Capa da publicação Lei da Anistia: por que ainda divide o Brasil?
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Anistia no Direito brasileiro.

Fundamentos, controvérsias e implicações jurídicas

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Resumo:


  • A anistia no Brasil, promulgada pela Lei nº 6.683/1979, concedeu perdão a indivíduos acusados de crimes políticos e conexos entre 1961 e 1979, gerando controvérsias sobre a impunidade de agentes estatais envolvidos em violações de direitos humanos.

  • Os fundamentos jurídicos da anistia repousam na soberania estatal, mas confrontam-se com princípios constitucionais, como a vedação à tortura, e com compromissos internacionais de proteção dos direitos humanos, especialmente em casos de crimes de lesa-humanidade.


Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

6. Críticas e Defesas da Anistia

A anistia, como instrumento jurídico e político, divide opiniões na doutrina, na jurisprudência e na sociedade civil. Suas implicações sobre a memória histórica, os direitos fundamentais e a justiça de transição geram debates intensos entre juristas, operadores do direito, acadêmicos e vítimas de regimes autoritários.

As principais críticas à anistia concentram-se em sua utilização como mecanismo de impunidade, especialmente quando aplicada a crimes de extrema gravidade, como tortura, execução sumária e desaparecimento forçado. Para os críticos, não se trata de um perdão legítimo, mas de uma blindagem institucional para preservar interesses dos agentes estatais.

Organizações como a Anistia Internacional, Human Rights Watch e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos denunciam a anistia brasileira como um exemplo negativo de como a transição política pode ignorar as vítimas e privilegiar a reconciliação sem justiça.

Sob essa perspectiva, o instituto é visto como um obstáculo à responsabilização, à reparação e à construção de uma cultura institucional baseada na transparência e no respeito à dignidade humana.

Juristas críticos defendem que a anistia ampla e irrestrita viola o princípio da vedação ao retrocesso em matéria de direitos humanos, além de desrespeitar o princípio da dignidade da pessoa humana e a vedação à tortura, expressos na Constituição de 1988.

A manutenção da anistia também é criticada por sua dimensão simbólica. Ela sinaliza que agentes do Estado podem violar direitos fundamentais sem sofrer consequências jurídicas, o que debilita a confiança nas instituições democráticas.

No entanto, há também defensores da anistia, especialmente sob a ótica da teoria da transição negociada. Esses juristas argumentam que, em contextos de mudança de regime, a anistia pode ser uma medida necessária para garantir a estabilidade institucional e evitar retrocessos autoritários.

A defesa da anistia baseia-se, sobretudo, na ideia de que ela foi fruto de um pacto político legítimo, celebrado em um momento de fragilidade das instituições democráticas e com o objetivo de encerrar ciclos de violência.

Alguns doutrinadores sustentam que a lei de anistia brasileira não deveria ser revisada judicialmente, sob pena de violação à separação dos poderes e de instabilidade jurídica, dado o tempo decorrido e os efeitos consolidados da norma.

Os defensores também argumentam que a anistia possibilitou avanços na democratização, como o retorno de exilados, a reabertura do processo político e a reintegração de perseguidos ao convívio institucional, contribuindo para o processo histórico de reconstrução da democracia.

No entanto, mesmo entre os que defendem sua legitimidade inicial, há divergências sobre sua manutenção irrestrita. Parte da doutrina defende que os crimes de lesa-humanidade não podem estar contemplados nesse perdão coletivo.

Portanto, o debate em torno da anistia revela tensões entre diferentes concepções de justiça: uma voltada à estabilidade e à reconciliação institucional e outra comprometida com a responsabilização, a verdade histórica e os direitos das vítimas.

Críticos também apontam que a ausência de responsabilização favoreceu a perpetuação de estruturas autoritárias dentro do Estado brasileiro, especialmente nas forças policiais e nos órgãos de segurança. A cultura de violência institucional, segundo esses analistas, é herança direta da falta de punição aos agentes da repressão.

A doutrina da justiça de transição, amplamente adotada por órgãos internacionais, estabelece que não pode haver verdadeira reconciliação sem o reconhecimento público das violações e a responsabilização dos culpados. A anistia, nesse caso, atua como uma negação da justiça.

Outra crítica relevante é que a anistia contribui para o silenciamento das vítimas. Ao eliminar a possibilidade de responsabilização, ela enfraquece os mecanismos de escuta, reconhecimento e reparação moral das pessoas que sofreram violações graves de direitos humanos.

