Punibilidade disciplinar e o marco inicial da prescrição: O desastrado parecer vinculante da AGU.

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17/04/2025 às 16:25
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1.SÍNTESE

O objeto do estudo está relacionado à prática da Administração Pública Federal, a partir de Parecer vinculante da Advocacia-Geral da União, que interpreta o art. 142. da Lei nº 8.112, § 1º, no sentido de considerar que a inércia somente produz o efeito jurídico da prescrição quando as faltas disciplinares são conhecidas pela “autoridade administrativa competente para instaurar o processo”.

Em face desse quadro, é necessário que os produtores de ciência jurídica questionem:

a) O Parecer AGU GQ-55 está ao abrigo da legalidade?

b) Há, nessa interpretação, harmonia com preceitos constitucionais? Em não havendo, quais os dispositivos da Carta são afrontados?

c) É possível considerar que esse entendimento torna os processos imprescritíveis?


2. CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS

2.1 A compreensão do instituto da prescrição sob os aspectos de fato

Os institutos jurídicos não existem por diletantismo, não se esgotam em si e não foram postos ao serviço da burocracia sem utilidade. As ferramentas do Direito devem ser entendidas dentro de um esforço da ciência jurídica para equilibrar as relações e promover o Bem e o Justo

Deve-se, portanto, ressaltar nesse início de estudo que prescrição é a extinção de uma ação judicial ou administrativa possível, em virtude da inércia de seu titular por um certo lapso de tempo . E isso acontece dentro de um sentido de relevância social.

A inércia é o requisito essencial da prescrição, porque ela é o objeto do ataque da ciência que, em tempos de civilização, não admite que o Poder Público mantenha a sua afiada espada ad infinito sobre a cabeça dos cidadãos. A inércia, por conseguinte, é punida para que se restabeleça a paz àquele contra a qual, em outras circunstâncias, e a qualquer tempo, poderia ser posta a ação constritora do Estado.

Nesse contexto, trabalha-se com a prescrição aquisitiva, quando o Estado não age e permite que terceiros adquiram direitos; e a prescrição extintiva, quando o Estado inerte vê exaurida a sua possibilidade de ação, que é a hipótese à qual se vincula a matéria em exame.

O direito não prestigia aos que dormem, muito menos tolera a inoperância de entes estatais, que detêm conhecimento técnico, estrutura operacional e o dever institucional de reagir em questões de interesse público

A interpretação de toda norma que verse sobre matéria prescricional deve levar em conta essa premissa: punir a inoperância e libertar os cidadãos dos arroubos do arbítrio.

2.2 A compreensão do instituto sob o prisma jurídico

Todo instituto de direito assenta-se em um motivo de ordem jurídico-social. Seria incompreensível a existência de algo jurídico sem o alicerce de um fundamento racional.

Na doutrina consolidada, são mencionados os seguintes e principais fundamentos da prescrição:

a) A ação destruidora do tempo;

b) O castigo à negligência;

c) A presunção de abandono ou renúncia;

d) A presunção da extinção do direito;

e) A proteção à outra parte;

f) A diminuição do número de demandas;

g) O interesse social pela estabilidade das relações jurídicas.

A prescrição, portanto, tem tanta relevância pública quanto teria uma eventual ação a ser desencadeada pelo Estado se o tempo não tivesse esgotado essa possibilidade. Ela coloca sobre os gestores públicos a severa ameaça contra a inoperância; protege o hipossuficiente dos humores dos administradores públicos que, diante da prescrição, deixam de exercitar o poder ao seu alvedrio; desafoga a jurisdição, seja judicial ou administrativa, de um número exorbitante de processos que se acumulam indefinidamente; e, por fim, dá segurança às relações sociais – e segurança, no sentido mais amplo, é primado do Estado brasileiro de acordo com o Preâmbulo da Constituição da República.

No ambiente disciplinar o objetivo da prescrição não é proteger o servidor faltoso, mas evitar que a apuração se prolongue indefinidamente causando maiores danos do que os benefícios que a ação poderia alcançar.

