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Discussões sobre o direito a crédito de IPI na entrada de insumos isentos, não-tributados e tributados à alíquota zero

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27/06/2008 às 00:00
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A polêmica surge quanto à não-cumulatividade do imposto frente a benefícios como isenção ou tributação à alíquota 0%, tanto na venda quanto na aquisição.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. A ARGUMENTAÇÃO EM DEFESA DO CONTRIBUINTE. 3. A SISTEMÁTICA DO IPI: OS CRÉDITOS E O PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE. 3.1. Compensação e os créditos de IPI. 3.2. Isenção x Alíquota Zero. 3.3. Créditos de IPI e produtos não-tributados. 3.4. O art. 11 da Lei 9779/99. 3.5. Outros aspectos revelantes. 4. SÍNTESE DA POSIÇÃO DO STF NOS RECURSOS EXTRORDINÁRIOS 370682 E 353657. 4.1. Modulação dos efeitos das decisões. 5. CONCLUSÕES. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


1. INTRODUÇÃO

O princípio da não-cumulatividade do IPI tem gerado discussões no Judiciário e na doutrina. A polêmica surge quanto à não-cumulatividade do imposto frente a benefícios como isenção ou tributação à alíquota 0%, tanto na venda quanto na aquisição. Em especial, tem-se discutido em diversas instâncias judiciais, desde meados da década de 1990, se a aquisição pelo industrial de insumos isentos, não-tributados ou tributados à alíquota zero dariam direito a créditos do IPI.

O STF, depois de alguma vacilação sobre o assunto, decidiu em fevereiro de 2007, em sede de Recurso Extraordinário, que os contribuintes do IPI não fazem jus a créditos na aquisição de insumos tributados à alíquota zero e não tributados.

Uma série de argumentos vinha sendo apresentada pelos contribuintes, em defesa da manutenção dos créditos, em contrapartida às teses da Fazenda de que tais situações não admitiriam a apropriação de créditos. A questão maior gira em torno de se compreender como funciona o princípio da não-cumulatividade e em que medida tal princípio se relaciona com tais operações.

O presente estudo tem como objetivo discutir a questão dos créditos do IPI decorrentes da entrada de insumos isentos, não-tributados e tributados à alíquota-zero, apresentando os princípios pontos polêmicos da matéria. São debatidos os argumentos em defesa do contribuinte e em favor da Fazenda Pública. As recentes decisões do Supremo Tribunal Federal e seu alcance temporal também são objeto de análise.


2. A ARGUMENTAÇÃO EM DEFESA DO CONTRIBUINTE

O Governo Federal, para desonerar a produção e beneficiar o consumidor final, tributou à alíquota zero diversas matérias primas que compõem o processo industrial, além de conceder isenções. Os defensores da manutenção do crédito de IPI defendem que, caso não seja efetuado o creditamento referente a tais insumos ou mesmo nos casos de isenção, o imposto tornar-se-ia cumulativo, "onerando o produto final e prejudicando o consumidor, que era o beneficiário da medida adotada pelo governo quando reduziu a zero a alíquota do IPI, tornando dessa forma em mero deferimento". [01]

Seguindo tal linha de raciocínio, a conclusão é que seria desrespeitado o princípio da não-cumulatividade do IPI (CF, art. 153, IV, § 3º da CF). Regra no mesmo sentido está presente no Código Tributário Nacional (art. 49).

Assim se pronuncia Alexander Cainzos [02]:

"A não-cumulatividade possui caráter econômico (extra-fiscal) inerente a todos os impostos indiretos. (...) Se o produto final a ser vendido for tributado integralmente e não for efetuado qualquer abatimento, o benefício dado sobre a forma de tributação menor, em um segundo momento, aumentaria a carga tributária. (grifos nossos). Isto porque um setor produtivo seria beneficiado em detrimento de outro, além de o recolhimento do imposto ser efetuado novamente, ferindo assim preceitos constitucionais."

