A efetividade do método APAC na redução da reincidência criminal.

Uma alternativa humanizada ao sistema prisional brasileiro

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Resumo:


  • O estudo examinou a eficácia do método da APAC na redução da reincidência criminal no Brasil, comparando-o com o sistema penitenciário convencional.

  • A APAC implementa um modelo de execução penal humanizado, participativo e centrado na responsabilização do indivíduo, resultando em taxas de reincidência consideravelmente inferiores às do sistema tradicional.

  • Apesar dos desafios, o método APAC configura-se como uma opção viável e eficaz para enfrentar a reincidência criminal, destacando a importância de políticas penais que priorizem a dignidade humana e a real reintegração social.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Resumo: Este estudo buscou examinar a eficácia do método da Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC) na diminuição da reincidência criminal, considerando a crise estrutural do sistema penitenciário no Brasil. A metodologia empregada caracteriza-se por sua natureza qualitativa, apresentando uma abordagem exploratória e uma análise bibliográfica, fundamentando-se em doutrinadores do Direito Penal, da Criminologia e da Justiça Restaurativa, bem como em informações provenientes de órgãos oficiais. A revisão da literatura analisou o contexto do sistema penitenciário no Brasil, os princípios da punição e da reintegração social, a proposta da Justiça Restaurativa, a organização do método APAC, além de experiências internacionais análogas. Os dados indicam que as APACs, ao implementarem um modelo de execução penal humanizado, participativo e centrado na responsabilização do indivíduo, obtêm taxas de reincidência consideravelmente inferiores às do sistema convencional. Conclui-se que, apesar de não estar livre de desafios, o método APAC configura-se como uma opção viável e eficaz para o enfrentamento da reincidência criminal, acentuando a importância de políticas penais que priorizem a dignidade humana e a real reintegração social.

Palavras-chave: APAC. Justiça Restaurativa. Reincidência Criminal. Ressocialização. Sistema Prisional.


1. INTRODUÇÃO

Inicialmente, compete dizer que a criminalidade se configura como um dos principais desafios enfrentados pelas sociedades modernas, demandando respostas que vão além da mera punição e que viabilizem a ressocialização efetiva dos indivíduos condenados. O sistema penitenciário convencional do Brasil, caracterizado pela superlotação, condições inadequadas e violência, tem demonstrado ineficácia na reintegração dos indivíduos à sociedade.

Nesse cenário, surge a Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC) como uma alternativa inovadora, fundamentada em princípios humanitários, disciplina e envolvimento da comunidade, com o objetivo de proporcionar ao detento reais possibilidades de mudança pessoal (APAC, 2021).

Como problema da pesquisa, de acordo com as informações provenientes do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), tem-se que o Brasil apresenta uma das mais significativas populações prisionais globalmente, superando 800 mil encarcerados no ano de 2023 (Brasil, 2023).

Além do mais, conforme dados da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), a taxa de reincidência no sistema prisional tradicional atinge 70%, enquanto nas instituições administradas pelo modelo APAC, esse índice reduz-se para cerca de 15% (FBAC, 2023).

De tal modo, esses dados ressaltam a urgência de reconsiderar os modelos de execução penal e de explorar alternativas que sejam mais eficientes. Nesse contexto, emerge a seguinte questão: o método APAC é eficaz na diminuição da reincidência criminal em comparação ao sistema prisional convencional no Brasil?

Portanto, este estudo teve como finalidade examinar a eficácia do método APAC na diminuição da reincidência criminal no Brasil, por meio da comparação com informações do sistema penitenciário convencional, buscando identificar os fatores que favorecem seu diferencial.

Como justificativa para o desenvolvimento do presente estudo, enxerga-se a necessidade premente de alternativas eficazes para a questão da criminalidade, assim como pelo potencial do método APAC em apresentar um modelo mais humano, eficiente e sustentável para a execução penal. Entender os resultados gerados por esse método pode oferecer contribuições significativas para a elaboração de políticas públicas que favoreçam uma Justiça Penal mais transformadora e menos punitiva.

Para tanto, a metodologia utilizada neste estudo abrangeu uma pesquisa de caráter qualitativo e quantitativo, com uma abordagem exploratória e descritiva, focada na avaliação da eficácia do método da APAC na diminuição da reincidência criminal, em contraste com o sistema prisional convencional brasileiro.

A abordagem qualitativa foi empregada para analisar os fundamentos, princípios e práticas que constituem o método APAC, além dos fatores subjetivos que influenciam sua eficácia no processo de ressocialização dos indivíduos em cumprimento de pena. Simultaneamente, a metodologia quantitativa foi utilizada na avaliação de dados estatísticos relacionados à reincidência criminal, visando mensurar os efeitos efetivos do modelo em questão.