2.3 A prescrição do direito de agir contra servidor

A matéria em discussão está relacionada ao direito de ação da Administração Pública em desfavor de servidores acusados de ilícitos funcionais. Reza, a propósito, o estatuto federal – Lei nº 8.112/90:

Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.

Observe-se que o legislador atribuiu à autoridade administrativa o dever de reagir diante “de irregularidade no serviço público”, instaurando, conforme o caso, “sindicância ou processo administrativo disciplinar”. Mas o legislador fez mais: deixou expresso que essa reação tem que ser “imediata”.

A Lei da Improbidade Administrativa – Lei nº 8.429/92, na versão original declarava como atentado contra os princípios qu regem a administração pública “retardar ou deixar de praticar ato de ofício” (art. 11, II), o que lastimavelmente foi revogado pela Lei nº 14.230/2021. Com isso, retirou-se a responsabilidade, nessa esfera, daqueles que retardam o exercício do poder-dever de controle. Ainda assim, o princípio da eficiência associado à razoabilidade não agasalha a autoridade administrativa operacionalmente retardada. Ela continua com a obrigação de deflagrar a ação disciplinar em condição “imediata” e ao não fazê-lo é ela, e não o servidor, quem tem de ser alcançado por conta da morosidade.

O instituto da prescrição disciplinar, como já se desenhou em momento anterior, apresenta-se nesse meio para:

a) forçar os dirigentes públicos a responsabilizar o mais rápido possível o servidor faltoso, a fim de que a regularidade volte logo ao seu leito de normalidade;

b) pacificar a certeza e a segurança das relações jurídicas entre a Administração e o seu funcionário, evitando, assim, que o infrator disciplinar fique intranqüilo pelo resto de sua vida funcional;

c) desencorajar a negligência dos chefes hierárquicos, com vistas a tornar o serviço público o mais eficiente possível.

Prepostos da Administração Pública, no entanto, em condições imorais, data máxima vênia, articulam uma interpretação que favorece aos administradores lerdos e prejudica os funcionários que, não bastassem as enormes responsabilidades que têm, recebem ainda o ônus de serem processados em um prazo que nenhuma inteligência esclarecida pode admitir.


3. A FALTA DE RAZÃO AO RACIOCÍNIO OFICIAL

3.1 O dispositivo da lei

Apesar de seguir toda a tradição da prescrição pública, estabelecida inicialmente pelo Decreto nº 20.910/32, que impõe o prazo prescricional de 5 (cinco) anos para o exercício de "todo o direito" público, sem exceção, o legislador federal não foi técnico quando da fixação do seu marco inicial, chegando ao ponto de violar não só a regra da prescritibilidade, como fixar um confuso momento para o dies a quo do aludido instituto.

A Lei nº 8.112/90 diz:

Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:

(...)

§ 1º O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.

Note-se que o legislador fixou como marco para início da fruição do prazo prescricional a “data em que o fato se tornou conhecido”. Todavia, não esclareceu conhecido por quem. E esse lapso abriu espaço para diferentes interpretações, sendo a adotada pelo Poder Executivo federal a pior de todas. Os cultores do direito não podem permitir que tamanha falha legislativa possa se eternizar em nosso ordenamento jurídico, estimulando a ineficiência do controle, a letargia das autoridades e a insegurança dos servidores públicos.

3.2 A interpretação da Administração Pública federal

O órgão jurídico da Administração Pública federal insiste que a contagem da prescrição inicia no momento em que o fato se tornou conhecido pela autoridade que teria competência para instaurar a ação disciplinar. Uma interpretação simplista e cômoda, à revelia de razões superiores de fato e de direito.

