1. Introdução: Inscrição Indevida e o Dano Moral no Direito do Consumidor
Os cadastros de proteção ao crédito, como os mantidos pela Serasa Experian, SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito) e Boa Vista (administradora do SCPC - Serviço Central de Proteção ao Crédito), são ferramentas essenciais na dinâmica das relações de consumo e financeiras no Brasil. Eles funcionam como bancos de dados que reúnem informações sobre o histórico de crédito de milhões de consumidores, servindo como um termômetro para a análise de risco por parte de empresas e instituições financeiras na hora de conceder empréstimos, financiamentos ou vendas a prazo. A existência desses cadastros visa a conferir maior segurança ao mercado, reduzindo a inadimplência e, em tese, possibilitando condições de crédito mais favoráveis.
Contudo, a complexidade e o volume de informações gerenciadas por esses sistemas abrem margem para a ocorrência de erros. A inclusão ou manutenção indevida do nome de um consumidor nesses cadastros é uma situação relativamente comum e que pode gerar consequências severas para o indivíduo. Uma negativação equivocada pode obstruir o acesso a crédito, impedir a realização de negócios, causar constrangimentos e, fundamentalmente, abalar a reputação e a honra do consumidor.
Diante desse cenário, o ordenamento jurídico brasileiro, com destaque para o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), estabelece mecanismos de proteção. A regra geral, consolidada tanto na legislação quanto na jurisprudência pátria, é que a inscrição indevida do nome do consumidor em cadastros de inadimplentes configura um ato ilícito que gera o dever de indenizar. Essa responsabilidade, no âmbito das relações de consumo, é frequentemente objetiva, ou seja, independe da comprovação de culpa por parte do fornecedor que promoveu a inscrição ou do órgão que a mantém, bastando a demonstração do ato ilícito (a inscrição indevida) e o nexo causal com o dano sofrido pelo consumidor, conforme preconiza o artigo 14 do CDC:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Nesse contexto, a jurisprudência majoritária, especialmente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), firmou o entendimento de que o dano moral decorrente da inscrição indevida é in re ipsa, ou seja, presumido. Isso significa que o prejuízo extrapatrimonial (o abalo à honra, à imagem, à dignidade) é considerado uma consequência direta e natural do próprio ato de negativar indevidamente o nome de alguém, dispensando o consumidor de produzir provas específicas sobre seu sofrimento ou angústia. A simples ocorrência do fato (a negativação irregular) já é suficiente para caracterizar o dano moral. Como exemplo, o STJ já decidiu:
"Nos casos de protesto indevido de título ou inscrição irregular em cadastros de inadimplentes, o dano moral se configura in re ipsa, isto é, prescinde de prova, ainda que a prejudicada seja pessoa jurídica." (REsp 1.059.663/MS, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJe 17/12/2008).
Entretanto, essa presunção de dano moral não é absoluta. Existe uma exceção relevante, objeto central deste artigo, consolidada pelo STJ através da Súmula 385. Este enunciado estabelece que, na hipótese de o consumidor já possuir uma inscrição legítima e preexistente em seu nome nos cadastros de inadimplentes, uma nova anotação, mesmo que comprovadamente indevida, não ensejará o direito à indenização por danos morais. A lógica subjacente a essa exceção é que a honra e a reputação creditícia do consumidor já estariam maculadas pela anotação anterior válida.
Este artigo visa, portanto, aprofundar a análise sobre a Súmula 385 do STJ, explorando seus fundamentos, os requisitos para sua aplicação, as situações em que ela pode ser flexibilizada e as implicações práticas para os consumidores que enfrentam o problema da negativação indevida quando já possuem outros apontamentos em seu histórico de crédito.
2. A Súmula 385 e o Tema Repetitivo 922 do STJ: A Norma de Referência
Para compreender a exceção à regra geral da indenização por dano moral em casos de inscrição indevida, é fundamental analisar os dois principais marcos jurisprudenciais estabelecidos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema: a Súmula 385 e o Tema Repetitivo 922.
A. Súmula 385: A Exceção Consolidada
Editada em 2009, a Súmula 385 do STJ pacificou um entendimento que já vinha se delineando na corte, criando uma regra específica para situações de múltiplas inscrições. Seu texto é direto:
Súmula 385 do STJ: "Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento."