Pesquisas mostram que a reparação material concedida por comissões especiais ou decisões judiciais não é suficiente para restabelecer a dignidade das vítimas, sendo necessária a responsabilização judicial dos responsáveis como forma de justiça simbólica e institucional.

Do ponto de vista internacional, a manutenção da anistia coloca o Brasil em posição desfavorável frente a compromissos multilaterais. Países que promoveram a revisão de suas leis de anistia, como Argentina e Peru, são hoje citados como exemplos positivos de justiça transicional.

Juristas favoráveis à anistia frequentemente argumentam que os crimes cometidos por agentes públicos durante a ditadura não eram tecnicamente considerados crimes de lesa-humanidade à época. No entanto, essa tese é rejeitada pelo direito internacional, que reconhece a imprescritibilidade desses crimes independentemente da nomenclatura nacional.

Entre os defensores da anistia, há também quem critique o que consideram 'reabertura de feridas', sob o argumento de que a estabilidade democrática poderia ser ameaçada por iniciativas revisionistas que visem punir velhos inimigos do regime.

Esse argumento, no entanto, é contestado por especialistas que sustentam que o esquecimento não é base sólida para a paz social, e que a democracia se fortalece com a verdade, a justiça e o reconhecimento institucional das violações cometidas.

O modelo brasileiro, ao não revisar sua anistia, distancia-se do ideal de justiça restaurativa, que envolve não apenas o perdão, mas a responsabilização e o compromisso com a não repetição.

A teoria da reconciliação baseada no silêncio e na impunidade é considerada por muitos estudiosos como uma negação da democracia constitucional, que deve ter como base a memória crítica e a valorização dos direitos fundamentais.

Autores como Paulo Abrão e Flávia Piovesan têm reiteradamente destacado que não se trata de revanchismo ou vingança, mas de uma exigência ética e jurídica de respeito às vítimas e à construção de uma ordem democrática sólida.

Um dos grandes desafios para a revisão da anistia é a falta de mobilização política eficaz. Embora haja consenso acadêmico sobre a sua inadequação, não há uma força institucional significativa que impulsione a sua superação no Congresso ou no STF.

A naturalização da anistia ao longo de décadas produziu um efeito de acomodação institucional, dificultando a introdução de mecanismos de responsabilização e o fortalecimento da justiça de transição.

A atuação de coletivos de vítimas, comissões da verdade regionais e instituições independentes, como a Comissão Arns, é crucial para manter vivo o debate público e sustentar as reivindicações por justiça.

As defesas da anistia também devem ser analisadas dentro de um contexto histórico. Para muitos, ela foi o preço necessário para o retorno à democracia, mas isso não implica sua permanência indefinida e inquestionável.

O debate sobre a anistia exige uma abordagem interseccional, considerando não apenas as questões jurídicas, mas também políticas, culturais, sociais e até psicológicas. A transição brasileira se deu sem ruptura, e isso impacta diretamente a percepção pública sobre a legitimidade da anistia.

O argumento da prescrição também é frequentemente usado por defensores da não responsabilização. No entanto, a Corte Interamericana e diversos organismos internacionais afirmam que crimes de lesa-humanidade não se sujeitam a prazos prescricionais.

A responsabilização não necessariamente exige sanções penais severas. Em alguns casos, processos de reconhecimento público, responsabilização simbólica e exclusão de cargos públicos podem ser alternativas legítimas e eficazes para restaurar a confiança nas instituições.

A multiplicidade de vozes no debate reflete a complexidade do tema. Não se trata de negar os avanços democráticos proporcionados pela anistia, mas de questionar se sua manutenção irrestrita ainda se justifica à luz da evolução do direito constitucional e internacional.

Por fim, a superação da anistia irrestrita pode ser vista como um passo civilizatório, alinhado aos compromissos de verdade, justiça e memória que fundamentam as democracias maduras. A reinterpretação da anistia é, portanto, não um retrocesso, mas uma afirmação do Estado de Direito.

O debate sobre a anistia no Brasil também revela os limites das instituições democráticas em enfrentar o legado autoritário. Mesmo após a Constituição de 1988, o Estado brasileiro tem se mostrado relutante em revisar criticamente suas próprias decisões, preferindo manter uma postura de estabilidade em detrimento da justiça.

A anistia amplia o abismo entre o Estado e os familiares das vítimas da ditadura, perpetuando a dor, a incerteza e a ausência de reconhecimento oficial. Isso demonstra que o passado ainda interfere no presente de forma profunda e estruturante.

