Capa da publicação Ação monitória no novo CPC
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Considerações sobre ação monitória de acordo com a Lei nº 11.232/05

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3. NATUREZA JURÍDICA DO PROCESSO MONITÓRIO

A natureza jurídica do mandado monitório é ainda bastante controvertida na doutrina. Com isso, será explorado o pensamento dos principais juristas que discorrem sobre o assunto.

3.1. JURISTAS INTERNACIONAIS

3.1.1. PENSAMENTO DE CARNELUTTI

Para Carnelutti, o processo de injunção (monitório) teria função diversa do processo de conhecimento e do processo de execução. Este não serve à composição da lide de pretensão contestada, senão possibilita, com a formação do título executivo e a execução forçada, a composição de uma lide de pretensão insatisfeita.

O procedimento monitório caracteriza-se como um tertium genius (processo intermediário), colocando-se como intermediário entre a cognição e a execução forcada.

3.1.2. PENSAMENTO DE CHIOVENDA

Para Chiovenda45, cuja doutrina desfruta de maior prestígio entre os juristas italianos, o procedimento monitório é um “acertamento com função preeminentemente executiva”. Com isso, não se entende que o procedimento injuntivo seja o início de um processo executivo, porém, pelo contrário, um procedimento de cognição em que a função de formação do título sobrepaira à função de mero “acertamento” (até pela sumariedade e superficialidade da cognição).

3.1.3. DEFINIÇÃO CALAMANDREI

Para Calamandrei, no procedimento monitório há duas partes, do mesmo modo que no ordinário de condenação, uma das quais pretende da outra uma prestação; e há, também, substitutividade, uma vez que a ordem de pagamento expedida pelo juiz objetiva o mesmo efeito do cumprimento voluntário da obrigação pelo devedor46.

O ilustre professor da Universidade de Florença defende que o procedimento monitório se enquadra no processo de cognição, apenas dotado de forma de proceder especial, através do qual o juiz exerce função jurisdicional. Segundo ele, a finalidade de preparar a execução forçada, que é característica das ações condenatórias, se encontra evidenciada no procedimento monitório, em harmonia com sua função precípua, de sorte que se pode dizer que entre a injunção do procedimento e a sentença de condenação proferida no procedimento ordinário, a diferença é mais de nome do que de substância, porque ambas se prestam a um pronunciamento dirigido ao obrigado, bem como a dar início à execução.

3.1.4. POSIÇÃO DE GARBAGNATI

Entende Garbagnati47 que o decreto de injunção contém um provimento jurisdicional de natureza declaratória idêntico ao provimento do juiz contido numa sentença (ordinária) definitiva de condenação, proferida num procedimento ordinário. Não obstante a especialidade do procedimento de injunção, a natureza dessa ação é a mesma daquela exercitada numa ação condenatória no procedimento ordinário, dado que a atividade do titular do direito tem por objetivo obter uma ordem dirigida ao presumível obrigado para pagar uma soma líquida de dinheiro, entregar uma coisa móvel determinada ou entregar uma quantidade de coisas fungíveis.

Garbagnati assume o entendimento de que o monitório é um processo especial de conhecimento, no qual o exercício de ação ordinária de conhecimento provoca a emissão, em forma também especial, de um provimento jurisdicional idêntico em sua natureza, não obstante a sumariedade da cognição, àquele pronunciado em um processo ordinário de condenação.

3.2. DOUTRINA BRASILEIRA

3.2.1. NELSON NERY JR., SÉRGIO SHIMURA, CARREIRA ALVIM E CELSO ANICET LISBOA

Alguns autores, como Nelson Nery Júnior, Sérgio Shimura48, Carreira Alvim49 e Celso Anicet Lisboa, entendem que a ação monitória possui natureza jurídica de ação de conhecimento, condenatória, com procedimento especial de cognição sumária e de execução sem título.

Nelson Nery Junior50 assevera que a ação monitória:

É uma ação de conhecimento, condenatória, com procedimento especial de cognição sumária e de execução sem título. Sua finalidade é alcançar a formação de um título executivo judicial de modo mais rápido do que na ação condenatória convencional. O autor pede a expedição de mandado monitório, no qual o juiz exorta o réu a cumprir a obrigação, determinando o pagamento ou a entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel. Trata-se, portanto, de mandado monitório, cuja eficácia fica condicionada à não apresentação de embargos. Não havendo oposição de embargos, o mandado monitório se convola em mandado executivo.

Na opinião de Celso Anicet Lisboa51, tal mandado “se equipara a uma sentença condenatória, sujeita à interposição de apelação provida de efeito suspensivo”.

3.2.2. VICENTE GRECO FILHO

Vicente Greco Filho52 entende que a natureza jurídica é de execução, visto que “a ação monitória é um misto de ação executiva em sentido lato e cognição, predominando, porém, a força executiva, pelo que deve ser tratada como processo de execução”.