A Advocacia Geral da União abordou a matéria no Parecer AGU GQ-55, aprovado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República e publicado no Diário Oficial da União e, portanto, vinculante no ambiente federal. Neste Parecer, cujo cerne não era analisar o § 1º do artigo 142, mas sim identificar a norma aplicável à contagem do prazo prescricional por infração cometida ainda sob a vigência da Lei nº 1.711/52, mas apurada já depois da entrada em vigor do atual Estatuto (Lei nº 8.112/90), a AGU, tomada por singular entusiasmo, manifestou entendimento de que o termo inicial da prescrição somente se configura com o conhecimento de suposta irregularidade especificamente pela autoridade competente para instaurar o feito disciplinar, in verbis:

A inércia da Administração somente é suscetível de se configurar em tendo conhecimento da falta disciplinar a autoridade administrativa competente para instaurar o processo.

Aqui se tem o primeiro descompasso, na medida em que o raciocínio exteriorizado no Parecer não se articula em alinhamento ao conceito clássico de prescrição: “Prescrição é a extinção de uma ação judicial ou administrativa possível, em virtude da inércia de seu titular por um certo lapso de tempo”como ensinam todos os tratados.

Ora, a inércia é do titular do direito e não da pessoa do seu preposto. Logo, não tem fundamento científico o modelo adotado no Parecer, uma vez que desconstitui a essência do instituto jurídico da prescrição. O Estado não agiu, não importa se a omissão foi de um ou de outro agente; não importa se foi este ou aquele funcionário ou autoridade quem deixou de adotar providências. O que é relevante é que o Estado, titular do direito, quedou-se inerte.

Note-se, na sequência, o argumento principal apresentando pelo alinhamento oficial:

Considerar-se a data da prática da infração como de início do curso do lapso temporal, independentemente do seu conhecimento pela Administração, sob a alegação de que a aplicação dos recursos públicos são objeto de auditagens permanentes, beneficiaria o servidor faltoso, que se cerca de cuidados para manter recôndita sua atuação anti-social, viabilizando a mantença do proveito ilícito e a impunidade, bem assim não guardaria conformidade com a assertiva de que a prescrição viria inibir o Estado no exercício do poder-dever de restabelecer a ordem social, porque omisso no apuratório e apenação.

O entendimento oficial, nesse quadrante, valoriza a responsabilidade do servidor e não reconhece a relevância do dever de controle, que, como todas as ações da Administração Pública, deve ter eficiência – princípio constitucional esculpido no art. 37, caput, da Carta Política. As “auditagens permanentes”, para as quais há recursos públicos e estruturas profissionais pré-formatadas, devem operar com resultado e não se pode admitir que a omissão e a leniência possam ser debitadas à conta de terceiros. É exatamente nesse contexto que se afirma o instituto da prescrição, para punir a inércia e forçar os prepostos e estruturas do Estado a agiram ao seu tempo.

O argumento, que é débil por essência, torna-se fulminado pela seguinte constatação: quando há Corregedoria, pressupõe-se a existência de uma estrutura formal, física e operacional, pronta a acompanhar a regularidade do serviço público. A atividade correcional não é passiva, à espera de alguém que lhe entregue em bandeja de prata a notícia de um ilícito; ela existe para estar à frente dos acontecimentos.

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3.3 Função controladora de ofício

Antes de desencadear ações repressivas, toda Corregedoria tem a finalidade de promover ações preventivas. Como explicar, então, que uma estrutura como essa, formatada especificamente para o controle, com ênfase à ação preventiva, à verificação prévia das condutas e à auditoria interna, não cumpra o seu papel? Em qual suporte está a razão que permite autoridades com poder disciplinar reagirem seis, dez, quinze anos depois de um fato?

Mas o sistema de Corregedoria não está sozinho. A Lei no 10.683, de 28 de maio de 2003 01instituiu a Controladoria-Geral da União (CGU) como órgão vinculado à Presidência da República com atribuição, exatamente, de evitar a dormência das outras estruturas de controle. A referida Lei foi sucessivamente alterada, assim como questões pontuais relacionadas ao serviço correcional. Todavia, conserva-se a essência no que diz respeito ao controle da disciplina. Por exemplo, a Corregedoria-Geral da União está estruturada exatamente para o combate à impunidade; cabe a ela fortalecer as unidades componentes do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal, exercendo as atividades de órgão central.

