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Entre a cura e o crime: a construção jurídica da cannabis medicinal no Brasil

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30/04/2025 às 16:11

Resumo:


  • A história da cannabis medicinal no Brasil mostra um cenário de criminalização e estigma da planta, apagando seu valor terapêutico ao longo do tempo.

  • A ausência de regulamentação clara e a omissão do Estado levaram à judicialização do acesso à cannabis medicinal, com destaque para o uso do habeas corpus para cultivo doméstico.

  • Apesar dos avanços recentes, como decisões judiciais favoráveis e pesquisas públicas, o Brasil ainda carece de uma política pública estruturada e baseada em evidências para o uso medicinal da cannabis.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Conclusão

A trajetória da cannabis medicinal no Brasil não se resume a mudanças nas leis, mas envolve algo mais profundo: um apagamento intencional promovido pelo Estado e pela sociedade. A criminalização da planta, herdada de modelos internacionais sem lastro científico, construiu um cenário de silêncio e punição que marginalizou o uso terapêutico e impediu que ele fosse reconhecido como política de saúde. A partir dos anos 1930, o Brasil passou a adotar uma postura repressiva e excludente em relação ao uso da cannabis, pois em vez de considerar as evidências científicas que já apontavam os benefícios dos canabinoides, o país ignorou essas informações e escolheu um caminho de criminalização, dificultando ainda mais a vida dos pacientes.

Mesmo com todo o histórico de repressão, aos poucos o cenário começa a mudar, apesar da evolução ainda tímida e irregular, mas já é visível em alguns pontos. O aumento das ações judiciais, a concessão de salvo-condutos para cultivo doméstico, o debate em torno da regulação e as iniciativas de pesquisa pública indicam que o tema deixou de ser tabu absoluto. A atuação do Poder Judiciário, embora limitada e casuística, tem oferecido alguma proteção a pacientes que, até então, eram tratados como criminosos por tentarem garantir sua saúde.

Ainda assim, depender do Judiciário como porta de entrada para o cuidado não é solução justa, nem eficaz. A judicialização do acesso à cannabis revela, na verdade, o colapso de um modelo estatal que não oferece respostas consistentes onde deveria.

O caminho para superar esse impasse passa, necessariamente, pela formulação de uma política pública de saúde que reconheça a cannabis como medicamento. Isso exige uma legislação clara, técnica e acessível; exige que a Anvisa, o Ministério da Saúde e o Congresso assumam suas responsabilidades sem se esconderem atrás do discurso moralista ou do medo político. Mas exige, acima de tudo, escuta: escuta dos pacientes, das famílias, dos profissionais de saúde que vêm há anos enfrentando o preconceito institucional para garantir dignidade no cuidado.

Regulamentar o uso medicinal da cannabis no Brasil vai muito além de um ajuste técnico ou legal, é um ato de justiça. É uma reparação histórica, porque resgata práticas de cuidado que vêm de culturas ancestrais, que foram apagadas pelo discurso proibicionista. É uma reparação social, porque reconhece a dor dos pacientes que esperaram por anos por um tratamento digno, muitas vezes enfrentando barreiras legais, burocráticas e financeiras. E é uma reparação ética, porque confronta um sistema que, por décadas, ignorou a conexão entre saúde e liberdade, negando às pessoas o direito de escolher o próprio tratamento.


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Abstract: This article analyzes the evolution of cannabis law in Brazil, focusing on the legal reconstruction of the medicinal use of cannabis in the context of its historical criminalization and institutional erasure of its therapeutic value. The research is based on documentary and doctrinal analysis of the normative trajectory of the substance, addressing the impact of drug policy on regulation and the obstacles faced by patients and healthcare professionals. The study also examines judicialization as an alternative pathway to treatment access, especially through preventive habeas corpus, and discusses recent court decisions and public research initiatives that suggest a possible shift away from the prohibitionist model. It concludes that the lack of a specific legal framework compromises equitable access to cannabis-based treatments, and that public policies grounded in scientific evidence and aligned with constitutional fundamental rights are urgently needed.

Key words: Medicinal cannabis. Right to health. Judicialization. Public policy. Habeas corpus.

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Sobre a autora
Luiza Mércia Freire Corrêa

Advogada (OAB/CE 43.656). Especialista em Direito Bancário pela PUC-Minas e pós-graduanda em Cannabis Medicinal e Direito pela Faculdade Unyleya. Acredito na advocacia como instrumento de transformação social, escuta ativa e reparação.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORRÊA, Luiza Mércia Freire. Entre a cura e o crime: a construção jurídica da cannabis medicinal no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7973, 30 abr. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113556. Acesso em: 21 jun. 2025.

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