Capa da publicação Lucros irregulares: riscos para S.A. e administradores
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Distribuição irregular de lucros em sociedades anônimas.

Riscos e consequências jurídicas

15/05/2025 às 20:38

Resumo:


  • A distribuição de lucros em sociedades anônimas deve respeitar os requisitos legais e estatutários, garantindo transparência e equidade entre os acionistas.

  • A distribuição irregular de lucros pode acarretar responsabilização dos administradores, direito de ação dos acionistas prejudicados e implicações fiscais significativas.

  • Os acionistas prejudicados por uma distribuição inadequada de lucros têm o direito de buscar reparação judicial e a distribuição pode ser declarada nula, com restituição dos valores aos beneficiários.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A distribuição irregular de lucros viola a Lei das Sociedades Anônimas e gera responsabilidade solidária dos administradores. Os acionistas prejudicados podem anular atos e exigir reparação judicial?

Resumo: O presente artigo analisa os riscos e desdobramentos jurídicos decorrentes da distribuição irregular de lucros em sociedades anônimas, caracterizada pela seletividade, ausência de aprovação formal e falta de lastro documental. A análise abrange a violação de princípios societários, a responsabilização dos administradores, o direito de ação dos acionistas prejudicados, a possibilidade de anulação da distribuição e as potenciais implicações fiscais.

Palavras-chave: Sociedade Anônima, Distribuição de Lucros, Irregularidade, Responsabilidade de Administrador, Direito de Acionista, Implicações Fiscais.


1. Introdução

A distribuição de lucros representa um direito fundamental dos acionistas em sociedades anônimas, conforme previsto no artigo 202 da Lei das Sociedades Anônimas (LSA). No entanto, a efetivação desse direito está condicionada à estrita observância de requisitos e procedimentos legais, incluindo a apuração de lucros líquidos em demonstrações financeiras aprovadas pela Assembleia Geral de Acionistas (artigos 187 e seguintes da LSA).

O presente estudo se propõe a analisar as implicações jurídicas de uma distribuição de lucros que se desvia desses parâmetros legais, caracterizada pela seletividade, ausência de comprovação contábil, falta de aprovação em assembleia e inexistência de lastro documental. Tal conduta, em flagrante descompasso com o arcabouço normativo societário, atrai uma série de potenciais consequências jurídicas para a companhia, seus administradores e os acionistas envolvidos.


2. Procedimento para Aprovação e Distribuição de Lucros em Sociedades Anônimas

A distribuição de lucros aos acionistas é, nos termos do artigo 202 da Lei das Sociedades Anônimas (“LSA”), direito dos acionistas, que receberão o dividendo obrigatório em cada exercício, nos limites da parcela definida em estatuto e, na sua omissão, na própria Lei: “Art. 202. Os acionistas têm direito de receber como dividendo obrigatório, em cada exercício, a parcela dos lucros estabelecida no estatuto ou, se este for omisso, a importância determinada de acordo com as seguintes normas”.

Contudo, a efetiva concretização desse direito e a forma como a distribuição de lucros deve ocorrer estão intrinsecamente ligadas observância de requisitos e procedimentos legais específicos. A LSA estabelece que a distribuição somente pode ser realizada com base em lucros líquidos apurados em demonstrações financeiras regularmente elaboradas e devidamente aprovadas pela Assembleia Geral de Acionistas, conforme o disposto no artigo 187 e seguintes da referida Lei.

Do resultado do exercício deverão ser deduzidos os prejuízos acumulados e a provisão para o imposto de renda. O lucro líquido distribuível será o resultado remanescente após a dedução das participações estatutárias de empregados, administradores e partes beneficiárias.

O artigo 189 da LSA, continuamente, aborda dois aspectos cruciais para a distribuição de lucros, conforme elucida Ivo Bari1:

O caput do art. 189. regra dois aspectos importantes. Primeiro, determina que, enquanto houver prejuízo acumulado a ser compensado, os acionistas não fazem jus ao recebimento da partilha dos resultados do exercício em questão. Ou seja, os acionistas somente podem receber dividendos após o resultado histórico da companhia estar positivo (i.e., após todos os prejuízos anteriormente percebidos tenham sido compensados por lucros).

Observa-se que, embora aos acionistas seja garantido o direito ao recebimento dos dividendos obrigatórios, a devida atenção aos requisitos para sua aprovação e, consequentemente, para sua distribuição é imprescindível, sob pena de caracterização de inadequação, irregularidades e nulidades.

