Pejotização, ativismo judicial e omissão legislativa: A precarização do trabalho sob o manto da liberdade econômica

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05/05/2025 às 21:09
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A pejotização, fenômeno crescente nas relações de trabalho no Brasil, reflete uma profunda transformação do vínculo tradicional entre empregador e empregado, sendo frequentemente utilizada como instrumento de flexibilização contratual, redução de custos e mitigação de encargos trabalhistas. Ao transformar trabalhadores subordinados em prestadores de serviço formalmente autônomos, sob o manto da constituição de pessoa jurídica, tal prática desafia os princípios clássicos do Direito do Trabalho, especialmente o da primazia da realidade e o da proteção ao hipossuficiente.

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do ministro Gilmar Mendes, que determinou a suspensão nacional de todos os processos que tratam sobre a validade da pejotização, revela não apenas a centralidade do Judiciário na regulação dessas novas formas contratuais, mas também a inércia legislativa que agrava a insegurança jurídica e compromete a efetividade das normas protetivas. A ausência de uma legislação atualizada e precisa sobre o tema obriga a jurisprudência a ocupar um espaço que deveria ser normativo, resultando na consolidação de decisões fragmentadas, por vezes contraditórias, que tornam instável a relação entre capital e trabalho.

A ascensão da liberdade econômica como valor normativo, especialmente a partir da promulgação da Lei nº 13.874/2019, ampliou os argumentos utilizados para defender modelos de contratação mais flexíveis. Contudo, essa liberdade, quando aplicada indiscriminadamente às relações laborais, ignora a natureza assimétrica entre os sujeitos contratantes e enfraquece a rede de proteção social construída historicamente no Brasil. A pejotização, nesse cenário, surge não como uma opção real do trabalhador, mas como uma imposição velada que compromete sua dignidade e seus direitos fundamentais.

O artigo propõe uma análise crítica da pejotização como fenômeno jurídico e social, explorando seus impactos nas garantias trabalhistas e os limites do ativismo judicial frente à omissão legislativa. Examina-se a tensão entre eficiência econômica e justiça social, a partir da compreensão de que o trabalho não pode ser tratado apenas como mercadoria, mas como expressão da dignidade humana. A fragilização das garantias asseguradas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), somada à insuficiência de mecanismos fiscalizatórios eficazes, cria um ambiente propício para a legitimação de vínculos contratuais que se distanciam da proteção jurídica substancial.

Dessa forma, torna-se imperioso reivindicar uma reforma legislativa que não apenas reconheça as novas realidades do mercado de trabalho, mas que também reafirme o compromisso constitucional com os princípios da dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho e da função social da empresa. O desafio não reside na rejeição automática de novos modelos contratuais, mas na construção de critérios normativos claros, objetivos e justos que possam distinguir o trabalho autônomo legítimo da precarização disfarçada de inovação.

O artigo conclui que a solução para os conflitos envolvendo a pejotização não pode estar exclusivamente nas mãos do Poder Judiciário, sob pena de se perpetuar a insegurança jurídica e a desproteção trabalhista. É necessária uma atuação legislativa proativa, informada pelo diálogo social e pela análise das transformações reais do mundo do trabalho, para assegurar que a modernização das relações laborais ocorra sem o sacrifício dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Sem esse compromisso, corre-se o risco de transformar a liberdade econômica em instrumento de exclusão social e institucionalização da precarização.

Palavras-chave: Pejotização. Liberdade Econômica. Ativismo Judicial. Reforma Trabalhista. STF. Precarização do Trabalho. Proteção Social. Relação de Emprego. Insegurança Jurídica. Dignidade do Trabalhador. CLT. Jurisprudência. Omissão Legislativa. Contrato de Prestação de Serviços. Função Social do Trabalho.


I. A pejotização e os dilemas contemporâneos das relações de trabalho no Brasil

A pejotização, fenômeno crescente no cenário brasileiro, refere-se à prática de contratar trabalhadores por meio de pessoas jurídicas por eles próprios constituídas, com o objetivo de disfarçar uma relação de emprego típica e, com isso, reduzir obrigações trabalhistas e previdenciárias. Trata-se de uma estratégia empresarial que, embora defendida sob o argumento da liberdade econômica e da eficiência contratual, representa, na maioria das vezes, uma forma de precarização do trabalho.

