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O uso da máquina pública e a venda de sonhos

03/04/2025 às 08:16

Resumo:


  • A análise aborda a conduta de gestores públicos que utilizam cargos para benefício pessoal, violando a Lei de Improbidade Administrativa.

  • São apresentados três modelos de administração pública: Patrimonialista, Burocrático e Gerencial, destacando a evolução histórica e seus impactos.

  • O modelo neozelandês é citado como exemplo de transparência e eficiência na gestão pública, contrastando com desafios enfrentados em países como o Brasil.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Gestor que lucra com cargos públicos trai o interesse coletivo e fere a moralidade administrativa. Como combater o uso da máquina em benefício próprio?

Resumo: O presente texto tem por finalidade analisar a conduta do gestor público que se utiliza de cargos públicos para a comercialização de produtos e serviços particulares, violando frontalmente a Lei de Improbidade Administrativa. Tal prática revela a perversão dos princípios da administração pública, subvertendo o interesse coletivo em benefício próprio. A análise passa pelos modelos de administração pública, desde o patrimonialista até o gerencial, incluindo o modelo adotado pela Nova Zelândia, reconhecido mundialmente por sua transparência e eficiência.

Palavras-chave: Direito; administrativo; uso da máquina pública; interesses particulares; ato de improbidade administrativa; configuração.


Introdução

Na trajetória histórica da administração pública, há gestores que assumem altos cargos não para servir à coletividade, mas para vender sonhos, colocando a atividade-fim em segundo plano. O uso indevido da máquina pública – seja através de veículos oficiais, servidores ou influência política – configura um grave desvio de finalidade, que remonta ao modelo patrimonialista de administração pública.

Tal comportamento afronta diretamente o princípio da moralidade administrativa e caracteriza ato de improbidade administrativa, nos termos da Lei nº 8.429/1992. A Constituição Federal de 1988, ao estabelecer princípios como a impessoalidade, a moralidade e a eficiência (art. 37, caput), impõe limites à atuação do gestor público, visando coibir práticas que subordinem o interesse coletivo ao desejo pessoal de enriquecimento ou perpetuação no poder.

Este estudo abordará os diferentes modelos de administração pública ao longo da história, analisando como cada um influenciou a forma de gestão do Estado e como a evolução administrativa busca frear condutas ímprobas. Além disso, será destacada a experiência da Nova Zelândia, um dos países mais bem avaliados em governança pública, como contraponto à realidade brasileira.


Evolução dos Modelos de Administração Pública

A administração pública não é estática. Desde o período absolutista até os dias atuais, sua estrutura e princípios passaram por transformações marcantes. Podemos destacar três grandes modelos históricos:

  1. Administração Patrimonialista – Predominante nos Estados absolutistas, caracterizava-se pela confusão entre o patrimônio público e privado. O governante e seus auxiliares viam os bens estatais como uma extensão de seus próprios interesses, facilitando a corrupção e o nepotismo.

  2. Administração Burocrática – Como reação ao patrimonialismo, esse modelo surgiu para garantir impessoalidade e profissionalização do serviço público. Inspirado nos princípios de Max Weber, buscava racionalizar a gestão estatal com regras rígidas, concursos públicos e hierarquia bem definida. No entanto, sua rigidez excessiva levou à ineficiência e à morosidade.

  3. Administração Gerencial – A partir da segunda metade do século XX, o modelo burocrático começou a dar lugar à administração gerencial, que valoriza a eficiência, a descentralização e a prestação de serviços de qualidade ao cidadão. Esse modelo foi amplamente adotado em reformas administrativas de diversos países, incluindo o Brasil nos anos 1990.


O Modelo Neozelandês e a Transparência na Gestão Pública

Dentre os modelos modernos de administração pública, destaca-se o da Nova Zelândia, que implementou uma profunda reforma administrativa na década de 1980. Seu sistema se baseia na transparência, na responsabilização dos gestores e na eficiência. A estrutura administrativa neozelandesa se diferencia pela ênfase na governança participativa, na avaliação de desempenho e no foco em resultados.

Enquanto países como o Brasil ainda enfrentam desafios para combater a corrupção e o desvio de finalidade na gestão pública, a Nova Zelândia demonstra que um modelo baseado na integridade e na prestação de contas pode transformar a administração estatal, reduzindo drasticamente práticas como o uso da máquina pública para fins privados.


A Improbidade Administrativa na Constituição Federal e na Lei nº 8.429/1992

O artigo 37 da Constituição Federal de 1988 estabelece os princípios da administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. No § 4º, o texto constitucional prevê sanções severas para atos de improbidade administrativa, incluindo suspensão dos direitos políticos, perda da função pública e ressarcimento ao erário.

A Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992) detalha as condutas que configuram improbidade, classificando-as em três categorias:

I - Enriquecimento ilícito (art. 9º) – Quando o agente público obtém vantagem econômica indevida.

II - Dano ao erário (art. 10º) – Quando há prejuízo aos cofres públicos.

III - Violação dos princípios da administração pública (art. 11º) – Quando há afronta aos princípios constitucionais, mesmo sem prejuízo econômico direto.

O uso da máquina pública para interesses particulares pode ser enquadrado nessas hipóteses, especialmente quando ocorre a exploração de bens e serviços públicos para benefícios próprios ou empresariais.


Das Reflexões Finais

A administração pública deve estar a serviço da sociedade, e não ser um meio para a realização de interesses pessoais ou comerciais. A utilização indevida da máquina pública compromete a legitimidade do Estado Democrático de Direito, corroendo a confiança da população nas instituições.

A experiência neozelandesa demonstra que a transparência, a responsabilidade e a ética são pilares fundamentais para uma gestão pública eficiente e justa. A moralização do serviço público no Brasil exige uma aplicação rigorosa da Lei de Improbidade Administrativa, bem como a conscientização dos cidadãos para fiscalizar e denunciar abusos.

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O gestor público que faz da administração um balcão de negócios subverte a essência do cargo que ocupa, traindo o compromisso com a coletividade. A impunidade desses atos compromete não apenas a moralidade administrativa, mas a própria democracia, pois desvirtua o poder estatal e mina a crença na justiça.

A situação se agrava ainda mais quando o gestor público pertence simultaneamente aos quadros da administração pública e do sistema de justiça, e todos percebem isso, mas adotam uma espécie de cegueira deliberada. Mais grave ainda é quando a própria administração se aproveita dessa situação, pois o gestor público atua como um manto protetor da Administração Pública diante de futuros problemas de desvios perante o sistema de justiça.

Em um Estado Democrático de Direito, não há espaço para a comercialização de sonhos às custas do erário. A máquina pública deve ser um instrumento de progresso social, não um veículo de enriquecimento ilícito. A história mostra que o combate à improbidade é árduo, mas necessário para a construção de uma nação verdadeiramente justa e democrática.


Referências

BRASIL. Constituição da República de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em 29 de março de 2025.

BRASIL. Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992). Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em 29 de março de 2025.

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Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Jeferson Botelho. O uso da máquina pública e a venda de sonhos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7946, 3 abr. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113392. Acesso em: 5 dez. 2025.

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