Resumo: A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) configura-se como um marco normativo essencial no ordenamento jurídico brasileiro, estabelecendo instrumentos específicos para o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher. Fundamentada nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, igualdade de gênero e proteção dos direitos humanos, a legislação institui medidas de caráter civil, penal e processual, voltadas à prevenção, proteção e responsabilização dos agressores. Este trabalho dedica-se à análise dogmática da Lei Maria da Penha, dividindo a investigação entre sua estrutura normativa – com ênfase na definição das formas de violência e nas medidas protetivas – e a avaliação da sua aplicabilidade prática, evidenciada por dados estatísticos recentes. O estudo busca compreender, de forma integrada, os fundamentos legais que sustentam a criação da lei e os desafios enfrentados na implementação das medidas protetivas no contexto do sistema jurídico brasileiro.
Palavras-chave: Lei Maria da Penha; Ordenamento Jurídico; Violência Doméstica; Medidas Protetivas; Direitos Humanos
1. INTRODUÇÃO
A violência doméstica contra a mulher constitui uma das mais persistentes e naturalizadas formas de violação de direitos humanos, desafiando o sistema jurídico a responder a uma realidade profundamente enraizada em estruturas patriarcais. No Brasil, a Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, representou um marco legislativo não apenas por inaugurar um novo paradigma jurídico de enfrentamento à violência de gênero, mas também por resultar de uma rara combinação entre pressão internacional, mobilização social e engajamento institucional. Tais elementos, aliados à influência de instrumentos internacionais como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e à Convenção de Belém do Pará, impulsionaram a criação de uma legislação que alia teoria e prática na proteção dos direitos da mulher.
Este estudo propõe uma análise aprofundada da Lei Maria da Penha, estruturada em duas grandes frentes. Primeiramente, investiga-se o contexto histórico e os fundamentos normativos – ressaltando os antecedentes, a evolução dos direitos das mulheres e a formulação dos dispositivos protetivos –, conforme abordado no Capítulo 3. Em seguida, examina-se a aplicabilidade e a efetividade das medidas protetivas no âmbito do sistema jurídico, considerando dados estatísticos recentes e os desafios estruturais existentes (Capítulo 4). A discussão é fundamentada em dados recentes e análises críticas da literatura jurídica e sociológica.
A relevância da Lei Maria da Penha transcende o âmbito jurídico, sendo um instrumento essencial para a promoção de mudanças sociais e culturais no Brasil. Contudo, sua aplicação prática enfrenta entraves significativos, como a insuficiência de delegacias especializadas, a desigualdade no acesso a serviços e a necessidade de capacitação contínua de profissionais. Por fim, destaca-se a necessidade de monitoramento constante de sua eficácia e do impacto das políticas públicas correlatas.
Dessa forma, o trabalho pretende demonstrar que, para a efetivação dos direitos protegidos pela lei, é imprescindível a integração entre um arcabouço normativo robusto e a implementação operacional eficaz das medidas de proteção.
