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Minissérie "Adolescência": ecos da inocência perdida

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MINISSÉRIE ADOLESCÊNCIA

Adolescente, masculino, mata adolescente, feminina. A adolescente fazia bullying com ele. Ele se sentia horrível. As comunidades, como RedPill (comunidades tóxicas de machismo, misoginia) é um refúgio psicoemocional.

Adolescente masculino, o provar da masculinidade também aos outros masculinos. As adolescentes também introjetaram a masculinidade tóxica de que o gênero masculino é viril etc. Ou será que, por natureza, o ridicularizar também faz parte de algumas mulheres, meninas, por serem da espécie humana? Ou assim foram ensinadas por suas mães insatisfeitas com os maridos impotentes sexualmente? Antes do Viagra e da Lei do Divórcio, no Brasil, o convívio sem sexo, como era? Ou insatisfeitas, com o patriarcado, as esposas transmitiam isso para as filhas?

Digo, a sociedade influencia, mas ainda há “a pessoa individual”. É fácil constar isso com um grupo de crianças, cada qual se comporta diferentemente. Bem diferente do Teste das Bonecas.

O "Teste das Bonecas" é um experimento psicológico famoso realizado inicialmente nos anos 1940 pelos psicólogos Kenneth e Mamie Clark. Ele foi projetado para estudar os efeitos do racismo e da segregação racial na autoestima e percepção de identidade de crianças afro-americanas. No teste, as crianças eram apresentadas a duas bonecas idênticas, exceto pela cor: uma branca e outra preta. Elas eram então questionadas sobre qual boneca consideravam bonita, boa ou má, e com qual se identificavam.

Os resultados evidenciaram que muitas crianças negras preferiam a boneca branca, associando-a a características positivas, enquanto a boneca preta era frequentemente associada a características negativas. Isso evidenciou o impacto profundo do racismo internalizado e da discriminação na formação da identidade das crianças. Esses achados foram usados como evidência no caso histórico "Brown v. Board of Education", que levou à decisão da Suprema Corte dos EUA de declarar a segregação racial nas escolas inconstitucional.

Sim, neurose fabricada!

Ser adolescente, não “aborrecente”, retrata um período de intensa formação da identidade — fase em que os valores sociais internalizados desde a infância começam a se manifestar de maneira explícita. Nesse sentido, o que aparece como “drama adolescente” é, na verdade, o reflexo de sistemas excludentes mais amplos. Meninas lidam com padrões estéticos, controle do corpo e da sexualidade.

No filme Namorada de Aluguel (1987), as diferenças econômicas aparecem nas roupas, na linguagem e nos desejos. O que há no filme são hierarquias, aceitações, afastamentos, lutas por reconhecimento. Bullying não é um desvio moral, mas um mecanismo de reforço da norma social. O alvo é sempre aquele que “foge do padrão”: seja pela aparência, comportamento, fala, religião ou condição econômica. Atualmente, cyberbullying e trolls são as versões digitais da mesma lógica, amplificadas pelo anonimato e pela impunidade.

Quem não pode comprar, vestir, falar ou desejar como os outros, é “esquisito”, “feio”, “estranho”, “viado”. Aqui se atualiza a lógica da Máquina Antropofágica, que não exclui fisicamente, mas devora simbolicamente o que considera fora do padrão.

Minissérie brasileira Confissões de Adolescente (anos de 1990).

Tanto Confissões de Adolescente quanto a minissérie Adolescência exploram temas universais dessa fase da vida, que continuam ressoando com diferentes gerações: o bullying, os primeiros amores, as crises de identidade, as amizades e as complexidades relacionadas à gravidez são experiências atemporais e, por isso, permanecem relevantes, seja em produções clássicas ou em narrativas mais recentes apresentadas via streaming.

Ainda que ambas as obras tratem de assuntos semelhantes, a maneira como são abordados pode diferir. Confissões de Adolescente usava o estilo direto e informal dos anos 1990, com foco na relação entre as irmãs e suas dinâmicas familiares, refletindo os valores e dilemas daquela época. Já Adolescência, em plataformas de streaming, traz uma abordagem mais intensa ou até cinematográfica, incorporando linguagem visual contemporânea e explorando as nuances da era digital, como redes sociais e suas implicações nos temas mencionados. Essas semelhanças e diferenças evidenciam como a essência da adolescência permanece a mesma, mas os contextos sociais e as formas de contar histórias evoluem.

O que introduzo neste artigo é de artigo já publicado, mas muito oportuno.

