Capa da publicação Novo Código Eleitoral: riscos e omissões
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O que (ainda) não te contaram sobre o novo Código Eleitoral.

Propostas, riscos e omissões na reforma que pode mudar o futuro das eleições no Brasil

22/05/2025 às 17:53
Leia nesta página:

O novo Código Eleitoral propõe unificar leis e ampliar a autonomia partidária. A flexibilização de regras ameaça a transparência e o controle eleitoral?

A proposta de um novo Código Eleitoral, atualmente em discussão no Senado Federal (PLP 112/2021), representa um marco relevante para a sistematização da legislação eleitoral brasileira.

Trata-se de uma iniciativa que visa consolidar normas hoje dispersas em diversas leis, entre elas o atual Código Eleitoral, a Lei das Eleições, a Lei dos Partidos Políticos, a Lei de Inelegibilidades e legislações sobre plebiscitos, referendos, iniciativas populares e violência política contra a mulher.

Com 898 artigos, o substitutivo traz propostas que tocam praticamente todos os aspectos do processo eleitoral: do registro de candidaturas à prestação de contas, passando por propaganda, financiamento, auditoria das urnas e punições por ilícitos.


Modernização necessária, mas com cautela

Como advogada eleitoralista, reconheço a importância da modernização e da uniformização das normas. No entanto, é preciso cautela. Nem todas as propostas representam avanços democráticos ou aperfeiçoamento do sistema. Algumas mudanças trazem riscos reais de retrocesso, especialmente no tocante à transparência, isonomia e fiscalização efetiva das eleições.


Avanços importantes

Destaco, entre os pontos positivos:

  • A regulamentação mais detalhada da auditoria das urnas eletrônicas, com previsão de participação de universidades e entidades da sociedade civil — um ganho para a confiabilidade do processo.

  • A reserva de 20% das vagas legislativas para mulheres, uma inovação importante para a promoção da paridade de gênero na política.


Preocupações com a cota de gênero

Contudo, há preocupações justificáveis. A flexibilização da punição aos partidos que não cumprirem a cota de gênero nas candidaturas, ainda que temporária, pode desestimular o cumprimento voluntário dessa obrigação legal.

É ótimo ter uma reserva de cadeiras, mas se aliviarmos a fiscalização e as sanções nas candidaturas, podemos minar a própria base que dá suporte a essa nova política.


Fragilização no controle das contas partidárias e recursos públicos

Também merece atenção a proposta de tornar a prestação de contas partidária um processo predominantemente administrativo, com sanções limitadas a multas. Isso pode enfraquecer os mecanismos de controle externo e comprometer a efetividade do sistema de responsabilização dos partidos políticos.

Além disso, inicialmente preocupou a possibilidade de utilização de recursos do Fundo Partidário para pagamento de multas eleitorais — medida que poderia estimular a prática de ilícitos com o respaldo do financiamento público. No entanto, diante das críticas e do posicionamento de especialistas, essa previsão vem sendo revista pelo Senado Federal.


Prazos de desincompatibilização e recursos públicos

Outro ponto que merece reflexão é a mudança nos prazos de desincompatibilização. A uniformização para 2 de abril pode ser positiva em termos de organização, mas a exigência de afastamento de quatro anos para membros do Ministério Público, policiais e militares exige discussão mais aprofundada, dada sua intensidade e impacto.

A uniformização da data pode trazer organização ao processo, mas a imposição de um afastamento tão longo a algumas categorias pode gerar exclusão indevida e redução da pluralidade nas eleições.


Ampliação da autonomia partidária

A proposta também reforça substancialmente a autonomia partidária — princípio já previsto na Constituição, mas que agora se vê alargado e protegido com ainda mais vigor.

O texto confere aos partidos liberdade quase absoluta para tratar de questões internas, como filiação, estrutura organizacional, escolha de candidatos e estratégias eleitorais, vedando inclusive a renúncia dessa autonomia em favor de instituições externas.

Embora essa ampliação da autonomia partidária seja defendida como elemento essencial ao pluralismo político e à democracia, ela acende um alerta quanto ao enfraquecimento da fiscalização estatal e do controle jurisdicional sobre práticas antidemocráticas no interior das agremiações.

A concentração de poderes nas cúpulas partidárias, somada ao expressivo volume de recursos oriundos dos Fundos Eleitoral e Partidário, impõe o dever de responsabilidade e transparência, sob pena de comprometer a isonomia do pleito e a credibilidade do sistema.


O papel da advocacia especializada

Nesse contexto, a atuação da advocacia especializada em Direito Eleitoral revela-se indispensável para equilibrar a tensão entre autonomia e responsabilidade, garantindo que os partidos atuem com liberdade, mas também dentro dos limites constitucionais e legais.


Participação social e debate técnico

Diante de tantas mudanças, muitas das quais com impactos estruturais, é fundamental que o debate seja ampliado e qualificado.

O Senado, acertadamente, adiou a votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para a realização de audiências públicas. Trata-se de uma medida essencial para que especialistas, entidades da sociedade civil, magistrados, membros do Ministério Público e da advocacia possam contribuir com suas experiências técnicas.


Conclusão

Reformas eleitorais são bem-vindas. A estabilidade do sistema, porém, exige que cada proposta seja analisada com o devido rigor. Não se trata apenas de legislar sobre eleições, mas de garantir um processo eleitoral legítimo, equilibrado e comprometido com a democracia.

O novo Código Eleitoral pode representar um avanço histórico. Mas, para isso, deve refletir não apenas a vontade política, e sim o compromisso institucional com um processo eleitoral moderno, inclusivo e verdadeiramente republicano.

Afinal, precisamos de Justiça nas regras, equidade na disputa e compromisso com a coletividade, não com os “donos do poder”.

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Sobre a autora
Angelica Menegas

Advogada especialista em Direito Eleitoral e Diretora Jurídica do ITV/RS

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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