Sob o manto da modernização, a pejotização vem se consolidando como uma alternativa informal à CLT, especialmente após a Reforma Trabalhista de 2017, que fragilizou garantias fundamentais e abriu espaço para contratos atípicos. Essa realidade é intensificada pela retórica do empreendedorismo, que induz muitos trabalhadores a aceitarem o enquadramento como "prestadores de serviço" mesmo quando sua atividade preenche os requisitos clássicos do vínculo empregatício: subordinação, habitualidade, pessoalidade e onerosidade.

A ausência de uma legislação clara e específica sobre os limites da pejotização tem impulsionado a judicialização em massa do tema. O Judiciário, em particular a Justiça do Trabalho, tem julgado casos individualizados com base no princípio da primazia da realidade, reconhecendo o vínculo onde há fraude na forma de contratação. Contudo, essa atuação casuística resultou em insegurança jurídica para todos os envolvidos. A recente decisão do ministro Gilmar Mendes, que suspendeu nacionalmente os processos sobre o tema, reflete não apenas a tentativa de uniformização, mas sobretudo o vácuo legislativo e o improviso jurisprudencial que passaram a reger o mundo do trabalho.

I.I A origem estrutural do problema

O surgimento da pejotização não pode ser compreendido de forma isolada. Ele está inserido num contexto mais amplo de transformações econômicas globais, reestruturação produtiva e avanço do neoliberalismo, que impuseram aos Estados nacionais pressões por flexibilização das leis trabalhistas. No Brasil, a pejotização foi uma resposta empresarial ao chamado “custo Brasil”, um conjunto de encargos, tributos e obrigações que oneram a contratação formal.

Ao invés de propor uma reforma trabalhista ampla e dialogada, o Estado brasileiro optou por intervenções fragmentadas que, longe de resolverem os dilemas do mundo do trabalho, contribuíram para sua complexificação. A pejotização se tornou uma forma disfarçada de terceirização individual, esvaziando os fundamentos do Direito do Trabalho como ramo jurídico vocacionado à proteção da parte hipossuficiente.

A informalidade institucionalizada por meio da pejotização escancara as fragilidades da estrutura estatal em garantir a dignidade da pessoa humana no ambiente de trabalho. O próprio discurso da liberdade de contratar, amplamente difundido após a Reforma de 2017, passou a funcionar como mecanismo de legitimação de desigualdades e de aprofundamento da exploração, com aparência de legalidade.

I.II O papel do Judiciário diante da omissão legislativa

A atuação do Supremo Tribunal Federal, ao suspender o trâmite de todos os processos sobre pejotização até o julgamento definitivo da matéria, demonstra o protagonismo cada vez mais acentuado do Judiciário nas questões estruturais do mundo do trabalho. Essa medida revela, por um lado, a tentativa de preservar a coerência jurisprudencial e, por outro, a constatação de que o Legislativo tem falhado em regular fenômenos contemporâneos do trabalho.

Na prática, o STF assumiu a responsabilidade de decidir sobre a constitucionalidade da pejotização, colocando em confronto direto dois pilares da ordem jurídica brasileira: a liberdade econômica e a função social do trabalho. Ao fazê-lo, o Judiciário se coloca como árbitro de disputas que deveriam ser resolvidas por meio de instrumentos democráticos, como o debate parlamentar, audiências públicas e pactuações tripartites.

A suspensão dos processos acarreta efeitos concretos para os trabalhadores. Muitos permanecem à espera do reconhecimento de seus direitos, sem amparo legal nem proteção imediata. Essa paralisação judicial cria um limbo normativo que beneficia, sobretudo, os empregadores, ao postergar o dever de cumprir obrigações trabalhistas até que o STF pacifique o entendimento. É uma medida que, embora justificada pela necessidade de segurança jurídica, acaba por produzir insegurança social.

