Considerações finais
A efetivação dos direitos sociais não pode ser tratada como promessa constitucional ineficaz, tampouco como concessão sujeita à conveniência do governante de turno. O que se buscou sustentar ao longo deste trabalho é que a realização desses direitos constitui encargo jurídico e político do Estado brasileiro, inseparável da legitimidade do poder que exerce. Não há política pública que se sustente sem planejamento orçamentário, tal como é preciso reconhecer, como bem ensinam Stephen Holmes e Cass Sunstein, que todo direito tem um custo — e que a sua efetivação exige estrutura institucional e recursos orçamentários para sua concretização.
Como nos ensina Margarida Cantarelli, o poder político precisa ser legitimado pelo Direito e orientado pelo bem comum, pois é dessa legitimidade que deriva sua capacidade de transformar a realidade social, mormente em direção à redução da pobreza e das desigualdades. Do contrário, quando desconectado de fundamentos jurídicos e éticos, o poder tende a degenerar-se em instrumento de exclusão e perpetuação das desigualdades que deveria combater. É exatamente para evitar esse desvio de finalidade que a Constituição de 1988 não autoriza a omissão: ao contrário - exige compromisso ativo, estrutura o Estado para que os direitos sejam exequíveis e impõe aos poderes constituídos a tarefa de concretizá-los com prioridade, racionalidade e justiça.
Persistir na desigualdade, quando há meios institucionais e orçamentários para combatê-la, não pode ser compreendido apenas como ineficiência, mas como escolhas políticas portadoras de autoria — e, sobretudo, consequências. Com efeito, diversos estudos econômicos e sociais já demonstraram, com clareza, os efeitos concretos e positivos das políticas públicas redistributivas sobre os indicadores de saúde, pobreza e desenvolvimento humano.
Assim, não basta alegar limites fiscais. É preciso demonstrar, com precisão, que os recursos arrecadados estão sendo direcionados à superação dos problemas sociais mais graves. E mais: é preciso reconhecer que a política fiscal, quando desvinculada da justiça social, torna-se apenas um exercício contábil a serviço da manutenção da ordem vigente.
Não se trata, portanto, de discutir em abstrato a viabilidade das políticas públicas redistributivas. Através deste breve estudo, buscou-se apresentar evidências empíricas robustas que não permitem margem de dúvidas quanto aos resultados positivos concretos de programas políticos capazes de reduzir índices de pobreza e desigualdade de renda. Em paralelo, essa constatação adquire contornos ainda mais relevantes quando se considera a posição do Brasil no cenário global: ao final de 2024, o país consolidou-se como a 10ª maior economia do mundo, representando 2% do PIB global, segundo dados da Austin Rating32. Em outras palavras, o paradoxo brasileiro não está na escassez absoluta de recursos, mas na contradição entre a sua potência econômica e a persistência de índices alarmantes de desigualdade social.
A Constituição de 1988, ao estabelecer entre seus objetivos fundamentais a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III), oferece as balizas normativas que devem orientar a atuação articulada dos poderes da República. Trata-se de um projeto político-jurídico que impõe obrigações institucionais e prioridades, inclusive no campo fiscal. Soma-se a esse compromisso interno o pacto assumido no plano internacional com a Agenda 2030 da ONU, que contempla 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) voltados à promoção de sociedades mais justas, igualitárias e ambientalmente responsáveis. O Brasil, ao incorporar os ODS ao seu Plano Plurianual 2024–2027, reconheceu formalmente que o orçamento público é também o espaço onde se realiza — ou se frustra — esse compromisso global com o desenvolvimento sustentável.
Com isso, é de insofismável conclusão que o paradoxo de um país rico, que sabe o que precisa ser feito, mas insiste em não fazer, já ultrapassou os limites da razoabilidade democrática e da decência republicana. O Brasil possui recursos, marcos jurídicos e compromissos internacionais — o que lhe falta, portanto, não é capacidade, mas compromisso político-orçamentário orientado pela justiça social. É preciso romper com a naturalização da desigualdade e resgatar, com seriedade e coragem institucional, o papel do orçamento público como ferramenta de concretização da dignidade brasileira há muito negligenciada, pois já não há mais espaço para a omissão deliberada nem para a pretensa neutralidade da política fiscal diante das urgências sociais que desafiam o pacto constitucional. O orçamento é escolha. E escolher pela vida, pela justiça e pelos direitos fundamentais é, hoje, a única forma legítima de sustentar o pacto constitucional que nos constitui como República.
Referências bibliográficas
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Notas
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Ibidem.
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