Documentário Hot Girls Wanted

No documentário Hot Girls Wanted, mulheres recém-saídas da adolescente, entre 18 e 19 anos, se mostram pelas webcams. A indústria do pornô norte-americano lucra bilhões de dólares com a nova safra de estrelas joviais. O filme fora encomendado pelo The Kinsey Institute. Selfies em site como Instagram e Facebook possibilitam chamar a atenção dos produtores de vídeos pornôs. Sendo Twitter — na época do documentário o nome do “X” era Twitter — a verdadeira chave ao sucesso, porque não censura a maioria de conteúdo pornográfico.

O documentário mostra o poder de persuasão das celebridades norte-americanas. Os clips com letras e gestos sensuais fascinam as adolescentes, levando a conclusão de quem são responsáveis pela liberdade sexual, sem preconceitos, sem pudores. Outra persuasão é a ideia de ostentação. Muitos clips norte-americanos passam a concepção de vida consumista e, consequentemente, de glória. Para as recém-mulheres, a vida de possibilidades com muito dinheiro não tem limite, ou seja, vale tudo para conseguir dinheiro, mesmo que seja se prostituindo.

"Em um ano, passei de fracassado lavador de pratos no Outback para morador em Miami Beach em uma casa de cinco quartos e um carro próprio".

Nos EUA, três principais sites pornôs com as meninas moças são avaliados em U$ 50 milhões (cinquenta milhões de dólares). No documentário, o rapaz que coloca as moças em evidência no mundo pornô conta que a sociedade está começando a aceitar as meninas moças.

“ O que quero fazer é romper as barreiras que separam os profissionais do sexo com a sociedade comum”, diz uma novata celebridade pornô de 19 anos.

No documentário há cenas de descontração entre as garotas. Maconha e bebidas alcoólicas são companheiras inseparáveis das celebridades. Também se vê que muitas das atrizes não querem seguir a vida dos pais: trabalhar para fazer universidade, casar e ter filhos. Para as celebridades, o momento é o que importa (hedonismo), o momento do sucesso, da glória, das diversões.

Fama e poder. Ter os bens materiais, claro, de status social positivo, algo como “Veni, vidi, vici” (“Vim, vi, venci”), é uma conquista pessoal à luz de uma humanidade que preza pela meritocracia material — não existe meritocracia de “ser honesto (a)” por si, porém por necessitar de holofotes, reconhecimento alheio. Sim, honestidade tornou-se bem de consumo, por ser raro. Nas mídias, as novatas atrizes pornôs ganham, por cena, U$ 800 (oitocentos dólares).

Pesquisando na web, não foi difícil constatar a realidade apresentada pelo documentário. Colombianas, brasileiras, inglesas, tailandesas, peruanas, norte-americanas. Algumas garotas aparentam ter menos de 18 anos, o que gera muito mais visitantes ávidos por “novinhas”. Aliás, a busca pela eternidade, mas sem rugas, é histórico, desde os egípcios. Os cosméticos prometem rejuvenescimentos “rápidos”. Atualmente, as cirurgias plásticas estéticas modelam corpos e rostos, para a felicidade, resultante em dismorfia. Ou será efeito de uma humanidade capitalista que implora por perfeição? Não capitalismo em sozinho não faz isso, necessita de uma ideologia, como a eugenia, modelos de “raça ariana”, ou algo similar.

O que estarrece é que cada vez mais as Justiças de muitos países estão considerando a "maturidade" sexual dos jovens como fator excludente de atos considerados pedófilos. Por exemplo,“Juiz reduz pena de estuprador de menino alegando que vítima se oferecia”. No caso, o menino tinha seis anos. A redução da pena se deu por que o menino já se prostituía antes do acontecimento.

Há um provérbio jurídico:

"A lei de hoje tornar-se-á o costume de amanhã"!

Ou seja, o que o Estado estabelece como legítimo, tempos depois, a opinião pública a considerará como lícito. Será que a humanidade não está sendo influenciada pelo poder midiático, isto é, uma revolução cultural induzida midiática?

A revolução sexual começou com a psicanálise, ou seja, os estudos de Freud. Não se pode esquecer que a sexualidade humana foi reprimida pela Igreja Católica, no Brasil. Freud observou que a repressão, e não o esclarecimento sobre a potencialidade genésica humana, provocava várias neuroses. A mulher sofria, pois sua libido era como um convite ao pecado eterno. Pensar, agir, a simples masturbação, principalmente a feminina, era considerado pecado. E a pseudociência humana já catalogou a masturbação como um mal terrível 1. E os jovens, o sofrimento lhes angustiavam diante da vontade (libido) e o pecado (moral religiosa, de tradição judaico-cristã, ou de qualquer outra religião que considera o sexo como pecado). Freud fora acusado de perverter os jovens e até foi excomungado, anatematizado. O ato masturbatório é natural, somente a fixação intensa é passível de análise para se tirar a fixação exacerbada.