Além disso, o risco de constitucionalização da pejotização é real e preocupante. Um julgamento que chancelasse essa prática poderia significar um retrocesso histórico na proteção dos direitos sociais. Em nome da eficiência econômica e da liberdade de contratar, pode-se institucionalizar uma nova forma de subemprego disfarçado de autonomia. Por isso, é fundamental que a Suprema Corte adote critérios rígidos, baseados na realidade concreta das relações laborais e no princípio da dignidade da pessoa humana, para evitar que o Direito se torne cúmplice da precarização.


II. A colisão entre liberdade econômica e proteção social no contexto da pejotização

A pejotização insere-se em uma zona de tensão entre dois princípios constitucionais fundamentais: a liberdade econômica, consagrada especialmente após a promulgação da Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), e a proteção social do trabalho, eixo estruturante da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e da Constituição Federal de 1988. Essa colisão normativa evidencia o conflito entre o modelo de regulação pública das relações laborais e a lógica mercadológica de flexibilização, desregulamentação e individualização das responsabilidades trabalhistas.

Se, por um lado, a liberdade de empreender e contratar busca impulsionar a produtividade, desonerar o setor privado e fomentar a competitividade empresarial, por outro, não pode suprimir as garantias mínimas asseguradas aos trabalhadores enquanto sujeitos de direito. O problema da pejotização, nesse contexto, não está na formalidade da criação de uma pessoa jurídica, mas na realidade material da relação de trabalho que se estabelece, muitas vezes com todos os requisitos do vínculo empregatício disfarçados sob a forma de um contrato civil ou comercial.

A tensão se acentua porque o Estado, em vez de mediar esse conflito com normas claras, tem oscilado entre a omissão legislativa e a judicialização excessiva, delegando ao Judiciário a tarefa de resolver questões que exigiriam um pacto político e social mais amplo. Esse cenário coloca em xeque a eficácia da Constituição como garantidora de direitos fundamentais sociais.

II.I A liberdade econômica como argumento de flexibilização

A retórica da liberdade econômica tem sido mobilizada como justificativa para a ampliação de modelos contratuais mais “livres” e menos regulados. Sustenta-se que, diante das transformações do mercado e da necessidade de desburocratização, a relação entre trabalhador e empresa deve ser redimensionada para comportar formas mais ágeis de contratação, supostamente benéficas para ambas as partes.

Sob essa perspectiva, a pejotização seria uma expressão legítima da autonomia privada, na qual o trabalhador assume o papel de microempreendedor, negociando diretamente sua força de trabalho como prestador de serviços. Contudo, o que se observa, na prática, é uma assimetria brutal de poder entre as partes contratantes. O trabalhador, ao se “pejotizar”, não o faz em plena liberdade de escolha, mas muitas vezes sob coerção econômica: ou aceita essa forma contratual, ou não trabalha.

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A liberdade econômica, portanto, quando utilizada de forma desvinculada dos princípios da dignidade da pessoa humana e da função social do contrato, torna-se um vetor de fragilização dos direitos sociais. O contrato de prestação de serviços, nesse contexto, se transforma em um instrumento de burla à legislação trabalhista, promovendo um processo de desproteção jurídica com aparência de legalidade.

II.II A função social do trabalho e o princípio da primazia da realidade

Em contrapartida à lógica de mercado, o Direito do Trabalho se fundamenta na proteção do trabalhador enquanto parte hipossuficiente da relação jurídica. A função social do trabalho é mais do que um princípio jurídico: é uma diretriz constitucional que orienta todas as normas infraconstitucionais, conferindo ao trabalho não apenas valor econômico, mas dignidade existencial.

A primazia da realidade sobre a forma — princípio consolidado na jurisprudência trabalhista — determina que, para fins de reconhecimento do vínculo empregatício, não importa o rótulo contratual, mas sim os elementos fáticos presentes na relação: pessoalidade, subordinação, onerosidade e habitualidade. É com base nesse princípio que muitos contratos de prestação de serviços são desconstituídos pela Justiça do Trabalho, sendo reconhecida a existência de vínculo empregatício e, portanto, a aplicabilidade dos direitos previstos na CLT.

