Capa da publicação Responsabilidade civil por dano decorrente de crime
Capa: Sora

Ação civil ex delicto: responsabilidade civil decorrente do dano penal e seus reflexos no ordenamento jurídico

Resumo:


  • A ação civil ex delicto refere-se à reparação de danos materiais e morais decorrentes de um ilícito penal.

  • Essa ação busca indenizar a vítima pelos prejuízos sofridos e é fundamentada nos códigos Civil e de Processo Penal.

  • A sentença penal condenatória pode servir como base para a execução da reparação na esfera cível, garantindo a responsabilização do agente infrator.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A ação civil "ex delicto" permite à vítima buscar indenização por danos após crime. Como a sentença penal influencia a reparação civil do agente infrator?

Resumo: A ação civil ex delicto refere-se aos efeitos civis decorrentes de um ilícito penal, possibilitando que a vítima busque indenização por danos materiais e morais originados de um crime já julgado ou em trâmite. Essa ação fundamenta-se na necessidade de reparação dos prejuízos sofridos, conforme previsto no Código de Processo Penal e no Código Civil, e coloca em pauta a responsabilidade civil do agente. O estudo analisa a base legal e os procedimentos para o ajuizamento da ação, destacando sua relevância para a efetivação da justiça e a proteção dos direitos das vítimas. Além disso, discute-se os efeitos da condenação penal na esfera cível e a jurisprudência aplicável, demonstrando como a ação ex delicto fortalece o sistema jurídico ao garantir maior segurança e reparação integral.

Palavras-chave: Ação civil ex delicto; Responsabilidade Civil; Indenização; Processo Penal; Condenação Penal.


INTRODUÇÃO

A ação civil ex delicto compreende os efeitos civis que podem se originar de um ilícito penal já julgado na esfera criminal ou, ainda, de processo penal em trâmite, desde que observados os requisitos legais para o ajuizamento da ação cível decorrente de processo penal ainda em curso. Embora as ilicitudes nas esferas civil e penal sejam distintas, existem casos em que é possível a condenação em ambas, podendo haver, inclusive, responsabilização na esfera administrativa.

No caso específico do ajuizamento de uma ação civil ex delicto, a finalidade é indenizar a vítima — aquela que teve seu bem jurídico violado — por meio de valores fixados pelo juiz, com o objetivo de corrigir ou amenizar os prejuízos relacionados ao fato ou crime. Tal indenização está vinculada à reparação do ato ilícito praticado pelo agente (art. 186 do Código Civil).

Como exemplo para elucidar o tema, pode-se citar o estelionato, crime previsto no artigo 171 do Código Penal, que trata da obtenção de vantagem ilícita, para si ou para outrem, em prejuízo alheio, mediante erro ou meio fraudulento, sendo cominada pena de um a cinco anos de reclusão. Nesse caso, a vítima, ao ser lesada, poderá ajuizar ação penal contra o agente, visando à sua responsabilização criminal, e, paralelamente, propor ação cível para reivindicar a restituição do valor ou do bem perdido. Ressalta-se que a natureza dessa ação é indenizatória, ou seja, objetiva-se a recuperação dos valores perdidos em decorrência do crime.

Nos casos em que o delito não gerar efeitos na esfera cível — como nos crimes contra a paz pública, que não afetam vítima determinada —, a sentença penal condenatória não produzirá efeitos cíveis em desfavor do agente, tampouco permitirá a propositura da ação ex delicto na esfera cível.


FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

As previsões para o efetivo ajuizamento da ação civil ex delicto estão dispostas nos artigos 63 a 68 e 387 do Código de Processo Penal, os quais tratam da ação civil — quando o processo penal pode servir como ponte ou intermédio para uma ação que tramitará na esfera cível — e da sentença condenatória. Além disso, o Código Civil de 2002 também apresenta dispositivos que reforçam os institutos da reparação de dano e da responsabilidade civil por ato de terceiro, como os artigos 927 e 932, que dispõem o seguinte:

CPP - Art. 63. Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.

CPP - Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória (...), fixará valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.

CC - Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186. e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

CC - Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil (...) os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

O disposto nos artigos mencionados enfatiza que a possibilidade de executar uma indenização pelos danos causados ao ofendido não apenas existe, como é plenamente plausível, devendo este ser resguardado pela lei quanto aos prejuízos sofridos — não apenas físicos, mas também morais, psicológicos e materiais —, todos decorrentes do ato ilícito praticado pelo agente criminoso.

Em alguns casos, não há necessidade de responsabilização criminal prévia, como nas hipóteses de injúria, difamação ou calúnia (art. 953 do Código Civil). Nessas situações, é dispensável o ajuizamento de ação penal para que se possa pleitear reparação no juízo cível.