Para a não distribuição de lucros, a LSA prevê a possibilidade em situações excepcionais, como quando a situação financeira da companhia não se mostra favorável. Nessa hipótese, a administração deve informar e justificar a decisão em Assembleia Geral. Os lucros apurados no exercício poderão ser destinados à constituição de uma reserva especial, a ser utilizada para pagamento de dividendos em exercícios futuros, quando a situação financeira da companhia permitir.2


3. Consequências Jurídicas da Distribuição Irregular de Lucros

A distribuição de lucros que não observa os ditames legais atrai diversas consequências, que podem ser analisadas sob diferentes perspectivas:

3.1. Responsabilização dos Administradores

Em observância ao procedimento estabelecido pela LSA, compete ao órgão de administração apresentar, na Assembleia Geral Ordinária, juntamente com as demonstrações financeiras, a proposta de destinação do lucro líquido do exercício. Diante da responsabilidade atribuída à administração, a distribuição de lucros realizada em inobservância dos requisitos legais acarreta a responsabilidade solidária dos administradores:

Art. 201. A companhia somente pode pagar dividendos à conta de lucro líquido do exercício, de lucros acumulados e de reserva de lucros; e à conta de reserva de capital, no caso das ações preferenciais de que trata o § 5º do artigo 17.

§ 1º A distribuição de dividendos com inobservância do disposto neste artigo implica responsabilidade solidária dos administradores e fiscais, que deverão repor à caixa social a importância distribuída, sem prejuízo da ação penal que no caso couber.

§ 2º Os acionistas não são obrigados a restituir os dividendos que em boa-fé tenham recebido. Presume-se a má-fé quando os dividendos forem distribuídos sem o levantamento do balanço ou em desacordo com os resultados deste.

Isso significa que, caso comprovado que a distribuição de dividendos ocorreu em desacordo com as normas legais e com o que estabelece o estatuto social da companhia, os administradores que aprovaram e efetivaram essa distribuição serão considerados solidariamente responsáveis, conforme ensina Lucena (2009):

Dai que os administradores e os fiscais são responsáveis, civil e criminalmente, e, se companhia aberta, também administrativa, por terem distribuído dividendos que não cabiam naquilo de que por lei e pelo estatuto poderia ser deduzida a importância para a distribuição. Nem podem os dividendos ser pagos com recursos de origem diversa das elencadas, em numerus clausus¸no parágrafo 1º em comento: 9ª) lucro líquido do exercício, qual definido no artigo 191; (b) lucros acumulados; (c) reserva de lucros; e (d) reserva de capital, no caso de ações preferenciais de que trata o paragrafo 6ª do artigo 17. 3

Corroborando esse entendimento, Frazão, Coelho et al. asseveram que a distribuição realizada em desacordo com as disposições legais constitui grave infração por parte dos administradores e impõe ao acionista que recebeu as quantias o dever de restituí-las, exceto se comprovada a sua boa-fé:

A distribuição de dividendos ao arrepio dessas disposições contidas no caput do art. 201. implica responsabilidade civil solidária dos administradores e fiscais, os quais ficam obrigados a repor ao caixa social a importância irregularmente distribuída, sem prejuízo da apuração da responsabilidade penal que o caso comportar (§ 1º do art. 201. da LSA e art. 177. do Código Penal). Constitui a conduta, outrossim, no âmbito das companhias abertas, infração grave para os fins do disposto no § 3º do art. 11. da Lei nº 6.385/1976 e aplicação das sanções previstas nos incisos IV a VIII do caput daquele mesmo artigo (parágrafo único do art. 64. da Resolução CVM 45/2021).

O acionista é obrigado a restituir os dividendos havidos de má-fé com infração ao disposto no prefalado preceito. A pretensão da companhia em face do acionista para obter a restituição prescreve em 3 anos, contado o prazo da data da publicação da ata da assembleia geral ordinária do exercício em que os dividendos tenham sido declarados (alínea c do inciso II do art. 287. da LSA).4

Dessa forma, depreende-se que a primeira consequência da inobservância dos termos legais para a distribuição de dividendos reside na responsabilização solidária dos administradores, bem como na obrigação de restituição das quantias irregularmente recebidas pelos acionistas de má-fé.

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3.2. Direito de Ação dos Acionistas Prejudicados e Anulabilidade da Distribuição

Os acionistas que não são contemplados por uma distribuição irregular de lucros possuem o direito de buscar judicialmente a reparação dos prejuízos sofridos. Podem ingressar com ações de responsabilidade civil contra os administradores e os acionistas beneficiados, visando ao recebimento dos valores devidos e à obtenção de indenização por perdas e danos.