A racionalidade por trás deste enunciado baseia-se na percepção de que o principal bem jurídico tutelado na indenização por dano moral nesses casos – a honra objetiva, a reputação creditícia, o "bom nome na praça" – já estaria comprometido por uma inscrição anterior que seja legítima. Ou seja, se o consumidor já era, de forma válida, considerado um "mau pagador" perante o mercado devido a um débito anterior não quitado e corretamente registrado, uma nova inscrição, ainda que irregular, não teria o condão de causar um novo abalo moral indenizável relacionado ao acesso ao crédito. O dano à imagem creditícia, nesse cenário, seria preexistente.
É crucial notar a parte final da Súmula: "ressalvado o direito ao cancelamento". Isso significa que, mesmo que a indenização por dano moral seja afastada pela existência de um registro legítimo anterior, o consumidor não perde o direito de exigir a exclusão da anotação irregular. A Súmula não valida a inscrição indevida; ela apenas limita a consequência indenizatória no campo moral sob a ótica da preexistência de mácula à reputação. A incorreção factual (o registro indevido) deve ser sempre corrigida.
Um exemplo da aplicação direta da Súmula pode ser visto no Acórdão 1962266 do TJDFT:
"(...) o dano moral não pode ser presumido, devendo ser comprovado. Assim, não é aplicável a tese do dano moral presumido, observando-se que a Súmula 385 do STJ dispões que ‘da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento’. (...) Dano moral não comprovado." (Acórdão 1962266, 0715517-35.2024.8.07.0020, Relator(a): SILVANA DA SILVA CHAVES, SEGUNDA TURMA RECURSAL, data de julgamento: 03/02/2025, publicado no DJe: 13/02/2025).
B. Tema Repetitivo 922: Reforço e Vinculação
Diante da persistência de recursos sobre a matéria e buscando conferir maior segurança jurídica e uniformidade na aplicação da Súmula 385, o STJ afetou a questão ao rito dos recursos repetitivos, culminando no julgamento do Tema 922 em 2016. A tese fixada foi:
Tema 922 do STJ: "A inscrição indevida comandada pelo credor em cadastro de inadimplentes, quando preexistente legítima anotação, não enseja indenização por dano moral, ressalvado o direito ao cancelamento. Inteligência da Súmula 385/STJ."
O julgamento sob o rito dos repetitivos (previsto nos artigos 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil) confere força vinculante à tese fixada, o que significa que todos os juízes e tribunais do país devem seguir esse entendimento ao julgar casos idênticos. O Tema 922, essencialmente, reitera e reforça o conteúdo da Súmula 385, especificando que essa regra se aplica à situação em que a inscrição indevida é "comandada pelo credor" (ou seja, a discussão principal envolve a inexistência ou irregularidade do débito que originou a inscrição) e existe uma "legítima anotação preexistente".
O próprio acórdão que julgou o Tema 922 (REsp 1.386.424/MG) cuidou de fazer uma distinção importante: a tese ali firmada não se confunde com a responsabilidade do órgão mantenedor do cadastro (Serasa, SPC, etc.) pela ausência da notificação prévia ao consumidor, exigida pelo artigo 43, §2º do CDC. A falha na notificação prévia é uma irregularidade distinta, cuja responsabilidade recai sobre o órgão cadastral (conforme Súmula 359 do STJ: "Cabe ao órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao Crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição.") e pode gerar dano moral indenizável independentemente da existência de outras inscrições, pois o dano, nesse caso, decorre da surpresa e da impossibilidade de evitar a negativação. O Tema 922 e a Súmula 385 focam na relação entre o consumidor e o credor que promoveu a inscrição de uma dívida inválida, condicionando o dano moral à inexistência de outras máculas legítimas preexistentes.
Portanto, a Súmula 385 e o Tema 922 formam o núcleo normativo-jurisprudencial que rege a questão da indenização por danos morais em casos de inscrição indevida na presença de registros legítimos anteriores, estabelecendo uma exceção à presunção de dano, mas sempre garantindo o direito à correção do cadastro.