2. DIREITO DAS MULHERES NO BRASIL
A trajetória dos direitos das mulheres no Brasil remonta ao século XIX, quando movimentos feministas no exterior, especialmente nos Estados Unidos e na Europa, influenciaram a luta pelo sufrágio e pela igualdade de gênero. Importante ressaltar que estes movimentos feministas, nesse contexto, foram mais organizados e contavam com um maior número de participantes, o que não significa um completo silêncio anterior de mulheres que se sentiam oprimidas ou injustiçadas (CARMO; RAMOS; SILVA, 2021)
No ano de 1840, houve um congresso contra a escravidão, denominado Congresso Antiescravista Mundial, para o qual os países participantes enviaram diversos representantes (RÉ, 2017). Os Estados Unidos formaram uma comissão representada por homens e mulheres em que só os homens tinham direito à fala. Durante a apresentação, as mulheres norte-americanas foram obrigadas a ficar atrás de uma divisória, em silêncio. Sentindo-se insultadas, elas começaram a escrever uma declaração de igualdade de direitos, baseada na declaração da independência dos Estados Unidos de 1776. Oito anos após este episódio, na Conferência Abolicionista em Seneca Falls, essa declaração foi apresentada e refletia o sentimento das mulheres sobre o direito à educação, o direito de administrar sua própria renda e também sobre o divórcio. (SEDUC, 2021)
Já em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a igualdade de gênero passou a integrar o rol de direitos internacionais. Nesse contexto, a participação feminina foi essencial:
Eleanor Roosevelt foi a presidenta do comitê de redação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e Hansa Mehta da Índia foi a única outra mulher delegada. Mehta conseguiu mudar “Todos os homens nascem livres e iguais” no Artigo 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos para, “Todos os seres humanos nascem livres e iguais”. (ONU MULHERES, 2021,s/p)
Portanto, com a Declaração de Seneca Falls, em 1848, e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no ano de 1948, a pauta feminista ganhou força, culminando na Convenção CEDAW, elaborada em 1979, que serviu de base para legislações em diversos países.
A Assembleia Geral das Nações Unidas adotou, em 1979, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, após longos anos de esforços para promover os direitos das mulheres. Esta Convenção se configura como o principal instrumento internacional na luta pela igualdade de gênero e pelo combate à discriminação, seja perpetrada por Estados, indivíduos, empresas ou organizações. Atualmente, 186 países são signatários da Convenção. (BRASIL, 2019)
No Brasil, a história dos direitos das mulheres é marcada por avanços gradativos. Araújo (2004) explica especificamente o cenário político e a inserção das mulheres na vida política do país:
As ações das feministas, voltadas para conquistas de direitos políticos para a mulher, intensificaram-se em torno de 1918, quando Berta Lutz e um grupo de colaboradoras criaram, no Rio de Janeiro, uma organização chamada Liga para Emancipação Intelectual da Mulher, que, posteriormente, passou a denominar-se Liga pelo Progresso Feminino. Em 1919, o senador Justo Chermont apresentou projeto de lei estendendo o direito de voto às mulheres, não conseguindo, porém, sua aprovação. Em 1922, devido a novas estratégias de luta, a Federação das Ligas pelo Progresso Feminino converteu-se na Federação Brasileira para o Progresso Feminino, que, neste mesmo ano, organizou o I Congresso Internacional Feminista, no Rio de Janeiro. Coube às mulheres do Rio Grande do Norte, o pioneirismo na conquista do direito de voto, ainda em 1927, havendo, porém, um retrocesso nas conquistas eleitorais femininas no ano seguinte. Apenas em 1932, com o Decreto nº 21.076, as mulheres tornaram-se eleitoras efetivas no Brasil. (ARAÚJO, 2004, p. 4)
No século XX, o movimento feminista brasileiro começou a ganhar força, impulsionado por mulheres como Bertha Lutz, que foi uma das líderes do movimento sufragista e desempenhou um papel importante na conquista do direito de voto feminino no Brasil, em 1932. A partir desse momento, o movimento feminista começa a se organizar de forma mais estruturada e a denunciar a violência de gênero como uma questão de direitos humanos e justiça social.
Assim, a Constituição de 1934 consolidou o direito ao voto feminino, representando um importante marco de direitos femininos.