Também o art. 11 da Lei 9779/99 vinha sendo invocado em prol dos contribuintes neste caso. [03] Já o RIPI (art. 171, § 1º) impede os contribuintes de se creditarem do IPI relativo à aquisição da matéria-prima tributada à alíquota-zero ou isenta. Tal disparidade de tratamento teria levado os empresários/contribuintes a ajuizarem ações em todo o país.

A tese vinha sendo explorada há alguns anos e já havia sido albergada pelo STF. Consistia na apropriação, pelo contribuinte, de créditos de IPI no caso de alíquota 0%(uma espécie de crédito presumido) de matérias primas (MP), produtos intermediários (PI) e materiais de embalagem (ME) usados na industrialização do produto, aplicando-se sob o valor nominal dessas aquisições (entradas), para fins de creditamento, a mesma alíquota, que incidiria na saída do produto industrializado do estabelecimento do contribuinte.

Outro argumento utilizado em prol do contribuinte seria o de que, se nos casos de isenção, onde não correria o nascimento da obrigação tributária, o STF reconhecera o direito ao crédito de IPI, o mesmo direito deveria ocorrer nos casos de aplicação de alíquota-zero, onde há o nascimento da obrigação tributária e respectiva tributação. Aqui, lançava-se mão do argumento "quem pode o mais, pode o menos".

Os contribuintes vinham utilizando argumentos de natureza econômica, alegando que a não utilização do crédito impediria novos investimentos no mercado. Perdendo mercado, a empresa fatalmente terá sua produção reduzida, impedindo a geração de empregos, aumentando ainda mais a massa de desempregados do país.

Tal argumento, por si só, não parece ser convincente. Não propriamente por ser extra-jurídico, mas por ser utilizado sem o mínimo de isenção científico-doutrinária. Funcionam como reforço de argumentação prática na defesa dos empresários, por juristas que buscam sempre a redução da carga tributária para seus clientes.

Ao se seguir por esta linha, a Fazenda teria igualmente argumentos poderosos: perda sensível da arrecadação, desequilíbrio nas contas públicas, redução do investimento público. Ao final, permaneceria o velho embate entre Contribuinte e Fazenda: um querendo pagar cada vez menos impostos e o outro querendo arrecadá-los mais.

Outro ponto a sustentar a legitimidade dos créditos seria a disparidade de tratamento da matéria na Constituição Federal entre ICMS e IPI. É importante ressaltar que, no caso do ICMS, o princípio da não-cumulatividade tem previsão no § 2º, I, do art. 155 da CF/88. Sofre, contudo, a exceção prevista no inciso II do mesmo artigo, a qual afasta este crédito nas hipóteses de operações sujeitas a isenção ou não-incidentes ao tributo. O IPI não conteria a mesma restrição expressa. A conclusão seria a de que o constituinte não quis dar o mesmo tratamento a ambos, pois, se o quisesse teria feito expressamente.

José Humberto da Rocha [04] sintetiza bem – para ao final refutá-los – os argumentos a favor da tese da acumulação de créditos em decorrência do princípio da não-cumulatividade:

"a) a Constituição prevê o princípio da não-cumulatividade do IPI, sem restrição de qualquer ordem;

b)a norma que consagra referido princípio é de eficácia plena não comportando restrições pela via infraconstitucional;

c)a Lei n. 9.779/99, que prevê referida compensação de créditos - mas somente a partir de sua edição - veio apenas corroborar entendimento decorrente da própria Constituição;

d)em relação ao ICMS a Constituição prevê como regra geral a não compensação do crédito com o montante devido nas operações ou prestações seguintes, na hipótese de isenção ou não-incidência;

e)em relação ao IPI não consta do texto constitucional semelhante norma, o que, pelo argumento a contrario senso, significa que a Constituição não admite a não-compensação;

f)pelo mesmo raciocínio a contrario senso e em razão da amplitude com que prevista a não-cumulatividade, conclui-se que somente estaria vedada a compensação de crédito na hipótese em exame se a Constituição dispusesse nesse sentido;"

O fato é que boa parte dos Tribunais Regionais Federais vinha acolhendo as teses dos contribuintes, decidindo pela possibilidade de creditamento de IPI sob o regime de isenção ou alíquota zero, colocando as duas hipóteses como parelhas. Não haveria, neste caso, ofensa ao princípio constitucional da não-cumulatividade. Ao contrário, tal creditamento ocorreria em consonância com o referido princípio. [05] Em suma, as decisões dos Tribunais Federais eram no sentido de que, se o creditamento não fosse efetuado, isso tornaria ineficaz a vantagem concedida e a transformaria em diferimento de incidência.

