Ludwig Baumann, que em 1942 decidiu que não mais tomaria parte no massacre que Adolf Hitler promovia na Europa. Desertou das fileiras, mas foi capturado e terminou condenado:

Baumann reconhece que muitos desertores de fato passaram informações fundamentais para os americanos e para o Kremlin. O objetivo, porém, não era "a morte de nossos companheiros", mas a conscientização de que "era preciso acabar com o massacre". Sobre o motivo de sua deserção, Baumann afirma que fugiu só para não morrer. Ele nunca concordou com o que acontecia no campo de batalha. Ele se preocupava com o destino das famílias dos lugares que eram invadidos pelas tropas alemãs (CRUZ, 2018).

Apesar não se tratar da concessão de uma anistia, no sentido jurídico do termo, convém trazer à baila neste trabalho outro exemplo vindo da Alemanha e que também se relaciona com a pessoa de Adolf Hitler. Dez anos antes se chegar ao poder pelas urnas naquele país, Hitler tentara tomá-lo pela força, no episódio que ficou conhecido como o Putsch da Cervejaria. Na noite de 8 para 9 de novembro de 1923, Hitler e outros membros do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemão (NSDAP), ou, simplesmente, Partido Nazista, lançaram-se numa tresloucada tentativa de golpe de Estado, que terminou malfadado, tendo sido sufocado pelas forças policiais bávaras, com mortes de ambos os lados.

Preso, em 1924 foi levado a julgamento, que se converteu num verdadeiro espetáculo público, promovido pelo próprio Hitler e por seus correligionários. O resultado de sua oratória articulada somada aos clamores de seus apoiadores foi que ele recebeu uma pena que, para a gravidade dos crimes cometidos, que incluíam tentativa de golpe de Estado, sequestros de opositores políticos e homicídios, foi considerada muito aquém da que deveria ter sido imposta:

Em termos jurídicos, a sentença era nada menos que escandalosa. Nenhuma menção era feita no veredicto aos quatro policiais mortos pelos golpistas; desconsiderava-se totalmente o roubo de 14605 bilhões de marcos papel (o equivalente a cerca de 28 mil marcos ouro); a destruição da sede do jornal Münchener Post, do SPD, e a tomada de vários conselheiros municipais social-democratas como reféns não eram imputadas a Hitler; e não havia uma palavra sobre o texto de uma nova Constituição, encontrado no bolso do golpista morto Von der Pfordten. A sentença tampouco fazia referência ao fato de que Hitler ainda estava no período condicional por bom comporta-mento, imposto pela sentença por perturbação da ordem pública em janeiro de 1922. Legalmente, ele não tinha direito a novo sursis (KERSHAW, pág. 168/169, 2008).

Como se pode depreender do trecho acima, retirado da extensa e brilhante obra de Ian Kershaw, intitulada simplesmente de Hitler, notamos que, apesar de não ter sido, em termos legais, anistiado, em termos práticos foi como se tivesse sido, pois que, da detida leitura da obra, verificamos que o futuro ditador permanecera apenas nove meses preso, porem, em condições que mais equivaleram a um retiro num hotel, visto que ficou numa sala confortavelmente decorada e com o direito de receber visitas sem restrições. Foi exatamente nesse período que redigiu seu manifesto político, intitulado de Mein Kampf (Minha Luta), que mais tarde viria a se tornar a plataforma política do regime Nazista.


CONCLUSÃO

Do que foi analisado, podemos concluir que o esquecimento, ao menos legal, promovido pelo instituto da anistia tem, de fato, o poder de promover o apaziguamento social que a medida tem por finalidade levar a efeito.

Com base nos exemplos trazidos neste trabalho, podemos concluir outras coisas também, como, por exemplo, que a concessão de anistia deve encerrar em si não apenas a necessidade de apaziguamento social, mas também senso de justiça, exatamente para sua promoção, de modo que o mero verniz da legalidade ao ato de anistiar não basta, sendo preciso que tal medida seja também justa aos olhos dos povos.

Ninguém que tenha o mínimo senso de humanidade e determine suas ações com justa retidão ousa se levantar em desfavor de anistias concedidas à agentes de Estados que, obedecendo a ordens, à época, legais, tenham atuado, ainda que a mando de ditadores. Do mesmo modo que não se pode negar anistia àqueles se recusem a obedecer a ordens que, embora legais, sejam moralmente corrompidas, como no caso dos soldados alemães que desertaram das fileiras Nazistas durante a 2ª Guerra Mundial. Por fim, ninguém, em sã consciência, ousaria condenar a anistia conferida a João Cândido e aos seus companheiros por se rebelarem frente aos abusos físicos cometidos por seus superiores, ainda que fossem, à época, legalmente autorizados.