A defesa da anistia frequentemente recorre à ideia de 'revolução pactuada', sugerindo que não houve um vencido ou um vencedor após o fim da ditadura. No entanto, essa tese ignora que os agentes do regime saíram impunes, enquanto as vítimas permanecem sem justiça.

O argumento da estabilidade institucional também é controverso, pois estudos empíricos demonstram que a responsabilização de agentes públicos por crimes do passado fortalece as instituições democráticas, reduz a reincidência de violações e melhora a confiança da população nas instituições de justiça.

Em países que optaram por rever suas leis de anistia, como Chile e Argentina, o processo de responsabilização contribuiu para a construção de um aparato estatal mais comprometido com os direitos humanos e com os valores democráticos.

A anistia como cláusula de impunidade foi progressivamente superada no plano internacional, sobretudo após o Estatuto de Roma e a consolidação da Corte Penal Internacional como instrumento de responsabilização por crimes contra a humanidade.

Embora o Brasil tenha ratificado o Estatuto de Roma, ainda não incorporou plenamente seus princípios ao enfrentamento das violações do passado. A resistência institucional a responsabilizar torturadores é reflexo dessa incongruência normativa.

Defensores da manutenção da anistia frequentemente se apoiam na ideia de pacificação nacional, mas essa noção não se sustenta em contextos de impunidade. A verdadeira pacificação exige reconhecimento, reparação e justiça.

O campo acadêmico é quase unânime em reconhecer que a anistia, tal como foi aplicada no Brasil, é incompatível com os parâmetros internacionais de justiça de transição. Há um consenso de que sua manutenção fere a dignidade das vítimas e fragiliza a democracia.

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A construção da memória coletiva depende do acesso à verdade histórica. A anistia, ao impedir investigações e julgamentos, atua como barreira ao conhecimento pleno do que ocorreu no período autoritário, dificultando a educação democrática das novas gerações.

Adicionalmente, a manutenção da anistia impede que o Judiciário desenvolva jurisprudência sobre crimes cometidos pelo Estado, o que fragiliza a doutrina nacional sobre reparações, responsabilidade estatal e prevenção de novas violações.

Por fim, é fundamental que o debate sobre a anistia ultrapasse o campo jurídico e se transforme em uma pauta social e política, convocando toda a sociedade a refletir sobre os valores que devem sustentar a democracia e os limites do perdão estatal.


7. Anistia e Direitos Humanos

A relação entre o instituto da anistia e os direitos humanos é um dos temas mais controversos no direito internacional contemporâneo. Isso ocorre porque, enquanto a anistia pode ser vista como um mecanismo legítimo de transição política e pacificação, ela também pode servir como obstáculo à responsabilização por graves violações de direitos fundamentais.

O sistema internacional de proteção aos direitos humanos, especialmente no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA), estabelece que crimes de lesa-humanidade, como tortura, desaparecimentos forçados e execuções extrajudiciais, não podem ser anistiados sob nenhuma circunstância.

A jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos tem reiterado que leis de anistia que impedem a investigação e punição desses crimes são incompatíveis com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário desde 1992.

Além disso, o Comitê de Direitos Humanos da ONU já manifestou preocupação com a permanência da Lei da Anistia no Brasil e com a ausência de responsabilização por violações cometidas durante o regime militar.

Essa visão encontra respaldo no princípio da proibição da impunidade, que tem como fundamentos a obrigação dos Estados de prevenir, investigar, punir e reparar violações aos direitos humanos.

No contexto brasileiro, a manutenção da anistia amplia o descompasso entre o ordenamento jurídico interno e os compromissos internacionais assumidos voluntariamente pelo país. Tal incongruência prejudica a eficácia dos mecanismos internacionais de proteção e enfraquece o sistema interamericano.

O direito à verdade, considerado uma extensão dos direitos humanos, também é violado pela manutenção da anistia, uma vez que impede o pleno esclarecimento das circunstâncias, autores e contextos em que ocorreram os crimes do passado.

A proteção aos direitos humanos pressupõe a responsabilização não apenas dos autores materiais, mas também dos mandantes e beneficiários políticos e institucionais das violações. A anistia, ao cobrir esses atores, compromete a integridade do sistema de justiça e de memória histórica.

Portanto, é essencial que o Brasil avance na harmonização de sua legislação interna com os tratados internacionais dos quais é parte, adotando mecanismos de revisão legislativa, controle de convencionalidade e fortalecimento das instituições de justiça de transição.