Durante a ditadura militar (1964-1985), as mulheres foram silenciadas e tiveram suas lutas reprimidas. No entanto, ainda assim, algumas mulheres se engajaram em movimentos clandestinos de resistência e também na denúncia das violências doméstica e sexual. Nesse sentido:
As mulheres tornaram-se militantes por suas convicções políticas, entretanto, a militância representava uma mudança radical no modo de vida. A clandestinidade, o permanente risco de prisão e de tortura, a necessidade do aperfeiçoamento teórico e o desenvolvimento de ações práticas exigiam disciplina, dedicação e, mesmo, paixão. Elas assumiram a condição de militantes das organizações de esquerda mais pela convicção política do que pelo fato de serem mulheres. As próprias organizações não faziam distinções, pelo menos em seu discurso. No entanto, no cotidiano da atividade política, poucas ocuparam postos de direção dos grupos. Outro fato importante é que a condição feminina não tinha relevância nas questões debatidas, sendo inserida neste contexto apenas após os anos 70. (LEMANSKI, MEDEIROS, MEDEIROS, 2015, p.2)
Foi só com a Constituição de 1988 que se consolidaram os direitos fundamentais das mulheres, incluindo a igualdade no trabalho e na família. Em seu artigo 5º, assegura a igualdade entre homens e mulheres, estabelecendo que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza" (BRASIL, 1988). Essa foi a primeira vez que a igualdade de gênero foi formalmente reconhecida em uma constituição brasileira, abrindo caminho para a implementação de políticas públicas direcionadas à promoção da equidade entre os sexos.
Em que pese as diversas violações dos direitos femininos ao longo dos anos, os alarmantes índices de violência doméstica e familiar sempre constituíram uma das principais formas de violação dos direitos das mulheres. A década de 1990 foi marcada pela crescente visibilidade da violência contra as mulheres no Brasil, impulsionada principalmente pela mobilização de organizações feministas e movimentos de mulheres. Nas palavras da médica e professora Simone Diniz:
As feministas questionaram também a ideia de que a violência conjugal era um assunto das mulheres (ou de homens) pobres, negras ou ignorantes, de famílias desestruturadas, dando visibilidade a casos como o violência de um conhecido professor universitário contra sua mulher. Outro questionamento feminista importante foi o da absolvição dos assassinos de mulheres sob alegação de que teriam agido em legítima defesa do honra. Graças à pressão feminista e de alguns advogados esclarecidos, o Poder Judiciário passou a dar um novo tratamento à questão (DINIZ, 2005,p.18)
Com essa organização social maior, ainda na década de 1990 e com essas iniciativas pioneiras, houve a criação das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) e o estabelecimento do primeiro Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Essas ações foram fortalecidas no início dos anos 2000, com a criação de programas e leis voltados à proteção das mulheres, culminando na promulgação da Lei Maria da Penha em 2006.
A consolidação dos direitos das mulheres no Brasil evidencia a importância de políticas públicas e legislações que abordem não apenas a proteção jurídica, mas também a prevenção e a conscientização social. Nesse contexto, a Lei Maria da Penha se destaca como um marco de transformação social e jurídica, visando erradicar a violência de gênero em todas as suas formas.
3. A LEI MARIA DA PENHA E AS MEDIDAS PROTETIVAS
O caso de Maria da Penha Maia Fernandes é emblemático não apenas pela brutalidade da violência sofrida: duas tentativas de feminicídio cometidas por seu então marido em 1983, mas, sobretudo, pela inércia do Estado brasileiro diante da gravidade da situação. Após quase duas décadas de impunidade, com sentenças anuladas e recursos protelatórios, o agressor foi finalmente preso em 2002, permanecendo recluso por menos de dois anos.
Ressalte-se que na ocasião, a violência doméstica e familiar contra a mulher era considerada uma infração de menor potencial ofensivo, sendo processada conforme os procedimentos estabelecidos pela Lei nº 9.099/1995. Na prática, isso resultava na banalização da violência de gênero, com penas frequentemente limitadas ao pagamento de cestas básicas ou à realização de trabalhos comunitários. Inexistia um dispositivo legal que permitisse punir com maior rigor os agressores e o caso da Maria da Penha escancarou essa realidade.
A morosidade judicial e a ausência de mecanismos eficazes de proteção levaram o caso a ser denunciado, em 1998, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), sob a articulação do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM). Em 2001, o Brasil foi condenado por negligência, ineficiência e omissão na proteção das mulheres, o que impulsionou a criação de uma legislação específica para enfrentar a violência de gênero. (MACHADO, VARELLA, 2009).