Mais radical, porém, era o entendimento do TRF-4 (AMS nº 2005.70.00.028144-0, de 01/11/2006), no sentido de que "a possibilidade de creditamento de valores referentes à aquisição de insumos tributados pelo IPI não deve ficar restrita aos casos de isenção e de alíquota zero, mas ser estendida aos casos de não-tributação e de imunidade, sob pena de lesão ao princípio da isonomia".


3. A SISTEMÁTICA DO IPI: OS CRÉDITOS E O PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE

O IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados – é devido pelas empresas que realizam a industrialização de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagens. Este imposto é não-cumulativo, de forma que o imposto devido em cada operação do processo de industrialização é compensado com o imposto cobrado na etapa seguinte.

Desde a Emenda Constitucional 18, de 1965, passando pela Constituição de 1967 e pela Emenda 01 de 1969 até chegarmos à Constituição de 1988, o tratamento da técnica da não-cumulatividade tem permanecido o mesmo. Todos os textos afirmam que o imposto é não-cumulativo, abatendo-se (ou compensando-se), em cada operação, o montante cobrado nas anteriores.

Para compreender melhor como se dá tal compensação, é importante que se entenda como se opera a não-cumulatividade.

De acordo com Alcides Jorge Costa [06]:

"O método de subtração admite duas variantes: o da base sobre base e o de imposto sobre imposto. Pelo método de subtração variante base sobre base, o valor acrescido resulta da diferença entre o montante das vendas e o das aquisições no mesmo período. Pelo método de subtração variante imposto sobre imposto, o valor acrescido obtém-se deduzindo do imposto a pagar o imposto que incidiu sobre os bens adquiridos no mesmo período."

Os dois métodos não se equivalem, exceto se a alíquota for uniforme (o que não é o caso quanto se discute créditos de IPI em insumos isentos ou à alíquota zero). Cassone [07] faz questão de ressaltar que no método sobre imposto, a alíquota das fases ulteriores exerce influência nas fases precedentes, enquanto que, no método base sobre base, o efeito da alíquota circunscreve-se à operação a que foi aplicada.

Cassone [08] traz como reforço argumentativo os entendimentos de importantes tributaristas do país, reunidos no III Simpósio Nacional de Direito Tributário (1978) em que se travou discussão se o valor acrescido é ou não circunstância que compõe a hipótese de incidência do ICM, cuja conclusão em plenário fora:

"Não, o valor acrescido não é circunstância componente da hipótese de incidência do ICM. O princípio da não-cunulatividade consiste, tão somente, em abater do imposto devido o montante exigível nas operações anteriores, sem qualquer consideração à existência ou não de valor acrescido."

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Cassone [09] apresenta ainda as conclusões de diversos autores de direito tributário. Convém, pelo poder de síntese, reproduzir a de Hamilton Dias de Souza no referido simpósio:

"No Brasil adotou-se o sistema de dedução de imposto, não de dedução da base. (...) O ICM não é imposto sobre o valor agregado, mas sim tributo multifásico não cumulativo por dedução do imposto exigível nas operações precedentes, o que não significa que incida necessariamente sobre o acréscimo de valor em cada operação."

Tais considerações, quer pelo fato de ICMS e IPI possuírem similitudes em sua essência (ambos são impostos ao consumo), quer pelo tratamento constitucional parelho, a tudo se aplicam ao IPI. Não parece, assim, haver grandes discussões no sentido de que o sistema constitucional tributário brasileiro sempre reservou, para a definição da não-cumulatividade do IPI, a compensação pelo cálculo imposto sobre imposto, com apuração periódica do IPI.