E agora vem o papel de controle sobre o controle, inerente às atribuições da CGU, à luz da redação do Decreto nº 11.824/2023:

Art. 1º A Controladoria-Geral da União, órgão central do Sistema de Gestão de Riscos e Controle Interno do Poder Executivo federal , do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal, do Sistema de Ouvidoria do Poder Executivo federal e do Sistema de Integridade, Transparência e Acesso à Informação da Administração Pública Federal, tem como áreas de competência os seguintes assuntos:

(...)

V - correição e responsabilização de agentes públicos e de entes privados;

(...)

§ 1º As competências atribuídas à Controladoria-Geral da União compreendem:

(...)

II - realizar inspeções, apurar irregularidades , instaurar sindicâncias, investigações e processos administrativos disciplinares, bem como acompanhar e, quando necessário, avocar tais procedimentos em curso em órgãos e entidades da administração pública federal para exame de sua regularidade ou condução de seus atos, podendo promover a declaração de sua nulidade ou propor a adoção de providências ou a correção de falhas;

(...)

§5º Para o desempenho de suas atividades, a Controladoria-Geral da União terá acesso irrestrito a informações , documentos, bases de dados, procedimentos e processos administrativos, inclusive os julgados há menos de cinco anos ou já arquivados, ficando os órgãos e as entidades da administração pública federal obrigados a atender às requisições no prazo indicado, e se tornará o órgão de controle corresponsável pela guarda, proteção e, conforme o caso, manutenção do sigilo compartilhado.

§ 6º Compete à Secretaria de Controle Interno da Casa Civil da Presidência da República exercer as atividades de auditoria interna e fiscalização sobre a Controladoria-Geral da União.

(Grifamos)

Sob qual fundamento se pode admitir que uma estrutura com tal abrangência, com atribuições bem definidas, com poder de vasculhar informações por todos os lados, deixe esmorecer um incidente disciplinar? Ora, com todo esse aparato controlador, o Estado tem condições operacionais de agir; e tem a obrigação de fazê-lo com resultado. E esse resultado, obviamente, não pode ser seis, dez, quinze anos depois.

O Direito é uma ciência e, como tal, é inteligência, no dizer de Cícero. Não pode, por conseguinte, prestigiar o ridículo. Ou, na lição clássica de Carlos Maximiliano, a sua interpretação não pode levar ao absurdo.

3.4A controvérsia no Superior Tribunal de Justiça

No âmbito da mais alta Corte infra-constitucional, o Superior Tribunal de Justiça, a matéria não é pacífica porque foi posta na mesa em um jogo com poucas cartas.

O ministro Felix Fischer assim enfrentou a questão:2 3

Voto: [...] Ocorre que, conforme dispõe o § 1º do art. 142. acima indicado, o prazo começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido. Em vista dessa disposição expressa, não se pode considerar como dies a quo do lapso prescricional o dia em que foi concedido o benefício ou praticados os atos que ensejaram a sua cassação, porque nessa ocasião não foi constatada ainda a infração. In casu, deve-se considerar como o momento em que se tomou conhecimento da infração a data em que a autoridade competente para instaurar o processo soube da falta disciplinar , em 10/04/2001 (fls. 43. e 51/52). " (grifo nosso)

A ministra Laurita Vaz, por seu turno, reverteu o entendimento nos seguintes termos:4

Ementa: 1. O art. 142, § 1.º, da Lei n.º 8.112/90 – o qual prescreve que "O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido"–, não delimita qual autoridade deverá ter obtido conhecimento do ilícito administrativo . Dessa forma, não cabe ao intérprete restringir onde o legislador não o fez.

Em trecho no Voto, observa-se:

Desta forma, é equivocada a conclusão do Parecer-AGU GQ-55 .