No entanto, com o crescimento da pejotização e a multiplicação de contratos que ocultam relações de emprego, a aplicação desse princípio tornou-se cada vez mais desafiadora. A sofisticada engenharia contratual utilizada por empresas dificulta a prova da subordinação e da habitualidade, ao passo que a informalidade impede o registro documental das atividades. Essa dificuldade probatória, combinada com a suspensão nacional dos processos sobre o tema, expõe o trabalhador a uma situação de vulnerabilidade prolongada, comprometendo o próprio acesso à justiça.

Portanto, reafirmar a função social do trabalho e a primazia da realidade é essencial não apenas para conter abusos, mas também para preservar o sentido do Direito do Trabalho como instrumento de justiça social. A pejotização, longe de ser um avanço contratual, representa — quando usada de forma fraudulenta — a negação das conquistas históricas dos trabalhadores no Brasil.


III. A suspensão nacional dos processos sobre pejotização e seus impactos no sistema de justiça laboral

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do ministro Gilmar Mendes, de suspender nacionalmente todos os processos que envolvam a controvérsia sobre a licitude ou ilicitude da pejotização, trouxe à tona não apenas a relevância jurídica do tema, mas também os riscos envolvidos na judicialização substitutiva da política legislativa. Essa medida, adotada em sede de repercussão geral, é sintomática de um ordenamento jurídico que tem delegado à Corte Constitucional a mediação de conflitos estruturais em matéria trabalhista, na ausência de um marco legal claro e atualizado.

A suspensão nacional tem efeitos diretos sobre milhares de trabalhadores que, diante de vínculos precarizados, dependem da atuação do Poder Judiciário para verem reconhecidos seus direitos básicos. Ao interromper o curso dos processos em todo o país, cria-se um vácuo de tutela jurisdicional que prolonga a situação de insegurança jurídica, afeta o acesso à justiça e fragiliza a credibilidade da atuação institucional do Judiciário na defesa dos direitos sociais.

Além disso, ao centralizar a decisão sobre a constitucionalidade da pejotização sem um debate democrático no Congresso Nacional, o STF acaba assumindo um protagonismo que tensiona o equilíbrio entre os Poderes, ao mesmo tempo em que influencia a cultura institucional da magistratura trabalhista.

III.I A morosidade judicial como fator de vulnerabilização do trabalhador pejotizado

A paralisação dos processos que discutem a pejotização representa, na prática, a postergação da solução de litígios que envolvem verbas alimentares, reconhecimento de vínculo e acesso a benefícios previdenciários. Trata-se de um impacto que transcende o plano jurídico e adentra a realidade econômica e social dos trabalhadores, cujas condições de subsistência muitas vezes dependem diretamente da prestação jurisdicional.

A morosidade imposta pela suspensão nacional dos feitos revela uma disfunção institucional: ao mesmo tempo em que o Judiciário reconhece a relevância do tema, retira dos juízos singulares e dos tribunais regionais a capacidade de decidir sobre ele, mesmo em casos com provas robustas. Essa suspensão, ainda que tecnicamente justificada por razões de uniformização jurisprudencial, tem como efeito colateral a perpetuação da precariedade e a normalização da pejotização como prática contratual aceita de fato.

Além disso, ao não fixar um prazo para o julgamento do mérito da controvérsia, o STF acaba alimentando um cenário de incerteza para os trabalhadores e para as empresas, incentivando práticas empresariais que apostam na indefinição normativa como estratégia para reduzir custos e diluir responsabilidades.

III.II A judicialização da política trabalhista e o papel do STF na regulação indireta do trabalho

A atuação do STF em temas trabalhistas tem se intensificado nas últimas décadas, especialmente após a Reforma Trabalhista de 2017. No vácuo legislativo deixado pela ausência de atualizações normativas coerentes com a nova realidade do trabalho, a Corte passou a exercer uma espécie de função regulatória indireta, por meio da fixação de teses em repercussão geral.