Registre-se, em sentido contrário, que Luciano Amaro [10] entende que a não-cumulatividade deveria obrigar a que o tributo fosse apurado sobre o valor agregado em cada operação, embora o próprio autor reconheça que o sistema adotado em nossa legislação é o da compensação com o imposto incidente nas operações.

3.1. COMPENSAÇÃO E OS CRÉDITOS DE IPI

A não-cumulatividade é operada por meio de compensação. A expressão teórica é traduzida na prática por simples cálculo aritmético. Do IPI devido pela venda que B faz a C, B compensa o IPI que A lhe cobrou na operação A-B.

De acordo com Hugo de Brito Machado [11]:

"Faz-se o registro, como crédito, do valor do IPI relativo às entradas de matérias-primas, produtos intermediários, materiais e outros insumos, que tenham sofrido a incidência do imposto ao saírem do estabelecimento de onde vieram [grifos nossos].b) Faz-se o registro, como débito, do valor do IPI calculado sobre os produtos que saírem. No fim do mês é feita a apuração. Se o débito é maior, o saldo devedor corresponde ao valor a ser recolhido. Se o crédito é maior, o saldo credor é transferido para o mês seguinte.

Ricardo Lobo Torres [12], ao discorrer sobre a não cumulatividade no IPI, ressalta que tal princípio atua através da compensação financeira do débito gerado na saída com os créditos correspondentes às operações tributadas. O autor frisa bem que tais créditos são físicos, reais e condicionados.

Lobo Torres [13] explica estas três características do crédito do IPI:

"O crédito é físico porque decorre do imposto incidente na operação anterior sobre a mercadoria efetivamente empregada no processo de industrialização. É real porque apenas o montante cobrado (= incidente) nas operações anteriores dá direito ao abatimento, não nascendo o direito ao crédito nas isenções ou não-incidências. [grifos nossos].

De acordo com Rocha [14], a leitura do dispositivo constitucional evidencia que o princípio da não-cumulatividade pressupõe, senão em relação à mesma mercadoria, pelo menos em relação a cada contribuinte ou estabelecimento, que exista imposto devido em determinadas operações e, imposto cobrado em operações anteriores, do que se pode extrair a primeira conclusão, no sentido de que a compensação somente se opera no limite do que for devido, excluindo-se, portanto, a compensação quando a operação seguinte for isenta ou não tributada. "Por isso que a Constituição não fala em "crédito", limitando-se a referir-se aos termos "compensação" e "montante".

Quem defende que a não-concessão de créditos referentes a insumos isentos ou com alíquota zero agrediria o princípio da não-cumulatividade, tornando o imposto cumulativo e fazendo do benefício fiscal meramente um diferimento no recolhimento do imposto parece, no mínimo, ter dificuldades em fazer algumas simples expressões matemáticas.

Imagine-se que o IPI em uma operação A-B é de R$ 10. Na operação B-C é de R$ 30,00. Se o imposto fosse cumulativo, o total seria de R$ 40.

Passando à não-cumulatividade, no caso de isenção com crédito, e supondo que, na operação A-B o imposto pago seria de R$ 10, dispensado pela isenção. Neste caso, o pagamento de B – C será de R$ 20,00 (R$ 30,00 da operação – R$ 10,00 do crédito). Na isenção sem crédito e na alíquota zero o pagamento será apenas de R$ 30,00, já que não houve qualquer recolhimento de imposto na operação A-B.

Haverá, sim, maior carga tributária de um modo geral, mas B-C continuará pagando menos imposto do que pagaria se o imposto fosse cumulativo. O mesmo pode-se dizer que ocorreria em operações subseqüentes. Se se adotasse a tributação pelo valor acrescido, aí sim, as distorções seriam maiores e poderia-se dizer que o benefício fiscal se tornara inócuo.

3.2. ISENÇÃO x ALÍQUOTA ZERO

Enquanto a isenção contém regras próprias, e está sujeita a condições e requisitos (art. 176, CTN), a alíquota zero expressa uma alíquota, embora livre ou zero, surtindo os mesmos efeitos das demais alíquotas.