Como métodos técnicos, a pesquisa contou com a coleta de dados bibliográficos e documentais. A revisão da literatura incluiu obras literárias, trabalhos acadêmicos, normativas legais, dissertações, teses e publicações de instituições que fossem relevantes para o sistema penitenciário, a execução penal, o método APAC e a questão da reincidência criminal. A investigação documental concentrou-se na análise de dados secundários oriundos de fontes oficiais, tais como o DEPEN, a FBAC, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e outros órgãos e instituições que desempenham atividades no setor.


2. O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

2.1. A Reincidência Criminal

A situação do sistema penitenciário brasileiro se mostra alarmante, marcada por deficiências estruturais, superlotação, condições de saúde e segurança inadequadas, falta de programas efetivos de reintegração e uma intensa estigmatização social enfrentada pelos egressos.

Conforme indica Zaffaroni (2015, p. 45), “as instituições prisionais contemporâneas, em grande parte, mantêm a exclusão social, atuando como locais de custódia para indivíduos considerados indesejáveis pela ordem estabelecida”. Essa perspectiva revela o caráter discriminatório e punitivo das instituições prisionais no Brasil, as quais têm escassa eficácia na diminuição da criminalidade ou na modificação do comportamento dos condenados.

Frente a isto, informações provenientes do DEPEN, do ano de 2023, revelam que o Brasil detém a terceira maior população prisional do planeta, com mais de 830 mil indivíduos em situação de privação de liberdade. Deste montante, aproximadamente 40% consiste em detentos provisórios, o que evidencia não somente a lentidão do sistema judiciário, porém, igualmente a transgressão de direitos fundamentais (DEPEN, 2023).

Conforme indicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a taxa de reincidência no sistema penitenciário convencional situa-se entre 60% e 70%, demonstrando que o aprisionamento, tal como é realizado atualmente, não cumpre adequadamente sua função de reeducação e prevenção (Brasil, 2021).

Segundo Mirabete (2021, p. 49), “a pena privativa de liberdade, aplicada nos moldes atuais, não corrige, mas antes agrava o comportamento desviante”, uma vez que o sistema prisional se transforma em um espaço de reprodução da violência, do ócio e da desumanização. A interação com organizações criminosas, a ruptura de laços familiares e a estigmatização social após a pena aumentam as probabilidades de reincidência criminal, caracterizando o denominado ciclo da criminalidade.

Greco (2022, p. 99) argumenta que “a execução penal deve transcender a simples privação da liberdade, desempenhando uma função proativa na ressocialização do indivíduo”. Isso implica na disponibilização de emprego, educação, serviços de saúde, atividades culturais e suporte psicossocial – aspectos que ainda são escassos na maioria dos estabelecimentos penitenciários no Brasil.

De acordo com Baratta (2002, p. 47), “o sistema penal convencional apresenta características de seletividade e discriminação, atuando predominantemente sobre as classes sociais mais vulneráveis”, o que favorece a perpetuação da desigualdade social e o aumento da criminalidade recorrente.

Wacquant (2001, p. 136), por sua vez, reforça tal reflexão acima ao declarar que o sistema penal “desponta e opera como um mecanismo de administração da pobreza, acentuando a marginalização dos indivíduos que já se encontram em situação de exclusão”.

Assim, fica claro que o sistema penitenciário atualmente em operação no Brasil, fundamentado na lógica punitiva e excludente, não cumpre seu objetivo de reintegração social, convertendo-se, na prática, em um dispositivo de perpetuação de desigualdades e reincidência. A urgência de opções que tornem a execução penal mais humanizada e que efetivamente favoreçam a ressocialização do condenado emerge não apenas como uma alternativa viável, mas, como uma necessidade imperiosa diante da ineficácia do modelo tradicional.

2.2. A Ressocialização Como Finalidade da Pena

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988) prevê, em seu Art. 1º, inciso III, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como um dos pilares da República. Diante disto, o inciso XLVII, do Art. 5º, veda a imposição de penas cruéis (Brasil, 1988).

Nesse contexto, a ressocialização se apresenta como um objetivo da pena privativa de liberdade, conforme estipulado na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984), que em seu Art. 1º, estabelece que a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado (Brasil, 1984).

Prado (2022, p. 28) enfatiza que “a punição deve atuar como um mecanismo de reintegração, ao invés de representar um meio de vingança por parte do Estado”. Este autor ressalta ainda que “o sucesso da pena não se mede pela extensão do castigo, entretanto, pela transformação que ela provoca no indivíduo”.