3. Desvendando os Conceitos: Inscrição Indevida, Cadastros, Dano Moral e Registro Legítimo
A correta aplicação da Súmula 385 do STJ exige a compreensão precisa dos termos e conceitos jurídicos envolvidos. Vamos detalhar os quatro pilares dessa discussão: a inscrição indevida, os cadastros de inadimplentes, o dano moral e o registro legítimo anterior.
A. Inscrição Indevida
Uma "inscrição indevida" ocorre quando o nome de um consumidor é incluído ou mantido nos cadastros de proteção ao crédito de maneira irregular, seja por um erro quanto à existência ou exigibilidade da dívida, seja por uma falha no procedimento de registro. Não se trata apenas de uma dívida inexistente, mas de qualquer anotação que viole as normas legais ou contratuais. As causas mais comuns que tornam uma inscrição indevida incluem:
-
Dívida Inexistente: O consumidor nunca estabeleceu a relação jurídica que deu origem à suposta dívida (ex: fraude, homonímia, erro cadastral).
-
Dívida Já Paga: O débito foi quitado pelo consumidor, mas o credor não solicitou a baixa do registro ou o fez fora do prazo legal (ver Súmula 548 do STJ).
-
Dívida Prescrita: A pretensão de cobrança judicial da dívida já se encontra extinta pelo decurso do tempo (prescrição). O Código de Defesa do Consumidor, no Art. 43, §5º, veda expressamente que informações sobre dívidas prescritas sejam usadas para impedir o acesso ao crédito: "Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores."
-
Ausência de Notificação Prévia: O consumidor não foi comunicado por escrito sobre a futura inscrição, conforme exige o Art. 43, §2º do CDC: "A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele." A ausência dessa comunicação prévia pelo órgão mantenedor do cadastro torna a inscrição irregular, conforme entendimento pacífico do STJ (Súmula 359).
-
Manutenção Abusiva: A inscrição é mantida por prazo superior ao limite legal de 5 anos (Art. 43, §1º do CDC) ou após o prazo para baixa depois do pagamento (Súmula 548 do STJ).
-
Dívida Sub Judice ou Contestada: A dívida está sendo discutida judicialmente ou foi objeto de contestação administrativa legítima por parte do consumidor (ex: cobrança de serviço não prestado ou cancelado).
Qualquer uma dessas situações pode caracterizar a inscrição como "indevida" ou "irregular", abrindo caminho, em regra, para o pedido de cancelamento e indenização.
B. Cadastros de Inadimplentes
São bancos de dados, geridos por entidades majoritariamente privadas (conhecidas como birôs de crédito), que coletam, armazenam e disponibilizam informações sobre o histórico de crédito e o comportamento de pagamento dos consumidores. No Brasil, os mais conhecidos são a Serasa Experian, o SPC Brasil (ligado às Câmaras de Dirigentes Lojistas - CDLs) e a Boa Vista Serviços (que administra o SCPC - Serviço Central de Proteção ao Crédito, historicamente ligado às Associações Comerciais). O Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos (CCF) do Banco Central também é uma fonte relevante de informações restritivas.
A função primordial desses cadastros é fornecer informações ao mercado (bancos, financeiras, varejo) para auxiliar na análise e concessão de crédito, precificação de risco e prevenção a fraudes. A existência e operação desses bancos de dados são reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor, especialmente em seu artigo 43, que garante ao consumidor o acesso às informações, o direito à retificação de dados incorretos e estabelece limites temporais para as informações negativas.
Recentemente, tem ganhado relevância na jurisprudência, como observado em decisões do TJDFT (Acórdãos 1931036 e 1922577), a discussão sobre se o Sistema de Informações de Crédito do Banco Central (SCR/BACEN) deve ser equiparado a um cadastro de inadimplentes para fins de aplicação da Súmula 385. Embora sua finalidade principal seja a supervisão do sistema financeiro, as informações negativas ali contidas (como prejuízos em operações de crédito) são consultadas por instituições financeiras em suas análises, levando alguns tribunais a considerá-lo como um registro restritivo relevante para a Súmula.
C. Danos Morais (neste Contexto)
O dano moral, ou extrapatrimonial, refere-se à lesão a direitos da personalidade, como a honra, a imagem, a reputação, a privacidade, a dignidade ou a integridade psíquica da pessoa. Diferente do dano material, ele não atinge o patrimônio econômico diretamente, mas causa sofrimento, vexame, humilhação ou constrangimento.