No caso de isenção, não tem prevalecido a tese das correntes tributárias segundo as quais a isenção impede a incidência tributária e corta a regra-matriz de incidência. Na verdade, a incidência tributária existe em tese, mas é excluída pela lei da isenção. Tanto assim é que, se a condição não for cumprida (art. 176, CTN), persiste a obrigação tributária (crédito tributário do Fisco). Este é o entendimento do STF (ERE 104.963) em relação à isenção, no sentido de que "a obrigação tributária nasce com o fato gerador, que é a entrada da matéria-prima, mas o crédito tributário é afastado pelo favor fiscal."

Aurélio Pitanga Seixas Filho ressalta a isenção não é a única forma de fomentar a atividade econômica, figurando dentre as diversas medidas possíveis e adequadas a esse fim, as reduções de base cálculo para investimento e créditos-prêmios de ICM e IPI. Diz o tributarista [15]:

"Como alternartiva às isenções tributárias em sua função de incentivar determinada atividade econômica, pode o legislador optar pela restituição do imposto pago anteriormente. (...) As reduções de bases de cálculo do imposto de renda, créditos prêmios de ICM e IPI etc., foram formas que o legislador criou para subvencionar ou subsidiar atividades como o programa de alimentação do trabalhador, formação educacional do trabalhador, fomentar as exportações, etc., sem precisar transferir diretamente do Erário Público recursos financeiros já arrecadados"

Se uma empresa que adquire matéria-prima isenta tem o direito de crédito de IPI e outra que adquire matéria-prima com alíquota-zero não tem o mesmo direito, estamos tratando situações idênticas (não em sentido teórico e formal, mas de resultados iguais em matéria de real tributação) de forma desigual.

Seguindo esta linha, de acordo com Ives Gandra Martins [16]:

"A alíquota-zero não é senão uma das formas de isenção, pois expressa, claramente, em lei e com as mesmas conseqüências jurídicas. Dizer o legislador que um produto é isento do IPI ou que tem alíquota-zero é dizer, de forma clara e inequívoca, que, por força de favor legal, o produto referido não sofre qualquer incidência tributária. Os termos se equivalem e, por conseqüência, o que for aplicado para as leis de exclusão da incidência tributária quanto à isenção deveria ser para alíquota-zero"

Em sentido semelhante, assim se pronuncia Maurício Dantas Bezerra (2004, p.3):

"(...) a isenção, a alíquota zero e a não-tributação apresentam similaridades estruturais e estão sujeitas ao mesmo regime jurídico. (...) Apesar de as referidas figuras desonerativas possuírem naturezas diversas, todas apresentam a mesma finalidade qual seja, reduzir os custos de impostos das empresas para estimular a produção, a exportação e a competitividade do produto nacional."

A Procuradoria da Fazenda Nacional, em seu Parecer 405/2003, insistiu na distinção entre alíquota zero e isenção, talvez com a estratégia centrar o foco no assunto onde teria maior possibilidade de êxito no Judiciário. Assim, o esforço na elaboração do parecer foi no sentido de mostrar que, pelas diferenças entre alíquota zero e isenção, o direito ao crédito presumido, que em 2003 vinha sendo concedido a matérias isentas, não deveria se estender aos casos de alíquota zero e não tributação.

Já os contribuintes do IPI vinham defendendo o oposto: que a aquisição de insumos à alíquota zero mereceria o mesmo tratamento dispensado à isenção.

Faz mais sentido reconhecer as diferenças teóricas e formais entre os institutos, mas, ao mesmo tempo, seu efeito prático no pagamento dos tributos é o mesmo. Assim, qualquer que seja a posição (contra o crédito presumido ou a favor), por uma questão de coerência e de isonomia o tratamento deve ser igual entre as hipóteses de isenção e alíquota zero: ou se concederia o crédito nos dois casos ou a nenhum.

Realmente, parece ser ainda de mais difícil compreensão o aproveitamento de créditos em operações à alíquota zero do que na isenção. É que na isenção, ao menos, existe um parâmetro para saber quanto seria o imposto caso fosse pago. Na alíquota zero, nem isso. Nesta, se o critério para se estabelecer o valor do crédito for o imposto na saída, tal situação pode gerar situações absurdas, agressivas ao princípio da seletividade. Basta lembrar que o cigarro teria o maior crédito ficto, sendo o produto mais supérfluo.