No caso da pejotização, essa judicialização da política trabalhista suscita importantes questões sobre o papel do Judiciário em um Estado Democrático de Direito. Ao suspender processos e assumir o juízo definitivo sobre a validade de uma prática contratual amplamente difundida, o STF deixa de ser apenas um intérprete da Constituição para se tornar um agente ativo na conformação do regime jurídico do trabalho no Brasil.

Essa atuação, embora necessária diante da inércia do legislador, pode comprometer a legitimidade democrática das decisões, sobretudo quando não há espaço institucional para participação efetiva dos atores sociais interessados — como sindicatos, entidades de classe e associações de trabalhadores.

Portanto, o caso da pejotização evidencia os riscos de uma regulação trabalhista feita por via judicial: ela tende a ser lenta, casuística, descolada da realidade cotidiana das relações de trabalho e, muitas vezes, insensível às desigualdades estruturais que marcam o mercado brasileiro. O desafio é resgatar a centralidade do Legislativo nesse debate, para que os direitos sociais não fiquem à mercê de decisões judiciais esparsas e, por vezes, contraditórias.


IV. Efeitos sistêmicos da pejotização: seguridade social, direitos coletivos e esvaziamento da proteção laboral

A pejotização não se limita à esfera individual do contrato de trabalho: ela representa um fenômeno estrutural com impactos profundos na seguridade social, nos direitos coletivos e na efetividade das normas protetivas do trabalho. Ao subverter a lógica tradicional da relação de emprego — substituindo o vínculo empregatício por vínculos civis ou empresariais —, essa prática fragiliza o tripé que sustenta o sistema jurídico trabalhista brasileiro: a proteção do trabalhador, a contribuição previdenciária compulsória e o equilíbrio nas relações coletivas de trabalho.

A expansão da pejotização tem gerado uma erosão silenciosa da base de financiamento da seguridade social, à medida que substitui contribuições patronais e obrigações sociais por recolhimentos esporádicos e individualizados, muitas vezes abaixo dos valores mínimos exigidos. O resultado é a precarização da rede de proteção estatal, com consequências diretas sobre a aposentadoria, a saúde e a assistência social de milhares de trabalhadores.

Além disso, essa prática enfraquece os sindicatos e compromete a capacidade de negociação coletiva, já que trabalhadores pejotizados não são formalmente reconhecidos como empregados e, portanto, ficam fora do alcance das convenções coletivas e da representação sindical. Trata-se, portanto, de um processo de individualização forçada do trabalho, que mina as conquistas históricas da organização operária.

Do ponto de vista da fiscalização, a pejotização impõe obstáculos à atuação dos auditores fiscais do trabalho, que precisam enfrentar estruturas jurídicas artificialmente montadas para dissimular vínculos empregatícios. A atuação repressiva do Estado, nesses casos, esbarra em dificuldades probatórias, na falta de estrutura e, muitas vezes, na própria insegurança jurídica que permeia o tema.

IV.I A pejotização como fator de desequilíbrio do sistema de seguridade social

  1. A pejotização compromete a arrecadação previdenciária ao retirar da folha de salários valores que seriam devidos a título de contribuição patronal (INSS).

  2. Trabalhadores pejotizados frequentemente recolhem como contribuintes individuais, o que reduz drasticamente o volume arrecadado pela Previdência Social.

  3. A fragmentação do vínculo de emprego dificulta o reconhecimento de tempo de contribuição e de carência para benefícios como auxílio-doença, aposentadoria por tempo e salário-maternidade.

  4. A prática acarreta insegurança sobre os direitos adquiridos e prejudica o planejamento previdenciário dos trabalhadores, que ficam à margem da proteção estatal.

  5. A ausência de registro formal impede o acesso rápido e eficiente aos sistemas do INSS, gerando negativa automática de benefícios.

  6. A pejotização distorce a lógica de solidariedade que fundamenta o sistema de seguridade social, promovendo um modelo individualista e meritocrático que agrava desigualdades.

  7. Empresas que utilizam massivamente a pejotização reduzem custos à custa do enfraquecimento da proteção social, comprometendo a sustentabilidade fiscal do sistema.