3.2.3. HUMBERTO THEODORO JUNIOR

Expõe que ao lado do processo de execução e do processo de cognição, em sua pureza, existe, portanto, um procedimento intermediário, de larga aplicação prática e de reconhecida eficácia para abreviar a solução de inúmeros litígios; trata-se do procedimento monitório ou de cognição53.

3.2.4. JOSÉ RUBENS COSTA

Temos a posição de José Rubens Costa54, o qual indica uma natureza mista, afirmando que é:

Processo de conhecimento com prevalente função executiva. A nova ação ou novo procedimento mistura características de processo de conhecimento com o de execução. Por conseguinte, desenvolve-se em processo de cognição sumária, isto é, não contém a cognição plena do processo de conhecimento nem a ausência de cognição do processo de execução.

3.2.5. JÔNATTAS MOREIRA DE PAULA

Afirma Jônattas Moreira de Paula55 que a ação monitória é uma das espécies do processo de conhecimento, de cunho condenatório, sem confundir com a ação condenatória por haver um mandato inicial – o mandato monitório, cujo efeito é imediato e provisório.

3.2.6. ALEXANDRE DE PAULA

Identifica duas fases distintas da ação monitória, dizendo: “a primeira é a fase de conhecimento, que embargada ou não, resulta, se acolhida, na constituição do título executivo judicial. A segunda é a fase executória, em que acontece a cobrança propriamente dita, com a exclusão de bens se não houver pagamento”56.

Entende, portanto, que a natureza jurídica da ação monitória é mista.

3.2.7. ANTONIO CARLOS MARCATO 57

Afirma que:

Diante da necessidade da adoção de um posicionamento que se ajuste à linha de orientação que preside o desenvolvimento deste trabalho, endossamos o entendimento nesse particular externado por Garbagnati, para quem o decreto d’ingiunzione, correspondente ao nosso mandado monitório, muito embora resulte de uma cognição sumária e seja emitido inaudita altera parte, com lastro nas afirmações e documentos unilateralmente apresentados pelo autor, adquire eficácia similar àquela da sentença condenatória obtida no processo de cognição plena (...). É um procedimento jurisdicional idêntico, por natureza, àquele contido em uma sentença condenatória.

3.2.8. CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO 58

Visivelmente influenciado por Carnelutti, Dinamarco vê o procedimento monitório como forma distinta, não se enquadrando na figura do processo de conhecimento, nem na do executivo e muito menos cautelar. Admite-lhe cognição sumária, porque afastado do objeto de conhecimento do juiz a existência ou inexistência do direito do autor, salvo hipótese de propositura de embargos, dando-se o contraditório eventual e diferido no espaço temporal.

3.2.9. JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI 59

Tucci vê o instituto do procedimento monitório como forma de tutela jurisdicional diferenciada, sempre presente a necessidade de obtenção de prestação jurisdicional eficaz, dotado de limitação de cognição não tanto pela prova documental a ser apresentada pelo autor, mas porque ausente o contraditório em sua fase inicial, expedida ordem inaudita altera parte.

3.2.10. ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS 60

O ilustre mestre parece entender que a monitória tem natureza condenatória, ao afirmar que:

Mormente pelo sistema brasileiro que mantém coerente linha de princípio e esmerada terminologia, é temerário afirmar que a monitória seria modalidade de ação condenatória. Ação condenatória pressupõe pedido de condenação e sentença condenatória, o que jamais ocorre no processo, ainda quando se julgam improcedentes os embargos à injunção. Pensar a monitória como mera ação condenatória seria o mesmo que admitir que o juiz, deferindo o mandado estaria proferindo sentença condenatória, com possibilidade, inclusive, de se acobertar pela coisa julgada.

3.2.11. ORLANDO DE ASSIS CORRÊA 61

Tal autor narra que inicialmente entendia a ação monitória como uma ação constitutiva, mas que alertado pelo professor Francisco Arno Vaz da Cunha, quanto à existência de contradição entre esta tese e a dicção do artigo 584, inciso I e II do Código de Processo Civil, terminou por rever seu posicionamento e concluiu pela natureza condenatória da ação monitória. Diz ainda o autor:

Sendo assim, a sentença favorável ao autor, nos casos acima, será uma sentença condenatória, determinando o pagamento da quantia em dinheiro pleiteada ou a entrega da coisa fungível ou do bem móvel que tenham sido objetos da ação. A expressão constituir-se-á de pleno direito título executivo judicial, usada no artigo 1102 c do Código de Processo Civil, deve ser entendida como se aplicando à própria sentença condenatória, que se baseará no documento apresentado pelo autor, revestido das características de título extrajudicial, pela própria inércia do réu, ou pela impossibilidade do mesmo em desconstituí-lo. Em conseqüência, devemos classificar a ação monitória como ação condenatória, embora tenha teor declaratório, como toda sentença e apresente alguma carga constitutiva.