A responsabilização internacional do Brasil teve o efeito de catalisar um processo legislativo que, embora já impulsionado por pressões feministas internas, encontrava-se estagnado. Assim, a Lei nº 11.340/2006 emerge como resposta a um contexto de vergonha internacional e de exigência jurídica de reparação institucional: ao mesmo tempo em que sistematiza os mecanismos de proteção, reafirma compromissos internacionais
Ao reconhecer a violência de gênero como uma violação dos direitos fundamentais e como manifestação da desigualdade estrutural entre homens e mulheres, a lei estabelece um paradigma jurídico inovador, evidenciando que a violência não se configura como um ato isolado no âmbito privado, mas sim como uma problemática estrutural que atenta contra a dignidade, a liberdade e a integridade física e psíquica das mulheres. Inaugura-se um modelo normativo baseado na tutela específica e integral da vítima.
Desde então, a lei tem sido reconhecida internacionalmente como uma das legislações mais avançadas no combate à violência de gênero (BOAVENTURA, 2024).
Sobre a importância da legislação no cenário internacional, Maíra Zapater (2012) aponta:
A profunda modificação das estruturas de pensamento que daí adveio se refletiu na produção legislativa, tornando possível, atualmente, localizar exemplos de discriminação positiva da mulher no ordenamento jurídico brasileiro, como é o caso da Lei Maria da Penha, símbolo da luta do movimento de mulheres pelo reconhecimento de seu direito a uma vida digna e livre da violência como um direito humano fundamental, assegurado na órbita internacional. Além de a Lei Maria da Penha ser produto de um paradigmático caso de litigância internacional de Direitos Humanos, o próprio Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a mulher recentemente a reconheceu como uma das três mais avançadas no mundo, dentre 90 legislações sobre o tema (ZAPATER, 2012, s/p)
Ocorre que mesmo com uma das legislações mais bem formuladas do mundo, o problema da violência doméstica no Brasil é bem mais profundo. Advém de uma ideologia patriarcal, que define as relações de poder entre homens e mulheres na sociedade – e que permeia a cultura, as instituições e o próprio sistema de justiça criminal (CERQUEIRA, et al, 2015,p.7).
Na tentativa de alterar essa relação de poder e modificar essa dominação do masculino sobre o feminino, que corriqueiramente utiliza-se da força, a Lei Maria da Penha tem como um de seus pilares a previsão das medidas protetivas de urgência, consideradas instrumentos fundamentais para a proteção imediata da mulher em situação de violência. A atuação do Poder Judiciário ganha, nesse contexto, uma dimensão eminentemente preventiva, indo além da função retributiva tradicional.
A previsão de mecanismos de proteção antecipada rompe com a lógica processual tradicional, conferindo prioridade à segurança da vítima desde o primeiro contato com o sistema de justiça. Nesse sentido, as medidas protetivas não se restringem à contenção da violência física, mas se estendem à proteção contra agressões psicológicas, morais, sexuais e patrimoniais, conforme previsto no art. 7º da Lei nº 11.340/2006.
Em suma, as medidas protetivas constituem o núcleo central da Lei Maria da Penha, pois visam assegurar a integridade da vítima antes mesmo da responsabilização penal do agressor, podendo ser solicitadas pela própria vítima, seu representante legal ou o Ministério Público, e são decididas pelo juiz em até 48 horas, independentemente da representação da vítima ou da instauração de inquérito policial, conforme reafirmado pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 4424/DF.
O caráter urgente dessas medidas busca interromper o ciclo de violência, oferecendo uma resposta rápida e eficaz em momentos de extrema vulnerabilidade.
