Capa da publicação Zona livre de ofensas: por que a polêmica?
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A teoria da zona livre de ofensas na mira de juristas.

Por que tanta polêmica?

22/05/2025 às 19:54
Leia nesta página:

A teoria da zona livre de ofensas busca proteger a liberdade de expressão em grupos privados. Como conciliar liberdade de expressão com proteção à honra no Direito Penal?

1. Introdução: O que está em debate

Desde que foi adotada por alguns julgadores do TJDFT, a Teoria da Zona Livre de Ofensas passou a dividir opiniões entre juristas, magistrados e operadores do Direito.

É que a mesma turma que a “inventou” no âmbito das turmas recursais parece estar perdida quanto à extensão de sua aplicação, o que tem gerado polêmicas e discussões no meio jurídico.

Por um lado, há quem defenda a Teoria, como a própria 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, juristas1 e advogados especialistas2.

Por outro, há quem a repudia sob a alegação de que deve haver minimamente uma ponderação entre os direitos constitucionais à livre manifestação do pensamento e à honra da pessoa.3

O que se revela inegável é que a teoria vai além da lei e cria uma hipótese de atipicidade penal. E isso é muito importante, por isso que demanda maior acuidade do magistrado na hora de aplicá-la, a fim de evitar que injustiças sejam cometidas, isto é, que uma ferramenta que foi criada para ajudar, acabe atrapalhando.

Como dito, alguns magistrados do próprio TJDFT a defendem como uma inovação necessária para proteger a liberdade de expressão em contextos informais e naturalmente acalorados, como grupos de WhatsApp condominiais, afastando-se o uso do Judiciário para levar em frente ações penais ou mesmo cíveis que mais evidenciam picuinhas entre moradores.

Outros a criticam duramente, apontando riscos de injustiça e de blindagem indevida para ofensas que extrapolam o aceitável.

O que está em jogo, porém, não é a existência da teoria em si, mas a forma como tem sido aplicada: sem critérios objetivos, com inconsistência jurisprudencial e, em muitos casos, com aparente favorecimento pessoal.


2. Origem e fundamentos da teoria

Inspirada em decisão do Tribunal de Justiça de Frankfurt am Main (processo Az. 16. W 54/18), a Teoria da Zona Livre de Ofensas reconhece a existência de uma esfera de comunicação confidencial dentro das relações pessoais, protegida pelos direitos fundamentais à liberdade de expressão e à convivência familiar.

No caso alemão, o tribunal negou o pedido de um genro que buscava impedir que sua sogra falasse mal dele no grupo familiar, reconhecendo a existência de um espaço livre de consequências jurídicas para manifestações nesse âmbito.


3. A recepção no Brasil e o problema da aplicação despadronizada

No Brasil, a teoria foi incorporada ao debate jurídico especialmente após julgamentos da 2ª Turma Recursal do TJDFT. A adaptação da ideia alemã ao contexto dos grupos de WhatsApp condominiais pareceu oportuna, considerando o volume de ações judiciais motivadas por desentendimentos triviais nesses espaços.

No entanto, a falta de critérios claros para sua aplicação apontou para uma justificada preocupação: quando ela pode ser aplicada ou quando deve ser afastada? Quais são os critérios para isso? Pode ser aplicada para livrar alguém que chamou o outro de ladrão de projeto, mas não para quem chamou outrem de ridículo e palhaço? Qual critério de razoabilidade, proporcionalidade e coerência precisam ser levados em consideração?

Na prática da Turma que a “inventou” no âmbito do TJDFT, casos semelhantes têm recebido tratamentos totalmente diferentes, muitas vezes sem qualquer fundamentação que justifique a divergência.

A turma tem deixado seguir adiante ação penal que poderia (e por força de seus precedentes, deveria) trancar e arquivar, sob a singela afirmação de que o juízo singular precisa apurar se as expressões “palhaço, “ridículo” e “viuvinho da ditadura” configuram ou não o crime de injúria.