Alfred Charles Kinsey, outro que fora acusado de pervertido, e até pedófilo. Kinsey enfrentou uma cultura [norte-americana] com graves problemas de repressão sexual. Seus estudos demonstraram que as mulheres tinham pensamentos e vontade sexual, que a maioria se sentia desgostosa com a relação matrimonial, pois, para seus maridos, a mulher somente era dona de casa e mãe de família — mas os prostíbulos serviam para as descargas genésicas dos “chefes de família”. Mulher em tais locais, com dançarinos, como ocorre atualmente? Impensável. Exceto se ficasse restrito aos encontros de damas para “jogarem conversas foras”, como era intitulado pelo sistema da macho esfera da época. E se todas eram lésbicas, mas tinham que aparentar heteronrmativas? Outra história.

Mas a revolução sexual trazida pela mídia é salutar ou transformou o sexo em potencial meio de lucro?

Pelo documentário, o sexo humano passou a ser mais que um prazer fisiológico, porém possibilidade de lucro, de se ter holofotes [celebridades]. No Japão, por exemplo, adolescentes de classe média prostituíam-se para comprar roupas da moda [moda norte-americana]. Com a derrubada do “Muro de Berlim”, e a desagregação da ex-União Soviética, a prostituição cresceu muitíssimo, a escassez de dinheiro. Antes disso, com o Tratado de Versalhes impostos pelos Aliados a Alemanha, após a Primeira Guerra Mundial, o capitalismo — lê-se “pessoas que têm poderes do capitalismo” —, aproveitaram para viajarem e saciarem suas libidos. Explica-se muito a revolta do povo alemão.

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A prostituição é antiquíssima, antes era um privilégio de servir aos deuses. A Revolução Industrial empobreceu a humanidade, a prostituição, em muitos casos, serviu como meio de sobrevivência. As mulheres, pelo dogma religioso, quando não satisfaziam as necessidades dos maridos, em alguns casos, eram expulsas do lar. Sem emancipação feminina, como há contemporaneamente — a igualdade constitucional entre homens e mulheres —, a prostituição servia como meio de sobrevivência. E isso não está muito distante, século XXI.

Mas o que seria prostituição? Se é vender o corpo por dinheiro, as antigas crenças do "bom casamento" também é uma prostituição legalizada pelas famílias. A menina era treinada para se comportar com classe na sociedade, e deveria conseguir um "bom partido". Sua virgindade, então, era a peso de ouro, ou seja, o valor do dote consagrava ao felizardo o prêmio: deflorar a mulher. Uma forma sutil de prostituição, já que o único pagador, para deflorar, seria único homem. Não obstante, a mulher deflorada deveria honrar e acatar todos os caprichos masculino, sob risco de ser expulsa de casa. Afinal, o bom pagador tinha lá seus "direitos".

A sexualidade humana é complexa, as doutrinas científicas e religiosas tentaram, em épocas de repressões, controlar os impulsos sexuais por métodos [científicos] esdrúxulos e dogmáticos [religiosos]. Contudo, a liberdade sexual tomou um rumo perigoso, o momento. Sem controle dogmático ou científico repressores, os mais sensíveis à liberdade sexual, sem responsabilidade, são os jovens. Em muitos casos, a libido tem servido como válvula de escape — também para os adultos — para as pressões da vida moderna: caos econômico, por corrupções; preocupações exacerbadas ao corpo, a alimentação contaminada por agrotóxico, o salário que não proporciona tranquilidade. Enfim, tantos tormentos, angústias e dúvidas surgiu um grande negócio, a exploração midiática da libido. Não é difícil presenciar a exploração nas publicidades [carro, cerveja etc.], nos aliciamentos da indústria pornográfica.

Também existem as Big Techs “colaborando” com as neuroses juvenis e de adultos. A beleza que se apresenta, por engajamento comprado pelo uso dos bots (algoritmos criados pelas Big Techs), é homogênica. Dessa “homogeneidade”, não há possibilidade de “desigualdades”. A procura “por um milagre” — antes Deus poderia resolver, agora é a ciência médica da estética —, o anseio, ferrenho, por se sentir “parte de uma identidade grupal”. E as meninas podem fazer de tudo. Os concursos infantis para o melhor rosto etc., fazem com que as meninas aprendam o modelo social de beleza.