A jurisprudência dominante reconhece a legitimidade dos acionistas prejudicados para pleitearem em juízo a responsabilização pela distribuição irregular de lucros. Adicionalmente, essa distribuição pode ser judicialmente declarada nula, com a consequente obrigação dos beneficiários de restituírem os valores indevidamente recebidos à companhia.

O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR)5, em caso análogo, reconheceu a possibilidade de questionamento judicial de deliberações sobre lucros, e o Superior Tribunal de Justiça (STJ)6 também se manifestou sobre o abuso de poder no contexto da destinação de lucros, reforçando a possibilidade de intervenção judicial em situações de distribuição inadequada.

3.3. Implicações Fiscais

No âmbito do direito tributário, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) estabelece a presunção de distribuição disfarçada de lucros quando a pessoa jurídica realiza qualquer negócio com pessoa ligada em condições de favorecimento.

Sob essa perspectiva, uma distribuição seletiva de lucros, sem a devida comprovação e aprovação, pode levantar questionamentos na esfera tributária, especialmente se os acionistas beneficiados possuírem alguma relação de ligação com a companhia. Caso caracterizada a distribuição disfarçada, a companhia e os acionistas beneficiados podem estar sujeitos a implicações fiscais, como a tributação dos valores distribuídos de forma diversa daquela aplicável aos dividendos regulares.


4. Conclusão

A distribuição de lucros em sociedades anônimas deve observar rigorosamente os procedimentos legais e estatutários, garantindo a igualdade e a transparência entre os acionistas. A distribuição seletiva e sem o devido lastro configura uma grave irregularidade, atraindo a responsabilização dos administradores, o direito de ação dos acionistas prejudicados e a possibilidade de anulação judicial. Ademais, tal conduta pode gerar implicações fiscais significativas, caracterizando, em tese, distribuição disfarçada de lucros.

Diante desse cenário, a estrita observância da legislação societária e tributária é fundamental para evitar riscos jurídicos e financeiros, assegurando a segurança jurídica e a equidade nas relações entre a companhia e seus acionistas.


Referências

BRASIL. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre a Sociedade por Ações.

FERREIRA, Ivo Bari. Pagamento de Dividendos Em situações de Impasse Societário: (Des) Necessidade de Reforma Legislativa.

FRAZÃO, Ana; COELHO, Fábio U.; Mauricio Moreira Menezes; et al. Lei das Sociedades Anônimas Comentada - 4ª Edição 2025. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2025. E-book.

LUCENA, José Waldecy. Das sociedades anônimas–comentários à lei. Rio de Janeiro: Renovar, v. 1, 2009.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp: 2128098 SP 2024/0074077-5, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 05/11/2024, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/11/2024.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ. APL: 16889720 PR 1688972-0 (Acórdão), Relator: Desembargadora Lilian Romero, Data de Julgamento: 05/12/2017, 6ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 2223 20/03/2018.

CONSELHO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS. CARF 11634720671201626 9101-006.334, Relator.: Não informado, Data de Julgamento: 04/10/2022, Data de Publicação: 20/01/2023.

EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Volume II, Artigos 80 a 137. 3ª ed. Revista e ampliada. São Paulo: Quartier Latin, 2021.


Notas

  1. 1 FERREIRA, Ivo Bari. Pagamento de Dividendos Em situações de Impasse Societário: (Des) Necessidade de Reforma Legislativa.

  2. 2 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Volume II, Artigos 80 a 137. 3ª ed. Revista e ampliada. São Paulo: Quartier Latin, 2021, p. 161

  3. 3 LUCENA, José Waldecy. Das sociedades anônimas–comentários à lei. Rio de Janeiro: Renovar, v. 1, 2009.

  4. 4 FRAZÃO, Ana; COELHO, Fábio U.; Mauricio Moreira Menezes; et al. Lei das Sociedades Anônimas Comentada - 4ª Edição 2025. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2025. E-book. p.828. ISBN 9788530997304. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788530997304/. Acesso em: 07 mai. 2025.

  5. 5 TJ-PR - APL: 16889720 PR 1688972-0 (Acórdão), Relator.: Desembargadora Lilian Romero, Data de Julgamento: 05/12/2017, 6ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 2223 20/03/2018

  6. 6 STJ - REsp: 2128098 SP 2024/0074077-5, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 05/11/2024, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/11/2024

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Sobre a autora
Thayná Maia Dias

Advogada. Pós-graduada em Direito Processual Civil pela PUC Minas. Pós-graduada em Direito Empresarial pela FGV/RJ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Thayná Maia. Distribuição irregular de lucros em sociedades anônimas.: Riscos e consequências jurídicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7988, 15 mai. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113947. Acesso em: 12 nov. 2025.

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