O entendimento de que a anistia deve respeitar os direitos humanos encontra respaldo também na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, especialmente no seu artigo 8º, que assegura o direito à reparação por tribunais competentes contra atos que violem direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei.

Nesse contexto, a anistia não pode ser utilizada como ferramenta para eximir o Estado da sua responsabilidade de reparar danos causados por ações ou omissões institucionais, sobretudo quando envolvem violações sistemáticas e generalizadas.

A Convenção das Nações Unidas contra a Tortura, da qual o Brasil é signatário, também estabelece de forma inequívoca a obrigação de processar judicialmente os responsáveis por práticas de tortura. A anistia ampla, ao beneficiar agentes estatais acusados desses crimes, viola essa convenção.

O princípio da imprescritibilidade dos crimes de lesa-humanidade, aceito como norma de jus cogens, reforça a vedação da anistia a essas práticas. Jus cogens refere-se a normas imperativas do direito internacional que não admitem derrogação, independentemente da legislação interna de cada país.

A responsabilidade internacional do Estado brasileiro, diante da manutenção de uma legislação anistiadora que cobre crimes contra os direitos humanos, se expressa não apenas no plano jurídico, mas também no plano político e moral.

Os mecanismos internacionais, como os relatórios periódicos ao Conselho de Direitos Humanos da ONU e à Comissão Interamericana, reiteradamente recomendam ao Brasil que reveja sua legislação anistiadora, ressaltando que o país viola normas universais ao manter um modelo de impunidade institucionalizada.

A ausência de responsabilização efetiva fragiliza o sistema de garantias e dificulta o fortalecimento da cultura de direitos. Instituições que deveriam zelar pelo respeito aos direitos humanos, como o Ministério Público e o Judiciário, sofrem pressões históricas e estruturais que contribuem para a manutenção do status quo.

A educação em direitos humanos também é afetada. Ao evitar o debate sobre a responsabilidade dos autores de violações, o Estado impede o reconhecimento crítico do passado e a formação de uma consciência cidadã voltada à justiça social e institucional.

O Brasil, ao manter a Lei da Anistia em seus moldes originais, contraria os princípios do Estatuto de Roma, tratado fundador da Corte Penal Internacional, que prevê a persecução penal de crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio.

Embora não haja obrigatoriedade de retroatividade do Estatuto, sua ratificação por parte do Brasil demonstra um compromisso com os princípios de justiça internacional, que exigem a responsabilização pelos crimes mais graves.

As obrigações de proteção dos direitos humanos são inderrogáveis, o que significa que o Estado não pode se abster de cumpri-las, mesmo em nome de pactos políticos anteriores. O direito à verdade, à justiça e à reparação é irrenunciável e pertence às vítimas e à sociedade como um todo.

O sistema interamericano reconhece o direito das vítimas de participar do processo de justiça, o que é inviabilizado quando se mantém uma anistia que bloqueia investigações e ações penais. Essa exclusão institucionaliza a invisibilidade das vítimas no processo democrático.

A violação contínua dos direitos humanos, mesmo décadas após o cometimento dos crimes, é sustentada por omissões estatais que incluem a negação de acesso a documentos, a recusa de reconhecimento de culpabilidade e a falta de políticas de memória e reparação simbólica.

A jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos, embora em outro sistema regional, também serve de parâmetro, pois afirma que os Estados devem adotar todas as medidas possíveis para investigar e julgar crimes graves, independentemente do tempo decorrido ou da existência de anistias anteriores.

A universalidade dos direitos humanos exige dos Estados um padrão uniforme de respeito às garantias fundamentais. O uso da anistia como escudo institucional vai de encontro a esse princípio e fragiliza os compromissos internacionais do país.

É preciso destacar que a anistia pode ser compatível com os direitos humanos, desde que restrita a crimes políticos sem violência e que exclua explicitamente os crimes contra a humanidade, a tortura, o desaparecimento forçado e as execuções extrajudiciais.

Modelos internacionais de anistia legítima, como os adotados na África do Sul e no Chile, mostram que é possível conciliar perdão, reconhecimento público, responsabilização simbólica e justiça restaurativa sem comprometer o arcabouço jurídico dos direitos humanos.

A justiça de transição, ao integrar verdade, memória, reparação e responsabilização, exige que o Estado brasileiro abandone o modelo de impunidade e assuma um compromisso efetivo com a justiça histórica e com as vítimas.

A Corte Interamericana enfatiza que o dever de investigar e punir violações de direitos humanos não se esgota com o tempo, tampouco pode ser afastado por conveniências políticas internas, devendo prevalecer o interesse público na reparação da dignidade violada.

