Segurança Privado pode revistar? Entenda a diferença entre inspeção e busca pessoal

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05/05/2025 às 12:29
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5. Consequências da Revista Irregular: A Ilicitude da Prova

A realização de revistas ou buscas por seguranças privados fora dos limites legais estabelecidos – seja por excederem o escopo da inspeção de segurança permitida, seja por realizarem busca pessoal sem autoridade para tal, ou por agirem com abuso, discriminação ou sem o consentimento do indivíduo (nos casos em que ele é exigido) – acarreta consequências jurídicas significativas. A mais relevante no âmbito processual penal é a ilicitude da prova obtida por meio dessa ação irregular.

O ordenamento jurídico brasileiro, em sintonia com garantias fundamentais, veda expressamente a utilização de provas obtidas por meios ilícitos no processo. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LVI, estabelece de forma categórica:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

Essa garantia constitucional é regulamentada pelo Código de Processo Penal (CPP), que detalha o conceito e as consequências da prova ilícita em seu artigo 157:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. § 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. § 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. § 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.

Quando um segurança privado realiza uma busca pessoal invasiva, sem fundada suspeita (que de qualquer forma não poderia legitimar sua ação, por ser ato de agente público) e sem o consentimento explícito e informado do indivíduo, ou quando a inspeção de segurança extrapola os limites da proporcionalidade e impessoalidade, violando direitos como a intimidade ou a dignidade, a prova eventualmente encontrada (como drogas, armas ou outros objetos ilícitos) é considerada obtida por meio ilícito. Isso ocorre porque a ação do segurança violou normas legais (como a que reserva a busca pessoal a agentes públicos – art. 244. do CPP) e/ou garantias constitucionais (como a inviolabilidade da intimidade e da privacidade – art. 5º, X, CF).

A consequência direta é que essa prova não poderá ser utilizada para fundamentar uma acusação ou condenação criminal. Ela deve ser declarada inadmissível pelo juiz e retirada fisicamente (desentranhada) dos autos do processo.

Além disso, aplica-se a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada (consagrada no § 1º do art. 157. do CPP), segundo a qual não apenas a prova diretamente obtida de forma ilícita é inadmissível, mas também todas as outras provas que dela derivaram. Por exemplo, se uma busca ilegal realizada por um segurança encontra uma pequena quantidade de droga e, com base apenas nessa descoberta, a polícia é chamada e posteriormente obtém uma confissão ou encontra mais drogas na casa do suspeito, tanto a droga encontrada inicialmente quanto a confissão e as demais provas subsequentes podem ser consideradas ilícitas por derivação, a menos que se demonstre uma fonte totalmente independente para elas.

A jurisprudência dos tribunais brasileiros tem reiteradamente aplicado esse entendimento em casos envolvendo revistas irregulares por seguranças privados. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), no julgamento da Apelação Criminal nº 5008529-74.2018.8.21.0019, decidiu pela ilicitude de provas obtidas em revista pessoal por segurança de supermercado, destacando a ausência de voluntariedade e a violação de garantias:

"A prova obtida mediante revista pessoal realizada por agente de segurança privada, sem voluntariedade do revistado e fora das hipóteses legais que autorizam a busca pessoal (art. 244. do CPP), é ilícita, por violação a direitos e garantias fundamentais. Aplicação do art. 5º, LVI, da CF, e art. 157. do CPP." (Referência adaptada do julgado TJ-RS - ApCrim 5008529-74.2018.8.21.0019, j. 29/06/2023, conforme citado na fonte original).

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também possui precedentes nesse sentido, como no Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 855.672/SP, onde se discutiu a validade de provas encontradas após abordagem por seguranças metroviários, reafirmando que a busca pessoal é prerrogativa de agentes policiais e que sua realização por particulares, fora das exceções legais (como o flagrante delito, limitado à contenção), gera a ilicitude da prova. (STJ - AgRg no HC 855.672/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 23/10/2023, DJe de 27/10/2023 - Nota: A data de julgamento pode diferir ligeiramente da fonte original, mas o teor é consistente com a linha jurisprudencial).

Além da esfera processual penal, a revista irregular pode gerar responsabilidade civil para o segurança e para o estabelecimento (obrigação de indenizar por danos morais) e, dependendo das circunstâncias (uso de violência, constrangimento ilegal, abuso de autoridade se o segurança se passar por policial), até mesmo responsabilidade criminal para o agente da segurança.

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Portanto, o respeito aos limites legais na atuação da segurança privada não é apenas uma questão de conformidade legal, mas uma condição essencial para a validade das ações e das provas eventualmente coletadas, além de resguardar os direitos fundamentais dos cidadãos.


Fonte: https://bejur.com.br/document/view/140

Sobre o autor
Diego Vieira Dias

Funcionário Público, ex-advogado e eterno estudante...

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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