5. Implicações Jurídicas da Constatação via OBD: Flagrante Delito e Instauração de Inquérito.
A confirmação, por meio do scanner OBD, de que um veículo abordado é produto de crime (furto/roubo), clonado ou teve seus sinais identificadores adulterados, desencadeia consequências jurídicas imediatas e significativas. A informação obtida eletronicamente, quando confrontada e confirmada por outros elementos (divergência com marcações físicas, documentação ou consulta a sistemas), transforma a fundada suspeita inicial em uma situação de flagrante delito, autorizando e impondo ações por parte da autoridade policial.
O estado de flagrante delito está previsto no artigo 302 do Código de Processo Penal (CPP). Considera-se em flagrante delito quem: está cometendo a infração penal; acaba de cometê-la; é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; ou é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. No contexto da abordagem veicular onde o OBD revela a fraude, diversas figuras penais podem se configurar em estado de flagrância:
Receptação (Art. 180. do Código Penal): Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime. A posse de um veículo furtado, roubado ou clonado configura, em tese, o crime de receptação. Por ser um crime que pode ter natureza permanente (enquanto o agente mantém a posse da coisa ilícita sabendo de sua origem), a descoberta da origem criminosa do veículo via OBD coloca o condutor/possuidor em flagrante delito. A pena varia de 1 a 4 anos de reclusão, e multa (receptação simples) ou 3 a 8 anos, e multa (receptação qualificada).
Adulteração de sinal identificador de veículo automotor (Art. 311. do Código Penal): Adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento. Se a abordagem flagra o processo de adulteração ou se há elementos que indiquem que a adulteração (como a troca de placas ou remarcação visível confirmada pela divergência com o VIN eletrônico) é recente ou que o agente participa ativamente da manutenção dessa adulteração, pode-se configurar o flagrante. Este crime tem pena de reclusão de 3 a 6 anos, e multa. A posse do veículo adulterado, por si só, frequentemente leva à imputação por receptação, mas a adulteração em si é um crime autônomo.
-
Uso de documento falso (Art. 304. c/c Art. 297. ou 299 do Código Penal): Apresentar documento de identificação veicular (CRLV-e) falso ou ideologicamente falso durante a abordagem, correspondente aos dados do veículo "clonador". O crime se consuma no momento da apresentação do documento à autoridade. A pena é a cominada à falsificação (reclusão, de 2 a 6 anos, e multa, se for documento público).
Diante da constatação do flagrante delito através das informações reveladas pelo scanner OBD e demais verificações, o policial tem o dever legal de agir, conforme o artigo 301 do CPP: "Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito." A prisão em flagrante é, portanto, a consequência imediata para o indivíduo que está na posse do veículo irregular.
Juntamente com a prisão do suspeito, o veículo, enquanto objeto material do crime (no caso da adulteração) ou produto do crime (na receptação), deve ser apreendido. Essa apreensão é medida cautelar essencial para a investigação, permitindo a realização de perícia técnica detalhada que irá corroborar (ou não) os achados iniciais da abordagem policial, incluindo a leitura do OBD. O laudo pericial se tornará uma peça fundamental no inquérito e em eventual ação penal.
A prisão em flagrante e a apreensão do veículo e de eventuais documentos falsos levam à condução do caso à autoridade policial competente (Delegado de Polícia). Este, analisando os elementos apresentados pelos policiais condutores – incluindo o relato sobre o uso do scanner OBD e a discrepância encontrada –, deliberará sobre a ratificação da prisão em flagrante e determinará a instauração do Inquérito Policial. O inquérito servirá para aprofundar as investigações, colher novas provas (oitivas, perícias, diligências) e esclarecer todas as circunstâncias do crime, visando fornecer ao Ministério Público os elementos necessários para o oferecimento da denúncia.
Portanto, a constatação de irregularidades via scanner OBD, quando realizada sob o manto da legalidade (fundada suspeita), não é apenas um ato de fiscalização, mas um ato de investigação com profundas implicações jurídicas. Ela serve como gatilho para a aplicação de medidas cautelares como a prisão em flagrante e a apreensão do bem, e funciona como elemento probatório inicial (prova da materialidade e indício de autoria) que justifica e impulsiona a persecução penal contra os responsáveis pela circulação de veículos adulterados ou de origem ilícita.