3.2.12. OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA 62

Ovídio antes mesmo da lei que introduziu a monitória no Brasil, em 1994, em análise do procedimento monitório, chegava às seguintes conclusões:

Estas brevíssimas considerações sobre os processos monitórios bastam-nos para concluir que o processo injuncional, como eles também denominam, sustentava-se em dois princípios básicos: a)o princípio da sumariedade da cognição (summaria cognitio) que autoriza a que o juiz emita o precito liminar; b) a outorga antecipada da eficácia própria da sentença final, circunstância esta que, por sua vez, provoca a inversão do contraditório, obrigando o réu a comparecer e defender-se sob pena de a decisão liminar transitar em julgado, transformando-se em sentença condenatória

3.2.13. CONCLUSÃO

De acordo com o que foi exposto acima e as lições de Edilton Meireles63 três correntes se apresentam:

  • 1º corrente – com fundamento em classificação de Chiovenda e doutrina de Carnelutti que entendem ser mista ou diferenciada sua natureza, pois própria de ação de conhecimento, com força executiva. No Brasil, adotam esse posicionamento José Rogério Cruz e Tucci, Cândido Rangel Dinamarco, Humberto Theodoro Jr., José Rubens Costa, Alexandre de Paula, dentre outros;

  • 2º corrente – entende ter pura natureza de ação de conhecimento. Assim pensam dentre outros: José Eduardo Carreira Alvim, Orlando de Assis Corrêa, Nelson Nery Júnior, Sérgio Shimura, Celso Anicet Lisboa;

  • 3º corrente – entende ter natureza executiva. Esta posição é defendida por Vicente Greco Filho, Ernani Fidelis dos Santos e o próprio Edilton Meireles.

Diante disto, é de boa doutrina concluir que o processo monitório classifica-se como tutela jurisdicional diferenciada ou mista.

Após breve análise dos três tipos de tutela jurisdicional, verifica-se que a ação monitória não encontra perfeita adequação nas modalidades de processo de conhecimento, de execução ou cautelar. É uma categoria à parte, caracterizado pela extrema celeridade, com que propicia ao autor um título executivo judicial, a permitir desde logo a execução nele fundada, sem necessidade de instauração de um novo procedimento (o de execução).

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Surge, assim, com a monitória, um instituto processual com natureza jurídica mista, que se inicia com procedimento injuncional, com fase de conhecimento sumária, e termina em fase executiva.

O processo monitório vem a colocar-se entre o processo de conhecimento e o processo de execução, em feliz encurtamento do processo de conhecimento, de modo a prescindir do cumprimento da fase instrutória e formalização da fase decisória e em adequada antecipação do processo de execução, mediante a desnecessidade de instrumentalização por título formalmente constituído por intermédio da sentença ou da assemelhação na titulação pré-constituída.

Autoriza-se, no processo monitório, o início da execução forçada sem a formalização prévia do título por intermédio da sentença. Aí o maior mérito instrumental: grande economia processual e apreciável celeridade na instrumentalização da execução forçada, ante a desformalização do procediemento do processo de conhecimento e do processo de execução.

Por outro lado, a ação monitória não consiste em ação de execução, porquanto para esta é preciso existir um título executivo, o que não se exige para a monitória. Na execução, parte-se da certeza e da liquidez da existência de um título, o que não ocorre na monitória.

A ação monitória também não é ação cautelar, visto que com ela não se está pretendendo garantir a eficácia de nenhum outro processo.

Por sua vez, a ação de conhecimento pode ser classificada, como exposto anteriormente, em declaratória, constitutiva ou condenatória. Nas ações declaratórias visa-se apenas à obtenção de uma declaração de certeza a respeito da existência da relação jurídica de direito material envolvida na lide.

Todas as ações de conhecimento têm cunho declaratório, embora somente a declaratória pura tenha essa carga preponderante. Tanto na constitutiva como na condenatória essa carga ou eficácia é mínima, mas sempre existe.

A monitória não possui natureza puramente declaratória, porquanto o autor não visa simplesmente a uma declaração reconhecendo a existência ou não da relação jurídica.

Nas ações constitutivas visa-se a modificar, criar ou extinguir uma relação jurídica anterior, criando uma relação nova. Assim, a ação monitória não se enquadra nessa categoria, porquanto o autor não estará pretendendo criar, modificar ou extinguir a relação ou situação jurídica.

A ação condenatória, por sua vez, é aquela que tende a uma sentença que, além da declaração, contenha uma sanção para o caso de descumprimento do determinado na sentença. Ou seja, toda ação condenatória objetiva uma sentença de condenação do réu.

Disso conclui-se que a ação monitória é ação de natureza mista, com as peculiaridades impostas pelo seu próprio perfil – informado pelo contraditório eventual e diferido e pela inversão do contraditório – e pela natureza do provimento que resulta dele, mas com rito especial, já que ela, na verdade, é uma maneira mais rápida de se conseguir a obtenção do título executivo, o qual também poderia ser obtido por uma ação de conhecimento comum. Ocorre que nesse caso o processo seria mais moroso. Assim, em razão da sumariedade da cognição é que o rito é especial.

Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia apresentada em 2006 à PUC/SP para conclusão do curso de Direito Processual Civil em Módulos. Orientador: Prof. Aloísio Sergio Rezende Silveira.

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