PROCEDIMENTO DA AÇÃO

Para que o juiz penal possa atribuir a pretensão indenizatória (seara cível) juntamente com a acusatória (seara penal), devem ser observados os seguintes requisitos: a existência de um pedido expresso no petitório inicial acusatório — pois, na ausência desse pedido, o juiz fica impossibilitado de fixar o valor indenizatório, sob pena de nulidade por incongruência da sentença —; a garantia do contraditório e da ampla defesa ao réu; e o cabimento da condenação apenas em relação aos fatos ocorridos após a vigência da Lei n.º 11.719/2008, sob pena de aplicação retroativa indevida de norma penal mais gravosa.

Diante disso, torna-se relevante abordar as situações em que pode ocorrer o ajuizamento da ação.

Sentença Penal Condenatória Transitada em Julgado

A sentença penal equivale a título executivo judicial (art. 515, VI, do Código de Processo Civil), podendo ser utilizada pela vítima como instrumento para requerimento de execução na esfera cível. Contudo, é imprescindível compreender que existem duas possibilidades de fixação de valores na sentença determinada pelo juiz penal.

Se o valor fixado no pronunciamento judicial for líquido, ou seja, determinado e exato, haverá, na esfera cível, execução por quantia certa.

Por outro lado, se o valor constante da sentença for insuficiente ou incerto, a vítima deverá requerer a liquidação da sentença, apresentando os cálculos e as custas referentes aos prejuízos sofridos, a fim de fundamentar o valor pretendido. Nesse caso, não se discute mais o mérito do pedido, mas sim a apuração do valor da indenização.

A fixação do valor indenizatório na sentença condenatória deve sempre partir do mínimo legal, o que não impede a vítima de pleitear valor superior na execução do título na esfera cível, desde que o pedido seja acolhido pelo juízo competente onde se originou a ação civil.

Ação Ordinária de Indenização

Há ainda a possibilidade de se ajuizar a ação no âmbito civil, antes, durante ou depois da finalização da ação penal, como prevê o artigo 64 do Código de Processo Penal:

Art. 64. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for o caso, contra o responsável civil.

Parágrafo único – Intentada a ação penal, o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta, até o julgamento definitivo daquela.

Portanto, se a vítima possuir provas e fundamentos fáticos que comprovem os danos causados por terceiro — como prova da materialidade, indícios de autoria e justificativa para antecipação —, poderá ajuizar a ação ex delicto no juízo cível, mesmo antes da ação penal ou durante o seu trâmite. Caberá ao juiz a faculdade de suspender a ação civil, caso entenda ser necessário aguardar o desfecho da ação penal, especialmente a sentença condenatória transitada em julgado.

O artigo 386 do Código de Processo Penal traz hipóteses em que o réu poderá ser absolvido. Por isso, é importante observar que, dependendo do fundamento da absolvição, o réu poderá ou não responder a uma ação ex delicto. Por exemplo, o inciso I do referido artigo trata da inexistência do fato. Nessa hipótese, como o fato não ocorreu, o réu não poderá ser responsabilizado nem penal nem civilmente.

Por outro lado, se o réu for absolvido por inexistência de infração penal — ou seja, o fato não configura crime, embora tenha ocorrido (art. 386, III, CPP) —, isso não impede que ele responda por eventual dano civil ou infração administrativa. Assim, poderá ser responsabilizado na esfera cível, conforme a competência do juízo onde tramita a ação.


EFEITOS DA CONDENAÇÃO PENAL NA AÇÃO CIVIL

Conforme introduzido anteriormente, a sentença penal condenatória com trânsito em julgado constitui título executivo judicial e pode ser requerida na esfera cível. A condenação penal pode servir como instrumento ou meio de propositura da ação civil, desde que preenchidos todos os requisitos legais, permitindo o regular andamento da ação sem causar prejuízos jurídicos nem gerar causas de pedir desnecessárias que contribuam para o abarrotamento do Judiciário.

Portanto, a condenação penal é o mecanismo que determinará se, e em que momento, o réu deverá cumprir suas responsabilidades cíveis, sendo-lhe aplicada uma sanção com o objetivo de indenizar a vítima. Os valores indenizatórios poderão ser fixos, líquidos ou ilíquidos, a serem estipulados posteriormente no juízo cível competente.


