O uso de scanner OBD pela polícia na identificação de veículos adulterados.

Legalidade e validade probatória

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17/04/2025 às 20:33
Leia nesta página:

5. Implicações Jurídicas da Constatação via OBD: Flagrante Delito e Instauração de Inquérito.

A confirmação, por meio do scanner OBD, de que um veículo abordado é produto de crime (furto/roubo), clonado ou teve seus sinais identificadores adulterados, desencadeia consequências jurídicas imediatas e significativas. A informação obtida eletronicamente, quando confrontada e confirmada por outros elementos (divergência com marcações físicas, documentação ou consulta a sistemas), transforma a fundada suspeita inicial em uma situação de flagrante delito, autorizando e impondo ações por parte da autoridade policial.

O estado de flagrante delito está previsto no artigo 302 do Código de Processo Penal (CPP). Considera-se em flagrante delito quem: está cometendo a infração penal; acaba de cometê-la; é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; ou é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. No contexto da abordagem veicular onde o OBD revela a fraude, diversas figuras penais podem se configurar em estado de flagrância:

  • Receptação (Art. 180. do Código Penal): Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime. A posse de um veículo furtado, roubado ou clonado configura, em tese, o crime de receptação. Por ser um crime que pode ter natureza permanente (enquanto o agente mantém a posse da coisa ilícita sabendo de sua origem), a descoberta da origem criminosa do veículo via OBD coloca o condutor/possuidor em flagrante delito. A pena varia de 1 a 4 anos de reclusão, e multa (receptação simples) ou 3 a 8 anos, e multa (receptação qualificada).

  • Adulteração de sinal identificador de veículo automotor (Art. 311. do Código Penal): Adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento. Se a abordagem flagra o processo de adulteração ou se há elementos que indiquem que a adulteração (como a troca de placas ou remarcação visível confirmada pela divergência com o VIN eletrônico) é recente ou que o agente participa ativamente da manutenção dessa adulteração, pode-se configurar o flagrante. Este crime tem pena de reclusão de 3 a 6 anos, e multa. A posse do veículo adulterado, por si só, frequentemente leva à imputação por receptação, mas a adulteração em si é um crime autônomo.

  • Uso de documento falso (Art. 304. c/c Art. 297. ou 299 do Código Penal): Apresentar documento de identificação veicular (CRLV-e) falso ou ideologicamente falso durante a abordagem, correspondente aos dados do veículo "clonador". O crime se consuma no momento da apresentação do documento à autoridade. A pena é a cominada à falsificação (reclusão, de 2 a 6 anos, e multa, se for documento público).

Diante da constatação do flagrante delito através das informações reveladas pelo scanner OBD e demais verificações, o policial tem o dever legal de agir, conforme o artigo 301 do CPP: "Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito." A prisão em flagrante é, portanto, a consequência imediata para o indivíduo que está na posse do veículo irregular.

Juntamente com a prisão do suspeito, o veículo, enquanto objeto material do crime (no caso da adulteração) ou produto do crime (na receptação), deve ser apreendido. Essa apreensão é medida cautelar essencial para a investigação, permitindo a realização de perícia técnica detalhada que irá corroborar (ou não) os achados iniciais da abordagem policial, incluindo a leitura do OBD. O laudo pericial se tornará uma peça fundamental no inquérito e em eventual ação penal.

A prisão em flagrante e a apreensão do veículo e de eventuais documentos falsos levam à condução do caso à autoridade policial competente (Delegado de Polícia). Este, analisando os elementos apresentados pelos policiais condutores – incluindo o relato sobre o uso do scanner OBD e a discrepância encontrada –, deliberará sobre a ratificação da prisão em flagrante e determinará a instauração do Inquérito Policial. O inquérito servirá para aprofundar as investigações, colher novas provas (oitivas, perícias, diligências) e esclarecer todas as circunstâncias do crime, visando fornecer ao Ministério Público os elementos necessários para o oferecimento da denúncia.

Portanto, a constatação de irregularidades via scanner OBD, quando realizada sob o manto da legalidade (fundada suspeita), não é apenas um ato de fiscalização, mas um ato de investigação com profundas implicações jurídicas. Ela serve como gatilho para a aplicação de medidas cautelares como a prisão em flagrante e a apreensão do bem, e funciona como elemento probatório inicial (prova da materialidade e indício de autoria) que justifica e impulsiona a persecução penal contra os responsáveis pela circulação de veículos adulterados ou de origem ilícita.

Sobre o autor
Diego Vieira Dias

Funcionário Público, ex-advogado e eterno estudante...

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Fonte: https://bejur.com.br/document/view/119

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