Conforme Santos (2024), as medidas podem ser classificadas em três categorias: medidas direcionadas ao agressor; medidas de assistência à vítima e medidas de proteção patrimonial. Na Seção II, a Lei define as medidas direcionadas ao agressor:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 ;1
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; e (Incluído pela Lei nº 13.984, de 2020)2
VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio. (Incluído pela Lei nº 13.984, de 2020)3
§ 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.
§ 2º Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6º da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 4, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.
§ 3º Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.
§ 4º Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5º e 6º do art. 461. da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).5
Já na Seção III, as medidas destinam-se à proteção da ofendida:
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.
V - determinar a matrícula dos dependentes da ofendida em instituição de educação básica mais próxima do seu domicílio, ou a transferência deles para essa instituição, independentemente da existência de vaga. (Incluído pela Lei nº 13.882, de 2019)
VI – conceder à ofendida auxílio-aluguel, com valor fixado em função de sua situação de vulnerabilidade social e econômica, por período não superior a 6 (seis) meses. (Incluído pela Lei nº 14.674, de 2023)
Por fim, o artigo 24 cuida especificamente da proteção patrimonial:
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo.
A legislação cuidou de tornar obrigatória a assistência jurídica à vítima em seu art. 9º, § 2º, inc. III, devendo tal informação ser repassada pela autoridade policial (art. 11, inc. V). Há uma preocupação evidente também acerca da violência patrimonial, já que o legislador civil demonstrou especial atenção à ampla liberdade dada ao marido de celebrar contrato de bens, ocasião em que previu a necessidade de autorização do cônjuge nos casos em que esse negócio jurídico seja ajustada por prazo superior a 10 anos (BARBOSA, 2022).
Insta salientar que o descumprimento das medidas, em alteração legislativa feita no ano de 2018, está sujeito à pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa, conforme art. 24-A. Ainda ressalta-se que em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial (art. 20).
A implementação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (art. 1º da Lei) reforça o caráter multidisciplinar da proteção. Esses juizados têm profissionais capacitados para tratar com sensibilidade os casos de violência doméstica e garantir a implementação das medidas de forma mais eficiente. Os Juizados representam uma Vara especializada que visa garantir o acesso à Justiça de forma célere, integral e efetiva. Segundo Ana Carolina de Paula Machado (2010):
Assim, está-se diante de um juízo competente para conhecer, processar, julgar e executar todos os pedidos decorrentes da violência de gênero sofrida em ambiente doméstico ou em razão de relação familiar ou de afeto. Daí a relação com os direitos humanos. Como acima explanado, os direitos humanos são indivisíveis, interdependentes e interligados, de maneira que só há respeito à dignidade humana quando os direitos humanos em todos os seus aspectos e esferas são garantidos. Nesse sentido, o JVFMD veio garantir o acesso de forma ampla e integral pela mulher à Justiça. A mulher vítima, assim, pode se recorrer ao Juizado para apresentar todos os pedidos decorrentes da violência sofrida, sejam de natureza civil ou penal. Essa ampla competência evita a revitimização da mulher, que precisava repetir a mesma história sofrida em diferentes instituições. (MACHADO, 2010, p. 103).
Essas medidas têm o intuito de proporcionar segurança imediata à vítima e, ao mesmo tempo, garantir que o processo judicial continue sua tramitação de forma célere e eficaz.
No entanto, mesmo após 18 anos de vigência da lei, o cenário da violência de gênero no Brasil continua alarmante. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicam que uma mulher é assassinada a cada sete horas no país, sendo a maioria dos casos relacionados à violência doméstica.
Além disso, cerca de 40% das mulheres vítimas de feminicídio já haviam registrado ocorrências contra os agressores, destacando que a proteção pretendida pela legislação não tem sido suficiente (BRASIL, 2024)
Os dados empíricos demonstram a distância entre a previsão legal e sua implementação. No capítulo seguinte serão abordadas a aplicabilidade e efetividade da Lei que se pautam na coleta de dados estatísticos, pesquisas documentais, artigos científicos e estudos.