JURISPRUDÊNCIA

O Superior Tribunal de Justiça entendeu pacificamente que, no caso de homicídio triplamente qualificado praticado em âmbito doméstico e familiar, é viável a indenização aos sucessores da vítima, a ser paga pelo agente do crime. Isso porque o ato, além de configurar infrações penais, gerou também danos morais e materiais aos dependentes da vítima:

RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO PRATICADO EM ÂMBITO DOMÉSTICO E FAMILIAR. CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE VALOR MÍNIMO A TÍTULO DE REPARAÇÃO DE DANOS. MORTE DA VÍTIMA. LEGITIMIDADE DOS SUCESSORES EM HAVEREM A REPARAÇÃO PELOS PREJUÍZOS ADVINDOS DA PRÁTICA DELITIVA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Entre diversas outras inovações introduzidas no Código de Processo Penal com a reforma de 2008, nomeadamente com a Lei n. 11.719/2008, destaca-se a inclusão do inciso IV ao art. 387, que, consoante pacífica jurisprudência desta Corte Superior, contempla a viabilidade de indenização para as duas espécies de dano - o material e o moral -, desde que tenha havido a dedução de seu pedido na denúncia ou na queixa, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória. 2. A teor dos arts. 943. do Código Civil e 63 do Código de Processo Penal, nos casos de morte da vítima, a execução civil ex delicto pode ser promovida pelos herdeiros do ofendido. 3. Entretanto, como esclarecido por Antonio dos Passos Cabral ao discorrer sobre a fixação do valor mínimo da indenização cível na sentença condenatória penal e o novo CPC, "o principal objetivo do permissivo [art. 387, IV, do CPP] de fixar-se desde logo na sentença penal o mínimo indenizatório foi conferir celeridade à indenização, sem que o lesado tenha que suportar a demora do processo de liquidação de sentença ou ajuizar ação autônoma; algum valor já fica definido desde logo" (Coleção Repercussões do Novo CPC, v. 13, Coord. geral, Fredie Didier Jr., ambas à p. 407). 4. A Terceira Seção desta Corte Superior, ao julgar os REsps n. 1.643.051/MS e 1.675.875/MS, sob o rito dos recursos repetitivos, fixou a tese de que, "Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória" 5. No caso concreto, constatado que houve pedido expresso de indenização na denúncia em virtude da prática de delito contra mulher cometido em ambiente doméstico e familiar, a morte da vítima em nada obsta a obrigação do réu de reparar os danos causados pela infração, que, conforme previsão legal, pode ser executada pelos herdeiros. 6. Recurso especial provido para restabelecer a condenação do réu ao pagamento do valor estabelecido no acórdão proferido por ocasião do julgamento da apelação defensiva a título de reparação de danos.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6. Turma). Recurso Especial 2040306 / RS. Relator: Ministro Rogerio Schietti Cruz, 24 de Outubro de 2023.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

O relator destacou, na ementa do acórdão, que, segundo entendimento pacífico, a ação pode ser suscitada desde que tenha havido a dedução do pedido na denúncia ou na queixa, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória.

O Recurso Especial foi provido, resultando na condenação do réu em ambas as esferas: na penal, com as penas previstas nos Códigos Penal e de Processo Penal; e na cível, ficando ele obrigado a indenizar os herdeiros da vítima que ajuizaram a ação ex delicto em razão dos danos causados a si, decorrentes do fato típico que ceifou a vida de um ente querido — o qual, inclusive, era arrimo de família.

Além disso, com o objetivo de conferir celeridade à indenização e evitar que os herdeiros tivessem de aguardar a liquidação de sentença ou ajuizar ação autônoma, o relator ressaltou a importância de se fixar um valor mínimo desde logo, para que a reparação seja imediatamente definida.


CONCLUSÃO

A ação civil ex delicto constitui um importante instrumento jurídico voltado à reparação dos danos causados por delitos, permitindo que a vítima busque a responsabilidade civil do agente infrator. A análise dessa ação revela sua essencialidade na proteção dos direitos das vítimas, promovendo a responsabilização civil além da esfera penal e ampliando o alcance das medidas reparatórias.

Ao longo deste estudo, observou-se que, embora a ação ex delicto ainda apresente desafios interpretativos e procedimentais, ela contribui de maneira significativa para o fortalecimento da justiça civil e para a efetividade da reparação integral dos prejuízos decorrentes do ato ilícito.

Portanto, é fundamental que o sistema judiciário e os operadores do direito continuem a aprimorar a aplicação desse instrumento, a fim de garantir maior segurança jurídica e justiça aos afetados por condutas ilícitas.


REFERÊNCIAS

LOPES, A., Jr. Direito Processual Penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

CARLOS PASCHOALIK ANTUNES, M. Y. M. Prática Penal: do Exame da OAB à Prática Forense. 2a ed. São Paulo: Stabile, 2020.

MEDEIROS, R. Ação civil ex delicto: entenda o que é! Disponível em: <https://blog.grancursosonline.com.br/acao-civil-ex-delicto/>. Acesso em: 24 mar. 2025.

CAT, B. Direito Processual Penal: entenda tudo sobre ação civil “ex delicto”. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/artigos/direito-processual-penal-entenda- tudo-sobre-acao-civil-ex-delicto/2143410812>. Acesso em: 24 mar. 2025.

Ação Civil Ex Delicto. Disponível em: <https://modeloinicial.com.br/materia/direito- processual-penal-acao-civil-ex-delicto>. Acesso em: 30 mar. 2025.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos