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Discussões sobre o direito a crédito de IPI na entrada de insumos isentos, não-tributados e tributados à alíquota zero

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27/06/2008 às 00:00
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4. SÍNTESE DA POSIÇÃO DO STF NOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS 370682 e 353657

Em 15 de fevereiro de 2007, no julgamento dos REs 370682 e 353657, o STF decidiu que os contribuintes do IPI não tinham o direito de se creditarem do valor do tributo na aquisição de insumos favorecidos com alíquota-zero e pela não tributação.

A admissão ao creditamento implicaria ofensa ao inciso II do § 3º do art. 153 da CRFB. O entendimento do STF é de que a não-cumulatividade pressupõe, salvo previsão contrária na Constituição Federal, tributo devido e recolhido anteriormente e que, na hipótese de não-tributação ou de alíquota zero, não existe parâmetro normativo para definir a quantia a ser compensada.

Tomar como parâmetro a alíquota final relativa a outra operação resultaria em ato de criação normativa para o qual o Judiciário não tem competência. Outro argumento interessante e lógico levado em conta pela Suprema Corte é o de que o reconhecimento de tal creditamento ocasionaria inversão de valores com a alteração das relações jurídicas tributárias: haveria quebra do princípio da seletividade do princípio da seletividade, uma vez que o produto final mais supérfluo proporcionaria uma compensação maior.

Além disso, importaria em extensão de benefício a operação diversa daquela a que o mesmo está vinculado e, ainda, "em sobreposição incompatível com a ordem natural das coisas". A decisão do STF esclarece ainda que a Lei 9779/99 não confere direito a crédito na hipótese de alíquota zero ou de não-tributação e sim naquela em que as operações anteriores foram tributadas mas a final não o foi, evitando-se, com isso, tornar inócuo o benefício fiscal.

4.1. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DAS DECISÕES

Conforme já mencionado em fevereiro de 2007 o Supremo Tribunal Federal decidiu, em julgamento de Recursos Extraordinários [22] interpostos pela União, que as empresas não têm direito ao crédito de IPI na aquisição de matérias primas tributadas sob a alíquota zero ou não tributadas. Em votação apertada (6 x 5) a tese vencedora foi a de que, se nada foi recolhido a título de IPI na aquisição de matéria-prima, não há nada a ser creditado.

Na ocasião, o STF deixara em aberto a questão da modulação dos efeitos da decisão, o que só ficou decidido no final de junho de 2007, no sentido de que a União tem o direito de reaver das empresas os créditos de IPI. Assim, a decisão tem efeitos "ex tunc", podendo atingir os fatos geradores ocorridos antes de sua publicação, no prazo prescricional de cinco anos.

Assim, as empresas que vinham aproveitando o crédito confiando em decisões não transitadas em julgado deverão restituir aos cofres públicos o tributo que não foi pago e, em alguns casos, poderão sofrer ações rescisórias por parte da União Federal.

É importante ressaltar que as decisões do STF sobre o tema não são propriamente decisões sobre inconstitucionalidade. A estas teria aplicação plena o art. 27 da Lei 9868/98. "Declarações judiciais de constitucionalidade do ordenamento apenas o confirmam, positivamente. Não se modulam decisões de constitucionalidade de lei e atos normativos [23]." No caso, apenas se decidiu que a não apropriação dos créditos de IPI dos insumos isentos, não tributados ou sujeitos à alíquota zero não afronta o princípio da não-cumulatividade.

A defesa no sentido de que decisões sobre tal tema deveriam ser ex nunc tem como fundamentos principais os princípios da razoabilidade e da segurança jurídica, em especial este último. O argumento dos contribuintes é o que desde o final da década de 1990 haveria um série de decisões de tribunais superiores, inclusive do próprio STF, permitindo o crédito de IPI nas entradas isentas, não tributadas ou sujeitas à alíquota zero. Haveria, assim, um "entendimento pacífico" dos tribunais superiores.

Porém, nenhum dos processos em que se discutia o assunto transitara em julgado. Conforme o voto do ministro Eros Grau no RE 353657-QO/PR:

"O argumento de que existiria jurisprudência pacificada mesmo quando as decisões não tenham transitado e nenhuma delas transitou em julgado é quase ingênuo. O que detém força de verdade legal é a coisa julgada, cuja autoridade, quando reiterada, faz jurisprudência."