A postura causa estranheza, pois à luz do que já julgou em outros processos, a própria turma poderia resolver a questão e encerrar o feito, evitando o desperdício de recursos do Tribunal, o comparecimento de testemunhas e a produção de provas já constantes dos autos — afinal, além das mensagens de WhatsApp, não há nenhum elemento novo capaz de esclarecer o contexto do ocorrido no grupo, já que a prova testemunhal deverá se ater a tais mensagens.

Expressões mais brandas têm sido consideradas criminosas, enquanto ofensas graves são protegidas pela "zona livre". O princípio da isonomia é ignorado, e a previsibilidade das decisões, essencial à segurança jurídica, comprometida.


4. A controvérsia entre juristas e a urgência de diretrizes técnicas

A crescente divisão entre os juristas tem gerado um cenário de instabilidade doutrinária. Nos corredores do Tribunal já se comenta que essa Teoria sequer deveria ter sido aplicada na Corte.

Para as magistradas da 2ª Turma Recursal, a teoria pode representar um freio à banalização do Direito Penal e uma forma de assegurar a liberdade de expressão em contextos de interesse coletivo. Para outros de turmas diferentes, ela pode representar um manto para encobrir agressões verbais, blindando comportamentos criminosos sob o pretexto da informalidade dos grupos virtuais.

O que parece inegável é que, sem critérios técnicos e objetivos, a teoria se torna um campo minado para a prática de injustiças, e até mesmo de suspeição de quem está julgando.

A sua aplicação, que faz o que a lei penal não fez (afastar a tipicidade penal), exige zelo, uniformidade e fundamentação consistente. Do contrário, correrá o risco de cair em descrédito e ser abandonada não por seus princípios, mas por sua execução desastrosa.

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De toda sorte, por ter sido apontada como matéria de defesa, a Turma precisa esclarecer se a manterá, ou se a afastará definitivamente do âmbito do Tribunal. O que não pode é aplica-la para beneficiar uns e, em situação muito menos grave, prejudicar outros, pois o próprio Código de Processo Civil determina que as Cortes sigam os seus precedentes ou façam o necessário distinguishing no caso concreto, isto é, justifique o porquê de “ladrão de projeto” ser menos grave que “palhaço, ridículo e viuvinho da ditadura”.


5. Conclusão: pelo aperfeiçoamento, não pelo abandono

A Teoria da Zona Livre de Ofensas, se bem aplicada, pode sim representar um avanço civilizatório. Mas para isso, é imprescindível que sejam estabelecidos parâmetros claros, objetivos e replicáveis.

Se de um lado é preciso garantir que o direito à liberdade de expressão não se torne carta branca para ofensas impunes, por outro, é necessário não deixar que picuinhas e briga de egos tomem o tempo do Poder Judiciário.

A discussão que se impõe não é se a teoria deve ser abolida, mas como ela pode ser aprimorada, e isso somente será possível com técnica, coerência e respeito à função essencial da jurisprudência: promover segurança jurídica. Não à zona! Sim, à previsibilidade e à segurança jurídica!!!


Notas

1 QUEIROZ, Leonis de Oliveira. Consultor Jurídico. Teoria da Zona Livre de Ofensas e seus desdobramentos no Judiciário Brasileiro. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-nov-17/teoria-da-zona-livre-de-ofensas-e-seus-desdobramentos-no-judiciario-brasileiro/. Consulta em 21/5/2025.

2 MELO, Caroline Alves. Teoria da zona livre de ofensas: ferramenta contra injustiças ou fonte de insegurança jurídica?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7991, 18 mai. 2025. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/113985/teoria-da-zona-livre-de-ofensas-ferramenta-contra-injusticas-ou-fonte-de-inseguranca-juridica>. Acesso em: 21 mai. 2025.

3 PEREIRA, Jeferson Botelho. Teoria da Zona Livre de Ofensas. Liberdade de Expressão versus Proteção da Honra em Tempos de Hiperconectividade. Jus Navigandi, Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/114031/teoria-da-zona-livre-de-ofensas-liberdade-de-expressao-versus-protecao-da-honra-em-tempos-de-hiperconectividade>. Acesso em: 21 mai. 2025.

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