2. Ademais, consoante dispõe o art. 143. da Lei n.º 8.112/90, qualquer autoridade administrativa que tomar conhecimento de alguma irregularidade no serviço público deverá proceder à sua apuração ou comunicá-la à autoridade que tiver competência para promovê-la , sob pena de responder pelo delito de condescendência criminosa. 3. Desse modo, é razoável entender-se que o prazo prescricional de cinco anos, para a ação disciplinar tendente à apuração de infrações puníveis com demissão ou cassação de aposentadoria, comece a correr da data em que autoridade da Administração tem ciência inequívoca do fato imputado ao servidor, e não apenas a partir do conhecimento das irregularidades pela autoridade competente para a instauração do processo administrativo disciplinar . (grifo nosso)

Tem-se, aqui, uma interpretação mais próxima do bom direito, melhor alinhada ao conjunto das normas jurídicas que regulam a atividade de controle – inclusive o controle operacional, o controle das condutas dos servidores no exercício dos seus cargos para os quais a Administração Federal tem estruturas legalmente formatadas, as Corregedorias e uma bem equipada Controladoria.

Tenha-se que a interpretação oficial do Governo e a posição defendida em Voto do eminente ministro Felix Fischer consideram:

· um único dispositivo, o § 1º do art. 142. do estatuto dos servidores, que sinaliza que o ”prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido”; e

· que a lacuna da lei, ao não dizer de quem seria o conhecimento, pode ser suprida por elementos de fato, como a deficiência operacional do sistema de controle ou a suposta necessidade de alcançar servidores que ocultam provas.

Essa interpretação prestigia a Administração faltosa e contribui para que os ofícios públicos continuem ineficientes. Em outro passo está a posição da ministra Laurita Vaz, que melhor interpreta a lei, não em um dispositivo isolado, mas no seu conjunto, resgatando o art. 143. que determina que as autoridades que tomarem ciência de ilícito adotem providências “imediatas”. Portanto, não seria admissível que qualquer autoridade com conhecimento tenha o dever de reagir; e que o prazo prescricional, em disparate, só comece a fruir quando algumas autoridades tiverem a notícia.

Não se concebe que havendo Corregedoria com função específica de trabalho de campo (e Controladoria para aferir as ações das Corregedorias), a notícia da infração leve mais de cinco anos para pousar na mesa do gestor. Temos aqui, duas situações:

· ou alguém no meio do caminho, no seu dever de controle, tomou conhecimento e atraiu para a Administração, enquanto preposto, o dever de imediatamente reagir – e a partir de então começou a fruir o prazo de prescrição;

· ou houve descontrole absoluto e ninguém exerceu a vigilância interna que é obrigação das chefias – irregularidade cuja conseqüência não pode ser transferida ao servidor, o braço mais fraco da relação.

Para corroborar com esse raciocínio, trazemos à colação o art. 116. da Lei nº 8.112/90 – estatuto dos servidores federais – que se refere à OBRIGAÇÃO de encaminhamento de notícia de irregularidades, ilegalidades e abuso de poder, in verbis:

Art. 116. São deveres do servidor:

(...)

VI - levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo;

(...)

XII - representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder.

Está claro que a Administração dispõe de uma pesada estrutura operacional de Controle Interno, de Corregedoria e de Controladoria; e cada funcionário tem, ainda, a obrigação legal de contribuir com o sistema. Nada, portanto, justifica a interpretação que os órgãos federais impõem quanto ao início da contagem do prazo de prescrição.

3.5A correção nos Estatutos de unidades da Federação

Várias unidades da Federação, para evitar interpretações despropositais, deixaram claro nos respectivos estatutos o momento certo do início da contagem prescricional. Vejam-se:

DISTRITO FEDERAL (DF)

Lei Complementar n. 840, de 23 de dezembro de 2011 - Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis do Distrito Federal, das autarquias e das fundações públicas distritais.

Art. 208. A ação disciplinar prescreve em:

I – cinco anos, quanto à demissão, destituição de cargo em comissão ou cassação de aposentadoria ou disponibilidade;

II – dois anos, quanto à suspensão;

III – um ano, quanto à advertência.