Quanto ao argumento de que os efeitos retroativos trairiam grande prejuízo econômico ao empresariado, tal argumento parece não convencer, pois se havia discussão judicial sobre o assunto, o contribuinte deveria ter sido mais cauteloso e contar com a possibilidade de derrota.

Considerar o crédito como certo foi, no mínimo, uma atitude imprevidente. Neste sentido asseverou Eros Grau no mesmo voto citado no parágrafo acima:

"A incorporação ao balanço de efeitos tributários apenas se pode dar quando consumada a coisa julgada. Até então a pretensão judicial da pessoa jurídica deverá ser nele registrada em conta de provisão não dedutível. (...) Se não há coisa julgada em situações como tais o contribuinte não pode computar resultados."

O agente econômico deve suportar os efeitos de resultados adversos em pleitos judiciais e seria irrazoável que o Estado arcasse com tal ônus, uma vez que o regime capitalista é sujeito a incertezas.


5. CONCLUSÕES

A Constituição Federal, ao prever que o o IPI está sujeito à técnica da não-cumulatividade, explicita como tal técnica deve ser efetivada. Não parece difícil constatar que a CF/88 adotou o critério "imposto sobre imposto" sob a forma de lançamento a crédito pelas entradas e débito pelas saídas. Assim, o princípio constitucional da não-cumulatividade consiste em abater do imposto devido o montante exigível nas operações anteriores, sem considerações sobre existência ou não de valor acrescido.

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A alegação de que a não concessão de créditos referentes à entrada de insumos isentos ou tributados à alíquota zero não parece ter consistência não apenas sob o ponto de vista doutrinário. Basta verificar, matematicamente, por simples soma e subtração, que a ausência de tais créditos não torna o imposto cumulativo.

Para insumos com alíquota "zero", destinados à industrialização e subseqüente saída tributada dos produtos, o IPI "cobrado" corresponde a "0%", não proporcionando direito ao credito "presumido", que, neste caso, não poderia nem ser chamado de presumido, mas sim de "fictício". Além do mais, não parece se coadunar com o princípio da seletividade a possibilidade de se tomar de empréstimo alíquotas que incidem em operações subseqüentes. Se assim for, produtos como cigarros e cachaça gerariam os maiores créditos de IPI.

Os produtos não tributados estão fora do campo de incidência do IPI, e portanto, agride o bom senso afirmar que dariam direito a créditos presumidos.

Nas isenções o legislador renuncia a um valor positivo ou autoriza o administrador a fazê-lo. Trata-se de opção de condução da política econômico-tributária do Ente Federal. Se a isenção diz respeito a insumo, conceder ao industrial um crédito presumido representa, por via indireta, conceder a este uma isenção. Além disso, parece ser bastante lógico que só se compensa imposto "cobrado". Por fim, há que se lembrar que as normas de exceção devem ser interpretadas restritivamente. De todo modo, a questão dos créditos em se tratando de isenções merece maior reflexão. As diferenças conceituais entre este instituto e o da tributação à alíquota zero não nos parecem suficientes para autorizar a concessão de créditos de IPI referentes à entrada de insumos.


6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004.

BEZERRA, Maurício Dantas. Direito aos créditos de IPI na aquisição de insumos isentos, não tributados e tributados à alíquota zero: o entendimento do STF e a PGFN. Tributário.net, São Paulo, a.5, 24/04/2003. Disponível em www.tributario.net. Acesso em 11/08/2007.

CAINZOS, Alexander Silvério. IPI: questões atuais relevantes. Tributário.net, São Paulo, a.5, 22/06/2004. Disponível em www.tributario.net. Acesso em 11/08/2007.

CASSONE, Vittorio. Imposto sobre produtos industrializados – IPI. Parecer PGFN 405/2003. Brasília: Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, 2003.

COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na Lei Complementar. São Paulo: Resenha Tributária, 1978.

III Simpósio Nacional de Direito Tributário. São Paulo, 1978.

MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Atlas, 2003.