Para Rocha [17] a tese de acumulação de créditos de insumos isentos desde a Constituição de 1988, em verdade, tem por fim favorecer o contribuinte com aplicação retroativa de um benefício fiscal previsto em lei, além de acarretar locupletamento indevido.

Ocorre que a isenção se subordina a determinados requisitos e condições estabelecidos por lei e não pode o Judiciário ou o contribuinte alargar seu campo. As isenções trazem, em si, um carga de extrafiscalidade, pois via de regra visam a estimular determinado setor da economia ou determinada região. Quando se concede uma isenção a insumo, quer-se beneficiar diretamente, o produtor de insumos, o que, como conseqüência, gera efeitos positivos para a economia. Se determinada isenção diz respeito a insumo, conceder ao comprador industrial um crédito presumido significa, de forma reflexa, conceder a este também uma isenção.

Além disso, é de se ressaltar que as normas de exceção devem ser interpretadas restritivamente. É no mínimo estranho o argumento "a contrario sensu" de que a Constituição teria vedado a manutenção do crédito em produtos isentos ou à alíquota zero apenas no ICMS e não no IPI, em virtude de texto expresso apenas para o imposto estadual. Lembre-se que o ICMS, sendo de competência estadual e, como tal, gerador, potencialmente, da chamada "guerra fiscal", exige disciplina específica que justifica a preocupação do constituinte em traçar as possibilidades de disciplinamento da matéria pela legislação infraconstitucional.

3.3. CRÉDITOS DE IPI E PRODUTOS NÃO-TRIBUTADOS

Houve quem defendesse o direito de créditos de IPI em situações de não-incidência do IPI. Por mais non-sense e surreal que a hipótese parece ser, já houve decisões judiciais neste sentido.É importante ressaltar que, em se tratando de não incidência, o tributo não é devido porque não chega a surgir a própria obrigação tributária.

É interessante seguirmos a linha de raciocínio de Cassone [18], que parte de quatro premissas:

a) Se o IPI incide sobre "produtos industrializados" (art.153, IV)

b) Se constitui fato gerador do IPI (quanto aos de produção nacional) a saída do respectivo "estabelecimento produtor" (art. 2º, II, Lei 4502/64)

c) Se "estabelecimento produtor" é todo aquele que "industrializar produtos" sujeitos ao IPI (art. 3º, Lei 4502/64)

d) Se é considerada "industrialização" qualquer operação que resulte alteração da natureza, funcionamento, utilização, acabamento ou apresentação do "produto" (art. 3º, parágrafo único, Lei 4502/64)

Em seguida, em tom irônico, conclui com uma pergunta: "Como é possível conferir direito ao crédito do IPI na aquisição, por exemplo, de PEIXES VIVOS; ou OVOS DE GALINHA, que estão fora do campo da incidência do IPI?"

É óbvio que só se pode falar em cumulatividade ou não-cumulatividade no momento em que os produtos começam a ser tributados, em operações plurifásicas. Assim, diante de tal proposição absurda, um crédito de tal natureza sequer poderia ser chamado de presumido, mas sim de fictício.

3.4. O ART. 11 DA LEI 9779/99

A possibilidade de compensar, escrituralmente, o montante do IPI pago quando da aquisição de matéria-prima, insumos e embalagens empregados na industrialização e não absorvido pelas incidências subseqüentes suportadas pelo contribuinte consubstancia, inegavelmente, medida de política fiscal voltada para estimular a produção.

O questionamento quanto ao direito de crédito na aquisição de insumos destinados a industrialização e posterior venda tributada dos resultantes produtos surgiu mais intensamente de uma interpretação errônea do art. 11 da Lei 9779/99.

Buscando compreender o exato sentido do art. 11, Cassone (2003), lembra que, no IPI, o "saldo credor" se dá em vista de saídas incentivadas, com manutenção do crédito, como, por exemplo, nas saídas destinadas à exportação, nos termos da lei. É possível que a empresa possa vir a ter considerável saldo credor acumulado.