No caso da inscrição indevida em cadastros de inadimplentes, a jurisprudência dominante entende que o dano moral é in re ipsa (presumido). Presume-se que ter o nome associado a listas de "maus pagadores" de forma injusta afeta negativamente a imagem e a credibilidade do indivíduo, dificultando sua vida civil e comercial, sendo desnecessária a prova do sofrimento íntimo.
A Súmula 385, contudo, atua precisamente sobre essa presunção. Ela estabelece que, se houver um registro legítimo anterior, a presunção de dano moral pela nova inscrição (indevida) é afastada. A lógica é que a "mancha" na reputação creditícia já existia. Nesse cenário, para obter indenização, o consumidor teria que provar um dano adicional e específico causado pela inscrição indevida mais recente, um ônus probatório consideravelmente mais difícil.
D. Registro Legítimo Anterior
Este é o elemento central para a aplicação da Súmula 385. Não basta a mera existência de qualquer anotação anterior no nome do consumidor. Para que a Súmula incida e afaste a indenização, o registro preexistente deve ser "legítimo". A legitimidade aqui envolve aspectos materiais e formais:
-
Validade da Dívida: O débito que originou a inscrição anterior deve ser real, vencido e exigível.
-
Notificação Prévia: O consumidor deve ter sido comunicado previamente sobre aquela inscrição anterior (Art. 43, §2º, CDC). A ausência de notificação torna a inscrição anterior irregular e, portanto, não "legítima" para fins da Súmula.
-
Preexistência Temporal: O registro deve ser comprovadamente anterior à inscrição indevida que está sendo discutida na ação atual e deve estar ativo no momento desta.
-
Observância dos Prazos: A inscrição anterior não pode ter ultrapassado o prazo máximo de manutenção de 5 anos (Art. 43, §1º, CDC) e nem pode ser referente a dívida já prescrita (Art. 43, §5º, CDC).
O ônus de comprovar a existência e a legitimidade dessa inscrição anterior recai sobre quem alega a aplicação da Súmula 385 como excludente de responsabilidade (normalmente, a empresa ré). Se a parte ré não conseguir demonstrar cabalmente a legitimidade do registro preexistente, a Súmula não se aplica, e a regra geral do dano moral in re ipsa pela inscrição indevida atual volta a prevalecer.
4. O Que Torna um Registro Anterior "Legítimo"? Requisitos Essenciais
A aplicação da Súmula 385 do STJ, que afasta a indenização por danos morais em caso de inscrição indevida quando há registro preexistente, depende inteiramente da comprovação de que essa anotação anterior era, de fato, "legítima". A simples existência de um apontamento passado não é suficiente. A legitimidade é um conceito que abrange tanto a validade da dívida em si quanto a regularidade formal do procedimento de inscrição e manutenção do registro. Vejamos os requisitos essenciais:
A. Validade Substantiva da Dívida Originária
O pilar fundamental da legitimidade de qualquer inscrição é a existência de uma dívida válida, vencida e exigível. O registro anterior só pode ser considerado legítimo se decorrer de uma obrigação real e não cumprida pelo consumidor. Portanto, uma inscrição preexistente não será considerada legítima se for baseada em:
-
Dívida Inexistente: Originada por fraude, erro de identificação (homônimos), ou contratação não realizada pelo consumidor.
-
Dívida Quitada Antes da Inscrição: Se o débito que deu causa à anotação anterior já havia sido pago antes mesmo de o registro ser efetuado.
-
Dívida Inexigível: Decorrente de cobranças comprovadamente abusivas, ilegais, ou relativas a serviços não prestados ou cancelados corretamente.
-
Dívida Contestada com Êxito: Se a dívida foi objeto de disputa judicial ou administrativa na qual o consumidor obteve decisão favorável reconhecendo sua inexigibilidade antes da nova inscrição indevida.
A prova da relação jurídica válida (contratos, notas fiscais, etc.) que deu origem à dívida anterior é ônus de quem alega a legitimidade da inscrição para aplicar a Súmula 385. Sem uma dívida válida na origem, a inscrição dela decorrente carece de legitimidade material.