MARTINS, Ives Gandra. Notícias AIC. Informativo Semanal 16, de 19.04.1985

PIMENTA, Dalmar. Da indignação diante da decisão do STF no leading case dos créditos de IPI nas operações tributadas sob alíquota zero ou não tributadas. Tributário.net, São Paulo, a.5, 04/07/2007. Disponível em www.tributario.net. Acesso em 11/08/2007.

ROCHA, José Humberto da. Inexistência de crédito acumulado de IPI relativo à matéria-prima, insumos e embalagens empregados no produto final destinado à exportação como decorrência do texto constitucional. Revista da AGU. Ano II, CEAGU: Brasília, 2001.

SACCOMANI JUNIOR, Ernesto & SILVA, Agenor Duarte da. A perplexidade dos contribuintes ante o julgamento do STF sobre o crédito de IPI de produtos com alíquota reduzida a zero. Tributário.net, São Paulo, a.5, 10/04/2007. Disponível em www.tributario.net. Acesso em 11/08/2007.

SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Teoria e Prática das isenções tributárias. Rio de Janeiro, Forense, 1989

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2003


Notas

  1. SACCOMANI JUNIOR, Ernesto & SILVA, Agenor Duarte da. A perplexidade dos contribuintes ante o julgamento do STF sobre o crédito de IPI de produtos com alíquota reduzida a zero. Tributário.net, São Paulo, a.5, 10/04/2007. Disponível em www.tributario.net. Acesso em 11/08/2007. p.4
  2. CAINZOS, Alexander Silvério. IPI: questões atuais relevantes. Tributário.net, São Paulo, a.5, 22/06/2004. Disponível em www.tributario.net. Acesso em 11/08/2007. p.4-5
  3. Art. 11: " O saldo credor do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, acumulado em cada trimestre calendário, decorrente da aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem aplicados na industrialização inclusive de produto isento ou tributo tributado à alíquota zero que o contribuinte não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser utilizado de conformidade com o disposto nos arts. 73 e 74 da Lei 9430/96, observadas as normas expedidas pela Secretaria da Receita Federal – SRF do Ministério da Fazenda."
  4. ROCHA, José Humberto da. Inexistência de crédito acumulado de IPI relativo à matéria-prima, insumos e embalagens empregados no produto final destinado à exportação como decorrência do texto constitucional. Revista da AGU. Ano II, CEAGU: Brasília, 2001, p.2.
  5. Neste sentido: TRF-1: AMS. 2000.38.00.030282-9/MG (07/07/2006); TRF-2: AMS 024.199/RJ (23/02/1999)
  6. COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na Lei Complementar. São Paulo: Resenha Tributária, 1978. p.26-27.
  7. CASSONE, Vittorio. Imposto sobre produtos industrializados – IPI. Parecer PGFN 405/2003. Brasília: Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, 2003. p.5
  8. CASSONE, Vittorio. Op.cit., p.5.
  9. CASSONE, Vittorio. Op.cit, p.7.
  10. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004.
  11. MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Atlas, 2003, pp-497-498.
  12. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.341.
  13. TORRES, Ricardo Lobo. Op.cit., p.341.
  14. ROCHA, José Humberto da. Op.cit., p.5.
  15. SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Teoria e Prática das Isenção tributárias. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 54.
  16. MARTINS, Ives Gandra. Notícias AIC. Informativo Semanal 16, de 19.04.1985, p.3)
  17. ROCHA, José Humberto da. Op.cit, p.4.
  18. CASSONE, Vittorio. Op.cit., p.17.
  19. MACHADO, Hugo de Brito. Op.cit, p.508.
  20. ROCHA, José Humberto da. Op.cit, p.11
  21. ROCHA, José Humberto da. Op.cit., p.12
  22. RE 370682 e 353657
  23. Entendimento do Ministro Eros Grau no RE 353657-5/PR
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Sobre o autor
Pedro Bastos de Souza

Bacharel em Direito pela UERJ. Bacharel em Comunicação Social (Jornalismo) pela UFF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Pedro Bastos. Discussões sobre o direito a crédito de IPI na entrada de insumos isentos, não-tributados e tributados à alíquota zero. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1822, 27 jun. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11408. Acesso em: 28 mar. 2024.

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