Pela leitura do art. 11, pode-se perceber que o saldo credor se acumula porque "B" credita-se do IPI cobrado por A pela venda de insumos (tributados!) que esta lhe fez, e B, na operação B-C destina os produtos resultantes da industrialização em alguma hipótese em que a lei assegura a manutenção do crédito (exportação, venda à Zona Franca de Manaus, por exemplo), mesmo que o produto saia do estabelecimento B tributado à alíquota zero.

Neste sentido, Hugo de Brito Machado [19] afirma que o art.11 "nada mais fez do que reconhecer o direito ao uso dos créditos relativos aos insumos empregados na industrialização de produtos isentos ou não-tributados". Parece ser mais lógico, e sem agredir a ordem natural das coisas, que o art. 11 cuidou do uso dos créditos (dar solução ao saldo credor acumulado) e não de conceder a B um "crédito presumido" na aquisição que B fez de A.

3.5. OUTROS ASPECTOS RELEVANTES

A abordagem catastrofista de empresários e tributaristas quanto à possibilidade de quebradeira do setor industrial, perda de empregos e redução de investimentos em caso de perda do direito aos créditos presumidos de IPI na entrada de insumos isentos ou tributados à alíquota zero é, de fato, coerente com a grita geral contra a alta carga tributária do país e o confuso sistema tributário, que precisa de algum tipo de reformas.

Tal cenário parece estimulá-los, a, além de realizarem complexos planejamentos tributários e elisão fiscal, a buscarem malabarismos jurídicos para conseguir "brechas na lei" para não pagarem imposto.

Refutando argumentos desta natureza, Rocha [20] esclarece que a transferência do ônus do imposto no caso do IPI decorre não de uma causa de natureza jurídica, mas sim, do fato econômico de que a produção existe para ser consumida, o que permite ao industrial aliviar-se do ônus da tributação, fazendo-a recair sobre o elo final da cadeia produtiva. No entanto, dessa constatação de fato não se conclua que o industrial tem o direito de não pagar ou não suportar o ônus do imposto.

O momento da transferência do ônus do tributo é posterior à ocorrência do fato gerador, ao nascimento da relação jurídica tributária, razão pela qual não exerce influência sobre a natureza jurídica do tributo, sendo-lhe de todo estranha. Então, não se pode de uma mera constatação de fato concluir que o IPI não deve onerar a produção industrial. O nosso ordenamento jurídico diz, exatamente, o contrário, que o IPI, juridicamente, onera a produção, embora, fática e economicamente, recaia sobre o consumidor final. [21]

Outro ponto lembrado na decisão do STF foi a questão da harmonia entre os poderes. A legislação do IPI, ao não permitir o crédito presumido na aquisição de insumos tributados à alíquota zero, insere em uma política econômica governamental, cuja competência o legislador constitucional atribuiu ao Poder Executivo, em harmonia com o Poder Legislativo. Quanto às isenções, devem as mesmas ser estabelecidas por lei. Assim, não poderia o Judiciário suprir o incentivo, tomando emprestado uma alíquota de operação subseqüente para conceder um crédito presumido em operação anterior.

Outro argumento de boa lógica é o de que, em geral, à medida que as operações vão se sucedendo, as alíquotas tendem a aumentar. Isto faz sentido, em respeito ao próprio princípio da seletividade, em função da essencialidade do produto. Tomar de empréstimo uma alíquota aplicada em operação mais avançada na cadeia para aplicá-la "presumidamente" como crédito na operação anterior acaba gerando distorção na filosofia expressa pelo Poder Executivo.

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Sobre o autor
Pedro Bastos de Souza

Bacharel em Direito pela UERJ. Bacharel em Comunicação Social (Jornalismo) pela UFF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Pedro Bastos. Discussões sobre o direito a crédito de IPI na entrada de insumos isentos, não-tributados e tributados à alíquota zero. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1822, 27 jun. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11408. Acesso em: 23 nov. 2024.

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