Assim, a APAC, fundamentando-se em princípios como o amor, o trabalho, a disciplina e a espiritualidade, realiza esse ideal previsto na Constituição. Conforme Dias (2020, p. 97), “o método APAC é uma das poucas iniciativas que colocam em prática a proposta de uma Justiça Restaurativa, ao valorizar o potencial de mudança dos condenados e promover o envolvimento da sociedade na execução penal”.

Em resumo, a ressocialização deve ser entendida como o componente fundamental da pena privativa de liberdade, em consonância com os princípios constitucionais e os tratados internacionais dos quais o Brasil é parte. Contudo, a divergência entre o ideal normativo e a realidade efetiva do sistema penitenciário brasileiro evidencia um significativo descompasso.


3. A ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA AO CONDENADO (APAC)

3.1. Conceito e História da APAC

A APAC configura-se como uma organização civil de direito privado, sem finalidade lucrativa, que opera no âmbito da execução penal. A instituição tem como finalidade promover a reintegração de detentos, assegurar a proteção da sociedade, prestar assistência às vítimas e fomentar a Justiça Restaurativa (Dias, 2020).

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Zimmermann (2020, p. 63) destaca que “a APAC simboliza uma mudança em relação ao modelo prisional convencional”, focando na humanização da pena e na convicção de que “nenhum homem é irrecuperável”, princípio adotado pela instituição. Neste contexto, a relevância da APAC é reconhecida tanto em território brasileiro quanto internacionalmente, principalmente devido à sua eficácia na diminuição da reincidência criminal e à promoção dos Direitos Humanos no âmbito da execução penal.

A relevância pedagógica e transformadora da APAC é igualmente ressaltada por Dias (2021, p. 88), que afirma que “o método oferece aos internos a oportunidade de se reconstruírem como sujeitos morais, com dignidade e propósito, rompendo o ciclo da violência e da exclusão”. O autor ainda enfatiza que a APAC fomenta uma transformação cultural no sistema penal, substituindo o estigma e a penalização pela corresponsabilidade e pela expectativa de reintegração.

O método APAC foi introduzido em 1972, na cidade de São José dos Campos, em São Paulo, como uma opção humanizada ao sistema prisional tradicional. Desenvolvido por Mário Ottoboni, o modelo fundamenta-se na valorização do ser humano, na disciplina, na espiritualidade e na participação comunitária na execução penal. De acordo com a cartilha institucional da FBAC, o método APAC visa fomentar a reabilitação do indivíduo condenado, a salvaguarda da sociedade, o apoio às vítimas e a eficácia do sistema judiciário (FBAC, 2021).

A característica primordial da APAC é a inexistência de agentes penitenciários armados, grades ou uniformes. Os recuperandos assumem a corresponsabilidade pela administração da unidade, sendo motivados a se engajar em atividades laborais, educacionais, religiosas e de apoio psicológico. Conforme Silva (2020, p. 35), "o diferencial da APAC reside na formação de um contexto favorável à reflexão e ao desenvolvimento pessoal, o que impacta diretamente na diminuição da reincidência".

Neste contexto, pesquisas indicam que a taxa de reincidência nas unidades da APAC é aproximadamente 15%, o que representa um percentual consideravelmente menor do que aquele observado no sistema convencional. Essa distinção é decorrente da proposta educativa da APAC, que respeita a dignidade do condenado e proporciona recursos concretos para a reestruturação de sua vida pessoal e social (Brasil, 2022).

De acordo com Zimmermann (2020, p. 40), “o modelo APAC constitui uma quebra em relação à lógica punitiva do sistema convencional, configurando-se como uma experiência bem-sucedida que integra legalidade, humanidade e eficiência”. O autor ainda sustenta que “a APAC representa uma solução para a falência do modelo penal tradicional, ao converter a punição em uma chance de reabilitação, em vez de uma condenação eterna à marginalização”.

Assim, perante a falência do sistema prisional convencional, entende-se que a abordagem APAC surge como uma experiência inovadora que integra rigor, disciplina e humanização na execução da pena. A sua sugestão revela-se eficiente não apenas pela considerável diminuição da reincidência criminal, mas, também pela promoção de um processo de responsabilização consciente e pela reconstrução pessoal do sentenciado.

3.2. Justiça Restaurativa e o Método APAC

A Justiça Restaurativa e o método APAC, apesar de não serem sinônimos, encontram-se conectados na busca por uma abordagem mais humanizada e eficiente na execução da pena. O método APAC, cujo objetivo é a reabilitação do detento e a preservação da sociedade, propõe uma transformação de consciência e reintegração social, enquanto a Justiça Restaurativa disponibiliza mecanismos para manejar conflitos e fomentar a reparação das vítimas.