Como educar os jovens de hoje, se há uma liberdade sem consequências futuras, principalmente as Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), a gravidez indesejável, a frustração latente por se entregar por drogas? Eis o desafio deste início de século XXI


CONCLUSÃO

A adolescência, em vez de ser encarada como uma fase meramente "aborrescente", configura-se como um período de intensa consolidação identitária. Nesse período, os valores internalizados desde a infância — pela família, pela instituição escolar, pela mídia e pelas instituições religiosas — a se manifestar mediante conflitos interpessoais, de uma autoimagem distorcida e de mecanismos de exclusão simbólica.

Tanto na obra "Confissões de Adolescente" quanto na minissérie "Adolescência", observa-se que o drama individual é permeado por forças sociais estruturais. O bullying, o cyberbullying, a busca por pertencimento, o medo da exclusão e o desejo de aceitação são manifestações de um sistema que estabelece padrões de normalidade e pune aqueles que não os seguem. Não se trata de desvios morais ou de falhas de "caráter", mas sim da reprodução de um sistema de microviolências — ensinado por Michel Foucault — que molda o corpo, a sexualidade, a linguagem e o desejo desde a juventude.

O caso extremo de um adolescente que comete um ato de violência letal contra uma colega que praticava bullying não pode ser analisado isoladamente — do Malleus Maleficarum (Martelo das Feiticeiras) para "Martelo dos Magos" ou "Martelo dos Feiticeiros".

A violência representa o ponto de culminação de uma cultura de masculinidade tóxica, de competição hierárquica entre pares, de desprezo pelo diferente e de ausência de escuta empática. Quando comunidades online como a RedPill oferecem acolhimento a esses indivíduos, o fazem não com o objetivo de promover a cura, mas sim de radicalizar um ressentimento que a sociedade criou e posteriormente abandonou.

Por outro lado, meninas e mulheres também reproduzem tais violências. Seja pela introjeção da lógica patriarcal, pela transmissão intergeracional de frustrações ou pela necessidade de adaptação a um mundo que exige delas controle, beleza, obediência e, paradoxalmente, assertividade, elas também se tornam agentes de exclusão. Nesse ponto, é importante ressaltar que a crueldade não é um monopólio de um gênero específico, mas sim um traço da espécie humana que é moldado, reforçado ou reprimido de acordo com o contexto histórico e social.

A analogia com o "Teste das Bonecas" evidencia como as neuroses sociais são fabricadas, internalizadas desde cedo e replicadas ao longo da vida. Se na infância já se aprende a rejeitar o que é "negro", "estranho" ou "diferente", na adolescência essa rejeição se concretiza mediante atos como zombaria, humilhação, ostracismo — , em tempos digitais, exposição, linchamento virtual e cancelamento.

Em última análise, a "Máquina Antropofágica" — que aqui sintetiza o sistema de produção de exclusões, objetificações e devoração simbólica — se manifesta nas redes sociais, nas escolas, nas famílias e nos desejos frustrados. A adolescência, portanto, não é apenas um período de transição biológica, mas também um campo de batalha ideológico e simbólico, no qual cada indivíduo tenta sobreviver às violências externas sem ser consumido por elas internamente.

As obras "Confissões de Adolescente" e "Adolescência" revelam que, embora o mundo mude sua estética, suas plataformas e linguagens, a essência do sofrimento adolescente permanece inalterada. Tal sofrimento é o sintoma mais evidente de uma sociedade que exige a todo custo a adaptação ao que é inadaptável.

Culpabilizar os pais (heterossexuais ou LGBTQI+).

A culpa pelos desvios da prole recaiam, socialmente, sobre a mãe cisgênero — atualmente, recairão, com a máxima violência psicológica, perpetrada por grupos fundamentalistas religiosos, aos de casais homoafetivos. O que será muito mais intenso em relação ao culpa. As consequências para os filhos e as filhas de casais homoafetivos, ou transexuais, serão muito piores.

O pai cisgênero tinha que manter “Ordem e Progresso”, ou seja, nada de “filho gay”, “filha sem hímen antes de se casar” etc. Ambos, pai e mãe, viviam em sistemas repressores, tanto pela sociedade quanto pelo próprio Direito. Os pais, entre o amor a prole e ter que seguir o “Manual dos Pais”, as repressões, que dilaceraram muitas vezes o amor entre os genitores e a prole. Se fosse adotado (a), o peso social da discriminação. As crianças repercutiam, os adolescentes também. As mães solteiras eram “irresponsáveis”, pois fora abandonado pelo “chefe de família”. As crianças, sem pai, sofriam discriminações, tanto da sociedade quanto de adultos, crianças e adolescentes. O próprio Direito era discriminador, por refletir a mentalidade social.