B. Notificação Prévia da Inscrição Anterior (Art. 43, §2º, CDC)
Um dos requisitos formais mais importantes para a regularidade de uma inscrição em cadastro de inadimplentes é a comunicação prévia ao consumidor. O Código de Defesa do Consumidor é explícito:
Art. 43, §2º, CDC: "A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele."
O STJ interpreta este dispositivo de forma rigorosa:
-
Obrigatoriedade e Responsabilidade: A notificação prévia é condição indispensável para a regularidade da inscrição. A responsabilidade pelo envio dessa comunicação é do órgão mantenedor do cadastro (Serasa, SPC, etc.), e não do credor que solicitou a inclusão, conforme a Súmula 359 do STJ: "Cabe ao órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao Crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição."
-
Forma da Notificação: A comunicação deve ser feita por escrito, via correspondência enviada ao endereço fornecido pelo consumidor. O STJ tem entendimento consolidado de que a notificação realizada exclusivamente por meios eletrônicos (e-mail, SMS) não é suficiente para cumprir a exigência legal, pois não há garantia de ciência efetiva pelo consumidor. O objetivo é dar ao devedor a chance de quitar o débito ou discuti-lo antes da negativação.
-
Aviso de Recebimento (AR): Embora a notificação seja obrigatória, o STJ entende que não é necessário o Aviso de Recebimento (AR) na carta. Basta a comprovação do envio da correspondência para o endereço correto do consumidor (Tema Repetitivo 59/STJ).
Portanto, se a inscrição anterior, utilizada como argumento para aplicar a Súmula 385, foi realizada sem a devida notificação prévia comprovada pelo órgão de cadastro, ela padece de vício formal essencial e não pode ser considerada "legítima". Sua existência não impedirá a indenização pela inscrição indevida subsequente.
C. Preexistência Temporal e Atividade do Registro
A Súmula 385 exige que a inscrição legítima seja "preexistente". Isso tem duas implicações temporais cruciais:
-
Anterioridade Estrita: O registro legítimo deve ter sido efetuado e estar ativo antes da ocorrência da inscrição indevida que é objeto da ação judicial atual. O STJ já pacificou que uma inscrição legítima realizada depois da inscrição indevida não retroage para aplicar a Súmula 385 e afastar o dano moral. A análise da condição do consumidor (se tinha ou não o "nome limpo") é feita no exato momento do ato ilícito (a inscrição indevida atual). Se naquele instante não havia anotação legítima anterior, o dano moral in re ipsa está configurado.
-
Registro Ativo: A inscrição anterior deve estar ativa e válida no momento da nova inscrição indevida. Registros que já foram cancelados (por pagamento, acordo, decisão judicial) ou que deveriam ter sido baixados (por exemplo, após o prazo da Súmula 548 STJ) antes da nova negativação não são considerados preexistentes para os fins da Súmula 385.
D. Respeito aos Limites Temporais de Manutenção (Art. 43, §1º e §5º, CDC)
O CDC estabelece prazos máximos para a permanência de informações negativas nos cadastros:
Art. 43, §1º, CDC: "Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a 5 (cinco) anos."
Art. 43, §5º, CDC: "Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores."
Havia debate sobre qual prazo prevaleceria (o quinquenal do §1º ou o prescricional da dívida do §5º, caso fosse menor). A Súmula 323 do STJ pacificou a questão, indicando que o limite principal é o de 5 anos:
Súmula 323 do STJ: "A inscrição do nome do devedor pode ser mantida nos serviços de proteção ao crédito até o prazo máximo de cinco anos, independentemente da prescrição da execução."
Assim, uma inscrição preexistente que já tenha ultrapassado o prazo legal de manutenção de cinco anos (contados da data de vencimento da dívida não paga, conforme entendimento majoritário) no momento da nova inscrição indevida é considerada irregular e, portanto, não é "legítima" para fins de aplicação da Súmula 385.
Em resumo, a legitimidade de um registro anterior é uma condição complexa que exige a presença cumulativa de validade da dívida, notificação prévia regular, preexistência temporal e respeito aos prazos de manutenção. A falha em qualquer um desses requisitos invalida o registro anterior como fundamento para afastar a indenização por danos morais com base na Súmula 385.