§ 1º O prazo de prescrição começa a correr da primeira data em que o fato ou ato se tornou conhecido pela chefia da repartição onde ele ocorreu, pela chefia mediata ou imediata do servidor, ou pela autoridade competente para instaurar sindicância ou processo disciplinar.

ESPÍRITO SANTO (ES)

Lei Complementar n. 46, de 31 de janeiro de 1994 - nstitui o Regime Jurídico Único dos servidores públicos civis da administração direta, das autarquias e das fundações públicas do Estado do Espírito Santo, de qualquer dos seus Poderes.

Art. 157. –

(...)

§ 2º - Em se tratando de evento punível, o curso da prescrição começa a fluir da data do referido evento e interrompe-se pela abertura da sindicância ou do processo administrativo-disciplinar.

MARANHÃO (M)

Lei n. 6.107. de 27 de julho de 1994 - Dispõe sobre o estatuto dos servidores públicos civis do estado e dá outras providências.

Art. 233- A ação disciplinar prescreverá:

(...)

§ 1º - O prazo de prescrição começa a fluir da data em que foi praticado o ato, ou do seu conhecimento pela administração.

PERNAMBUCO (PE)

Lei n. 6.123, de 20 de julho de 1968 - Institui o regime jurídico dos funcionários públicos civis do Estado.

Art. 209. Prescreverão:

(...)

III - em cinco anos, as faltas sujeitas às penas de destituição de função, demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade. (Redação alterada pelo art. 1° da Lei Complementar n° 316, de 18 de dezembro de 2015.)

Vide o art. 2° da Lei Complementar n° 316, de 18 de dezembro de 2015:

Art. 2º (...)

§ 2° O curso da prescrição começa a fluir da data do fato punível disciplinarmente e se interrompe pelo ato que determinar a instauração do inquérito administrativo ou de sindicância com caráter punitivo.

RIO DE JANEIRO (RJ).

Decreto-Lei nº 220 de 18 de julho de 1975 - Dispõe sobre o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro.

Art. 57. –

(...)

§ 2º - O curso da prescrição começa a fluir da data do evento punível disciplinarmente e interrompe-se pela abertura de inquérito administrativo.

SÃO PAULO (SP)

Lei n° 10.261, de 28 de outubro de 1968 - Dispõe sobre o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado.

Artigo 261 - Extingue-se a punibilidade pela prescrição: (redação dada pela Lei Complementar n° 942, de 06/06/2003)

(...)

§ 1º - A prescrição começa a correr:

1 - do dia em que a falta for cometida;

SERGIPE (SE)

Lei n. 2148. de 21 de dezembro de 1977 - Institui o regime jurídico dos funcionários públicos civis do Estado de Sergipe e dá providências correlatas.

Art. 269. Prescreverão:

(...)

§ 2º. O curso da prescrição é contado a partir do dia da ocorrência da falta, interrompendo-se com a abertura da sindicância ou do inquérito administrativo, quando for o caso.

Nesse rastro exemplificativo, percebe-se que a lógica entra nos espaços das Administrações estaduais, enquanto o Poder Executivo federal insiste em uma interpretação disforme.

Sobre o autor
Léo da Silva Alves

Jurista, autor de 58 livros. Advogado especializado em responsabilidade de agentes públicos e responsabilidades de pessoas físicas e jurídicas. Atuação em Tribunais de Contas, Tribunais Superiores e inquéritos perante a Polícia Federal. Preside grupo internacional de juristas, com trabalhos científicos na América do Sul, Europa e África. É professor convidado junto a Escolas de Governo, Escolas de Magistratura e Academias de Polícia em 21 Estados. O autor presta consultoria às mais importantes estruturas da Administração Pública do país desde os anos 1990. Conhece os riscos da gestão e as formas de prevenir responsabilidades, o que o tornou conferencista internacional sobre matérias relacionadas ao serviço público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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