A distinção jurídica entre filhos "legítimos" (nascidos no casamento) e "ilegítimos" ou "naturais" (nascidos fora dele) esteve presente no ordenamento jurídico brasileiro até a Constituição de 1988 — e perdurou, em práticas institucionais e culturais, mesmo depois disso.

O Código Civil de 1916 — vigorou até 2001 — institucionalizou claramente a discriminação entre os filhos, estabelecendo categorias e consequências jurídicas distintas:

A) Filhos legítimos: aqueles nascidos no casamento.

B) Filhos ilegítimos:

  • Naturais: nascidos de pais que podiam casar, mas não o fizeram.

  • Espúrios: nascidos de relações proibidas (ex: adultério, incesto).

  • Incestuosos e adulterinos: não podiam ser reconhecidos pelos pais e não tinham direitos sucessórios.

Essas distinções impactavam diretamente no direito ao reconhecimento (os pais podiam ou não reconhecer os filhos), no direito à herança (filhos ilegítimos tinham direitos limitados ou nulos), no uso do sobrenome e filiação no registro civil.

A Lei nº 883, de 1949 permitiu o reconhecimento de filhos naturais (nascidos fora do casamento), mas ainda não lhes garantia igualdade plena. Os filhos espúrios, adulterinos e incestuosos ainda eram discriminados.

Lei nº 6.515/1977 (Lei do Divórcio). Embora essa lei tenha sido um avanço ao legalizar o divórcio, não alterou significativamente a desigualdade entre os filhos. Ainda permanecia a lógica do casamento como legitimador pleno da família e da filiação.

A Constituição Federal de 1988, no art. 227, §6º, aboliu oficialmente qualquer distinção entre os filhos:

“Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”

Esse artigo marcou um divisor de águas no Direito brasileiro, proibindo expressamente:

  • Termos como “filho ilegítimo” nos registros.

  • Qualquer tipo de tratamento desigual no reconhecimento da paternidade, nos direitos sucessórios e na dignidade familiar.

O novo Código Civil de 2002 incorporou a mudança constitucional:

  • Não há distinção entre filhos legítimos e ilegítimos.

  • Todos os filhos têm igualdade de direitos: sucessórios, de convivência, de guarda, de alimentos e de nome.

Dessa maneira, a História do Direito de Família no Brasil revela como os sistemas legais refletiram e reforçaram normas morais excludentes, estruturadas na lógica patriarcal e na centralidade do casamento formal. Até a Constituição de 1988, o ordenamento jurídico classificava os filhos com base em sua origem: legítimos (nascidos dentro do casamento) e ilegítimos (nascidos fora dele), subdivididos em naturais, espúrios, adulterinos e incestuosos. Essas categorias iam além de classificações simbólicas: determinavam direitos ou a ausência deles.

Filhos adulterinos ou incestuosos, por exemplo, não podiam sequer ser reconhecidos pelos pais legalmente, muito menos ter direito à herança. Essa lógica colocava o afeto e o cuidado parental em segundo plano, subordinando os vínculos familiares a uma moral jurídica baseada no controle da sexualidade, da maternidade e da legitimidade patriarcal. Mulheres que criavam filhos sozinhas eram estigmatizadas; crianças sem pai formalmente reconhecido, excluídas social e juridicamente.

A Constituição de 1988 rompe com esse paradigma ao afirmar, de forma categórica, a igualdade entre todos os filhos, sejam havidos ou não do casamento, inclusive os adotivos. Esse princípio foi incorporado definitivamente no Código Civil de 2002, que elimina a nomenclatura discriminatória e assegura a plenitude dos direitos da filiação.

O reconhecimento jurídico da igualdade entre os filhos não apagou, no entanto, os efeitos culturais e institucionais das décadas anteriores. A estigmatização social, os preconceitos e os resquícios legais ainda aparecem em práticas e discursos. Por isso, é fundamental compreender que o sofrimento das crianças e adolescentes, ao longo da história, muitas vezes não advinha da “falta de estrutura familiar”, mas sim da estrutura excludente de um Direito que serviu à moral repressiva e à normalização da desigualdade.

O oprimido de ontem, poderá ser o opressor de amanhã. Essa consequência está em todas as relações humanos, dentro dos lares, nas instituições de ensino, no trânsito terrestre, nos casamentos ou uniões estáveis.

Fiat Lux!

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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