  8. A informalidade disfarçada por contratos empresariais mascara os dados estatísticos da Previdência, dificultando o diagnóstico real do déficit e dos desafios atuariais.

  9. Trabalhadores pejotizados não têm acesso facilitado ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o que os priva de uma das poucas formas de poupança compulsória de longo prazo.

  10. Em caso de acidente de trabalho ou doença ocupacional, o trabalhador pejotizado tem mais dificuldade em provar o nexo causal, ficando sem amparo previdenciário adequado.

IV.II O esvaziamento dos direitos coletivos e os desafios da fiscalização trabalhista

  1. A pejotização promove a desestruturação dos sindicatos, já que exclui os trabalhadores “autônomos” da base sindical tradicional.

  2. Sem vínculo formal, o trabalhador não está protegido por convenções e acordos coletivos, ficando sujeito a negociações individuais desequilibradas.

  3. A fragmentação das relações de trabalho dificulta a construção de pautas coletivas, fragilizando as mobilizações e greves.

  4. A pejotização permite que empregadores contornem obrigações legais como piso salarial, jornada máxima, horas extras e adicional noturno.

  5. A substituição de empregados por pessoas jurídicas reduz a força das representações de trabalhadores em comissões internas de prevenção de acidentes (CIPA).

  6. A fiscalização do trabalho encontra sérias dificuldades técnicas para caracterizar o vínculo empregatício em situações de pejotização bem estruturadas formalmente.

  7. Empresas utilizam contratos de prestação de serviços para simular autonomia, com cláusulas genéricas que escondem a subordinação real.

  8. A insuficiência de auditores fiscais e a redução de verbas para fiscalização agravam o cenário, permitindo a proliferação de práticas fraudulentas.

  9. O tempo necessário para comprovar judicialmente a fraude contratual leva à perda de provas e ao enfraquecimento das ações judiciais.

  10. A pejotização induz à judicialização massiva de relações de trabalho, sobrecarregando a Justiça do Trabalho e gerando decisões divergentes.

  11. A ausência de um marco legal claro sobre a licitude da pejotização contribui para a multiplicação de interpretações divergentes, inclusive entre tribunais superiores.

  12. A precarização das relações trabalhistas resulta em menor capacidade de consumo e aumento da desigualdade social, afetando o desenvolvimento econômico.

  13. A pejotização generalizada enfraquece a cultura de cumprimento dos direitos trabalhistas, naturalizando a fraude como parte da prática empresarial.

  14. O enfraquecimento dos coletivos de trabalhadores compromete a luta por pautas estruturais, como valorização do salário mínimo e políticas de segurança no trabalho.

  15. A flexibilização excessiva leva ao desmonte de instituições protetivas criadas ao longo do século XX, como a Justiça do Trabalho e o Ministério do Trabalho.

  16. A insegurança jurídica afeta também as empresas, que vivem sob constante risco de autuação ou condenação judicial futura.

  17. A pejotização impacta a jurisprudência ao obrigar juízes a decidir sobre a licitude da prática caso a caso, criando um cenário de instabilidade decisória.

  18. A tentativa de normatização judicial da pejotização gera tensão entre o STF e o TST, refletindo um conflito institucional não resolvido.

  19. O enfraquecimento dos direitos coletivos mina a força dos trabalhadores frente à agenda neoliberal de reformas que privilegia o capital.

  20. O combate à pejotização exige políticas públicas intersetoriais que articulem fiscalização, reforma legal e valorização das formas coletivas de proteção do trabalho.

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Sobre o autor
Silvio Moreira Alves Júnior

Advogado; Especialista em Direito Digital pela FASG - Faculdade Serra Geral; Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela FASG - Faculdade Serra Geral; Especialista em Direito Penal pela Faculminas; Especialista em Compliance pela Faculminas; Especialista em Direito Civil pela Faculminas; Especialista em Direito Público pela Faculminas. Doutorando em Direito pela Universidad de Ciencias Empresariales y Sociales – UCES

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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