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Tarifaço, Trump e a falácia da reciprocidade.

O Brasil na encruzilhada do protecionismo

12/04/2025 às 14:20

Resumo:


  • O protecionismo trumpista continua vivo e fazendo estragos, colocando o Brasil no centro de uma equação geopolítica perversa.

  • A reciprocidade comercial é usada de forma hipócrita, minando a previsibilidade das regras multilaterais e promovendo um retorno ao bilateralismo coercitivo.

  • O Brasil reage às ameaças dos EUA com a Lei da Reciprocidade, mas precisa desenvolver uma estratégia comercial de longo prazo e romper com a inércia em relação ao comércio internacional.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O Brasil deve apenas retaliar o "tarifaço" de Trump ou pensar política comercial como estratégia de Estado? O protecionismo de Trump expõe nossa fragilidade institucional.

Por mais que o slogan “America First” pareça ultrapassado, o protecionismo trumpista continua vivo e fazendo estragos. Agora embalado em nova roupagem eleitoral, o velho projeto de tarifas punitivas ressuscita nos Estados Unidos e coloca o Brasil novamente no centro de uma equação geopolítica perversa: retaliar ou se submeter?


A falsa simetria da reciprocidade comercial

A mais recente ameaça de um “tarifaço” contra o aço e o alumínio brasileiros, articulada sob o discurso de defesa da indústria norte-americana, escancara uma assimetria incômoda nas relações comerciais internacionais. Desde 2018, sob o amparo da Seção 232 do Trade Expansion Act (1962), os EUA passaram a impor tarifas com fundamento em “segurança nacional”, ainda que os produtos atingidos não representassem qualquer ameaça real. Em março daquele ano, Donald Trump impôs tarifas de 25% sobre o aço e 10% sobre o alumínio, atingindo diretamente o Brasil (maior exportador de aço semiacabado para os EUA na época).

A retórica da “reciprocidade”, usada por Trump e repetida em sua pré-campanha de 2024, é, na melhor das hipóteses, mal compreendida; na pior, profundamente hipócrita.


A reciprocidade como discurso vazio

O princípio da reciprocidade tem, de fato, assento no direito internacional e está presente em diversos acordos da OMC, como o GATT 1994 (artigos I, II e XXVIII), mas também é reconhecido no direito brasileiro, sobretudo no artigo 4º da Lei nº 9.019/95, que trata de medidas de defesa comercial. No entanto, reciprocidade com base em quê? Em termos objetivos de competitividade? Em estrutura tributária? Ou no calendário eleitoral de um candidato?

O que se observa é o uso político e arbitrário de medidas tarifárias, driblando a Organização Mundial do Comércio, cuja instância de apelação está paralisada desde 2019, justamente por bloqueios promovidos pelos próprios EUA. Isso mina a previsibilidade das regras multilaterais e promove uma volta ao bilateralismo coercitivo, onde economias emergentes como a brasileira têm menos margem de manobra.


O Brasil reage

Diante das ameaças, o Brasil acena com a chamada Lei da Reciprocidade. Trata-se de um instrumento legítimo, mas que não responde à pergunta essencial: qual é o nosso projeto de política comercial? O presidente Lula anunciou que sancionará a Lei da Reciprocidade Econômica, aprovada pelo Congresso em resposta às tarifas impostas pelos Estados Unidos. Ele destacou que o Brasil não aceitará medidas unilaterais de outros países, reforçando a soberania nacional. Em recente balanço comercial, os EUA registraram um superávit de US$ 7 bilhões em serviços com o Brasil.

Temos agido de maneira reativa, não estratégica. A recente resposta do Itamaraty que menciona “retaliações proporcionais” pode até ter apelo simbólico, mas sem uma estratégia comercial de longo prazo, capacidade institucional de negociação e força diplomática coordenada com parceiros regionais, é pouco mais que um gesto performático.


Uma crítica à inércia brasileira

O Brasil precisa romper com uma postura reativa, hesitante e fragmentada em relação ao comércio internacional. A política comercial, por aqui, segue tratada como assunto secundário, quando deveria ser eixo estruturante da política de desenvolvimento.

Sem uma presença assertiva nos fóruns internacionais, como a OMC, a ALADI, o Mercosul e os novos espaços plurilaterais (ex.: IPEF, CPTPP), ficamos à margem da reconfiguração das cadeias globais de valor.

Como lembra Rubens Ricupero, “a diplomacia comercial não é apêndice da política externa, mas seu coração econômico” (RICUPERO, A diplomacia na construção do Brasil, 2017). Sem coordenação entre Itamaraty, MDIC, ME e setor produtivo, continuaremos a reagir de forma episódica, sempre em desvantagem.


Protecionismo não se combate com improviso

O novo protecionismo norte-americano é um alerta. Ele revela as fragilidades de um sistema multilateral em crise, mas também expõe o despreparo dos países que ainda não compreenderam que política comercial é política de Estado, não apenas uma pauta técnica ou emergencial.

Reciprocidade exige visão estratégica, articulação internacional e fortalecimento institucional. O Brasil pode e deve defender seus interesses. Mas retaliação sem rumo, sem projeto, é só barulho de panela vazia.


Referências e Recomendações

Organização Mundial do Comércio. www.wto.org

GATT 1994, especialmente Art. I (NMF), II (Concessões Tarifárias) e XXVIII (Modificação de Concessões).

Lei nº 9.019/95 (Medidas antidumping e compensatórias).

Decreto nº 1.488/95 (Regulamentação da Lei da Reciprocidade).

Trade Expansion Act, Seção 232 – EUA.

RICUPERO, Rubens. A diplomacia na construção do Brasil: 1750-2016. Versal, 2017.

JAGUARIBE, Hélio. O Brasil e a inserção internacional: ensaios de política externa. Civilização Brasileira, 2001.

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Sobre a autora
Brenda Ibiapina

Advogada tributarista. Pós-graduada em Direito Tributário, Direito Público e Financeiro. MBA em Finanças e Controladoria pela Universidade de São Paulo (USP). Sócia fundadora do escritório Ibiapina Advocacia, com atuação voltada à consultoria e contencioso tributário empresarial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

IBIAPINA, Brenda. Tarifaço, Trump e a falácia da reciprocidade.: O Brasil na encruzilhada do protecionismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7955, 12 abr. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113508. Acesso em: 29 abr. 2025.

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