Portanto, o instituto da anistia deve ser revisto não apenas à luz da evolução constitucional brasileira, mas também sob a perspectiva dos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, que não admitem o esquecimento como forma de transição democrática.

A Constituição Federal de 1988 consagra em seu artigo 4º, inciso II, o princípio da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais do Brasil. Esse comando constitucional reforça a necessidade de o país alinhar sua legislação à normativa internacional de proteção aos direitos humanos.

Além disso, o artigo 5º, §2º, determina que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes de tratados internacionais ratificados pelo Brasil, o que confere hierarquia normativa elevada às obrigações convencionais assumidas pelo país.

Nesse sentido, é fundamental reconhecer que os tratados internacionais de direitos humanos firmados pelo Brasil devem orientar a interpretação da legislação nacional, inclusive a Lei da Anistia, à luz do princípio da interpretação conforme a Constituição.

Outro ponto crucial é o reconhecimento da vítima como sujeito de direitos autônomos. A exclusão das vítimas dos processos decisórios sobre anistia viola o princípio da centralidade da vítima na justiça de transição e compromete o processo de reparação coletiva.

As recomendações da Comissão Nacional da Verdade foram claras ao apontar a necessidade de revisão da anistia para garantir o cumprimento das obrigações internacionais de responsabilização por graves violações de direitos humanos.

Dentre essas recomendações, destaca-se a proposição de que o Estado reconheça a nulidade jurídica da anistia a crimes de lesa-humanidade, abrindo espaço para a responsabilização penal, administrativa e civil dos envolvidos.

A omissão em revisar a anistia implica não apenas em inércia política, mas também em responsabilidade jurídica internacional, conforme o artigo 1º da Convenção Americana de Direitos Humanos, que impõe aos Estados o dever de respeitar e garantir os direitos nela previstos.

É importante ressaltar que a responsabilidade por tais omissões é do Estado como um todo, e não apenas de um de seus Poderes. Isso significa que tanto o Legislativo quanto o Judiciário e o Executivo devem atuar de forma coordenada para assegurar a conformidade com o sistema interamericano.

As cortes internacionais têm consolidado a noção de que a impunidade estrutural compromete o funcionamento do Estado Democrático de Direito e constitui uma forma continuada de violação aos direitos das vítimas e seus familiares.

No plano simbólico, a superação da anistia é essencial para reconstruir a legitimidade do Estado diante da sociedade e para fortalecer a cultura de direitos, permitindo uma nova etapa institucional comprometida com a justiça e a verdade histórica.

A persistência do modelo de anistia ampla no Brasil mina os esforços de educação em direitos humanos, pois transmite à sociedade a mensagem de que certas violações podem ser toleradas em nome da governabilidade e da paz política.

A revisão da anistia não implica ruptura institucional, mas sim um avanço democrático. Países que revisaram suas leis de anistia reforçaram suas instituições e elevaram seus níveis de confiança popular nas decisões judiciais.

O Brasil possui arcabouço jurídico suficiente para conduzir esse processo de forma constitucional, por meio da atuação do Supremo Tribunal Federal, da Procuradoria-Geral da República e de iniciativas legislativas com fundamento na ordem jurídica interna e internacional.

A efetivação do direito à justiça é condição para o fortalecimento da cidadania e da igualdade jurídica. Negá-lo sob a justificativa de estabilidade política é perpetuar uma lógica de privilégios e impunidade, incompatível com a democracia constitucional.

A permanência da anistia revela a assimetria entre o discurso jurídico e a prática institucional. Embora o Brasil proclame adesão irrestrita aos direitos humanos, sua atuação interna demonstra seletividade e hesitação diante da necessidade de confrontar os crimes do passado.

É necessário um processo de conscientização pública sobre a importância da revisão da anistia para consolidar o pacto democrático e para que o país avance rumo a uma verdadeira reconciliação nacional, baseada no reconhecimento das violações e na responsabilização dos culpados.

Assim, a anistia, quando aplicada em desacordo com as normas internacionais de direitos humanos, transforma-se em um obstáculo jurídico, político e moral para a consolidação da justiça, da democracia e da memória institucional.

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Sobre o autor
João Cleantes de Farias Filho

Estudante de Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARIAS FILHO, João Cleantes. Anistia no Direito brasileiro.: Fundamentos, controvérsias e implicações jurídicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7969, 26 abr. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113680. Acesso em: 5 dez. 2025.

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