Por derradeiro, podemos concluir ainda que a concessão de anistia deve ser algo analisado de forma amiudada e cuidadosa, devendo-se, de plano, afastar clamores de alas diretamente interessadas e que se veriam beneficiadas com sua concessão. Esta herança grega deve ser sempre conferida em prol das nações e seu efeito deve ser como o de um adubo para um solo tornado estéril depois de uma queimada que o devastou, visando sua regeneração das cinzas. A história já nos deu mostra do que pode advir de anistias ou indulgências legais concedidas por clamores escusos de certas alas das sociedades, como no caso da Alemanha, que poupando Hitler de uma pena justa em 1924, condenou o mundo a um abismo de mortes sem precedentes. Portanto, em que pese seja uma ferramenta eficaz para a pacificação social, uma norma jurídica que vise anistiar não deve ser aprovada no afogadilho das emoções, afinal, como profetizou Thomas Jefferson aos seus compatriotas, o preço da liberdade é a eterna vigilância.


REFERÊNCIAS

A REVOLTA DA CHIBATA - As negociações e o desfecho da Revolta. Arquivo Público do Estado de São Paulo. Disponível em: https://www.arquivoestado.sp.gov.br/exposicao_chibata/as_negociacoes_e_o_desfecho_da_revolta.php. Acesso em: 21 mar. 2025;

BRASIL. Decreto nº 72-B, de 5 de agosto de 1892 - Concede amnistia aos cidadãos implicados nos acontecimentos políticos de 10 de abril do mesmo ano, bem como nas revoltas das fortalezas da Lage e Santa Cruz, ocorridas em janeiro de 1892. Disponível em https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-72-b-5-agosto-1892-540536-publicacaooriginal-40952-pl.html. Acesso em: 21 mar. 2025;

BRASIL. Decreto nº 2.280 de 25 de novembro de 1910 - Concede amnistia aos insurrectos de posse dos navios da Armada Nacional. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6683.htm. Acesso em: 21 mar. 2025;

CHRISPINO, Luiz Gustavo dos Santos. João Cândido, o Almirante Negro, um Herói Nacional! Disponível em: https://www.gov.br/palmares/pt-br/midias/arquivos/artigos-institucionais/artigo-50.pdf. Acesso em: 24 mar. 2025;

. COSTA, Lorena Lopes. O caso ateniense e a tarefa do historiador: corrigir a memória em contextos de golpe. Revista Diálogos Mediterrânicos, Número 13, 2018. Disponível em: https://www.dialogosmediterranicos.com.br/RevistaDM/article/view/274/291. Acesso em: 24 mar. 2025;

CRUZ, José Raimundo Gomes. Após 64anos Alemanha absolvia 10 mil soldados que traíram Hitler. Academia Paulista de Direito, 10/07/2018. Disponível em: https://apd.org.br/apos-64-anos-a-alemanha-absolvia-10-mil-soldados-que-trairam-hitler/. Acesso em: 24 mar. 2025;

KERSHAW, Ian. HITLER. Tradução de Pedro Maia Soares, Editora Companhia das Letras, 2008, ISBN 978-85-359-1758-1;

MARQUES, Raphael Peixoto de Paula; CABRAL, Rafael Lamera Giesta. Percursos da(s) anistia(s) no Regime Vargas (1930-1935): Da reabilitação política ao aproveitamento administrativo. Antíteses, [S. l.], v. 15, n. 29, p. 280–313, 2022. DOI: 10.5433/1984-3356.2022v15n29p280-313, Disponível em: https://ojs.uel.br/revistas/uel/index.php/antiteses/article/view/45384. Acesso em: 21 mar. 2025;

MENDES, S. C. Louise Michel e a Comuna de Paris (1871) - doi: 10.5216/hr.v16i2.18151. História Revista, Goiânia, v. 16, n. 2, p. 69–90, 2012. DOI: 10.5216/hr.v16i2.18151. Disponível em: https://revistas.ufg.br/historia/article/view/18151. Acesso em: 21 mar. 2025;


Amnesty: What is it all about?

Abstract: In Brazil, when we talk about amnesty, we are automatically led to think of the amnesty granted to those directly or indirectly involved in the events that occurred during the Military Regime, before the beginning of the political reopening. We will see in this work, however, that this was not the only nor the first time that amnesty was granted in Brazil. We will also see that not only in our country, but throughout the world, including in distant times, nations have used amnesty as a form of social appeasement. Finally, we will seek to understand the reasons that justify its use, so that fallacious arguments do not distort this precious institution of democracies.

Key words : Amnesty, Democracy, Dictatorship, Shady, Regime.

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Sobre o autor
Roanderson Rodrigues Coró

Subtenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo; Possui Curso Superior de Tecnólogo de Polícia Ostensiva e Preservação da Ordem Pública Il pela Escola Superior de Sargentos (ESSgt); Bacharel em Direito pela União das Instituições Educacionais do Estado de São Paulo (UNIESP); Pós Graduado em Direito Penal pela Faculdade Venda Nova do Imigrante (FAVENI); Curso de Capacitação em Ação Penal pela Faculdade Venda Nova do Imigrante (FAVENI); Curso de Investigação Criminal pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP); Curso de Capacitação em Ciências Forenses e seus Avanços para a Persecução Penal pela Escola Paulista da Magistratura (EPM); Curso de Extensão Filosofia: Principais Pensadores e Fundamentos pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORÓ, Roanderson Rodrigues. Anistia: afinal, do que se trata?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7940, 28 mar. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113341. Acesso em: 1 abr. 2025.

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