A atuação da APAC oferece uma abordagem de valorização humana, associada à evangelização, com o objetivo de proporcionar ao condenado condições para a sua recuperação, visando, em uma perspectiva mais abrangente, a proteção da sociedade, o apoio às vítimas e a promoção da Justiça Restaurativa.

Pode-se dizer, a priori, que a Justiça Restaurativa representa uma alternativa ao modelo retributivo convencional, enfocando a reparação dos prejuízos, a promoção do diálogo entre as partes envolvidas e a restituição dos vínculos sociais afetados pelo crime (Zehr, 2008).

Conforme Zehr (2008, p. 25), reconhecido como um dos pioneiros do movimento, "Justiça Restaurativa trata-se de um processo que visa incluir, na medida do possível, todos os envolvidos em uma ofensa específica”, identificando e abordando coletivamente os danos, as necessidades e as obrigações, com o propósito de restaurar e reparar o que foi danificado.

Deste modo, o método APAC, apesar de não ser considerado uma abordagem formal da Justiça Restaurativa, apresenta várias premissas em comum com esta, tais como a valorização da dignidade humana, a corresponsabilidade da sociedade na reintegração do condenado e o incentivo ao protagonismo do indivíduo na superação de sua trajetória delituosa. Também, a APAC representa uma concretização da filosofia restaurativa ao priorizar a recuperação do condenado, a atenção às vítimas e a pacificação social (Dias, 2020).

A participação engajada dos “recuperandos” em ações que promovem a autorreflexão, o perdão, o labor e o aprendizado, favorece a constituição de um sistema penal mais humanizado e eficaz. A APAC proporciona aos indivíduos condenados não apenas a execução da pena, todavia, também a oportunidade de reconstituírem suas vidas e de se reintegrarem de maneira digna à convivência social (Silva, 2020).

Em síntese, a Justiça Restaurativa e o método APAC constituem abordagens que, quando integradas, têm o potencial de promover uma Justiça mais eficiente e humanizada, favorecendo a reparação das vítimas, a reabilitação do infrator e a formação de uma sociedade mais pacífica.

Assim, nota-se que a iniciativa da Justiça Restaurativa se alinha de maneira significativa aos princípios que fundamentam a metodologia APAC, ao enfatizar a reparação dos danos, a responsabilização consciente do infrator e a reintegração dos laços entre o condenado, a vítima e a comunidade.

3.3. Experiências Internacionais Similares

Vários países têm implementado práticas alternativas à prisão convencional, focadas na humanização da execução da pena e na diminuição da reincidência. Nos países escandinavos, a exemplo da Noruega e da Finlândia, as instituições prisionais são organizadas com ênfase na reabilitação dos detentos, proporcionando condições de vida que se assemelham à realidade externa às prisões (Dias, 2020).

De acordo com Pratt e Eriksson (2013, p. 88), em Halden, na Noruega, tida como uma das penitenciárias mais humanizadas do planeta, “os prisioneiros dispõem de acesso à educação, práticas culturais, oportunidades laborais e liberdade de deslocamento dentro da instituição”. Ainda conforme Pratt e Eriksson (2013), “o êxito dos modelos nórdicos deriva da percepção de que a punição já é representada pela restrição da liberdade, não sendo necessário infligir sofrimento adicional ao preso”.

Outra experiência significativa é a da justiça terapêutica nos Estados Unidos, direcionada a delitos associados ao consumo de substâncias. Nesta perspectiva, juízes, promotores e defensores colaboram com profissionais da saúde e da assistência social, visando abordar as causas fundamentais do comportamento criminoso. Apesar de apresentarem diferenças em sua estrutura em relação à APAC, esses modelos também têm como foco a reabilitação e a quebra do ciclo da reincidência (Pratt; Eriksson, 2013).

Entretanto, a APAC sobressai-se por sua singularidade ao integrar espiritualidade, autogestão e intenso envolvimento da sociedade civil. De tal maneira, o modelo brasileiro foi exportado para diversas nações, incluindo Alemanha, Colômbia e Estados Unidos, onde está sendo ajustado de acordo com as particularidades locais (FBAC, 2023).

Sendo assim, as experiências internacionais examinadas evidenciam que é viável reavaliar o sistema penal com base em práticas humanizadas, que se concentram na responsabilização do infrator, na participação comunitária e na reparação dos danos ocasionados.

Portanto, as políticas penitenciárias implementadas em nações como Noruega, Alemanha, Países Baixos e Canadá demonstram que a adoção de abordagens voltadas para a dignidade humana, a educação e a reintegração social, são fundamentais para diminuir a reincidência e para o estabelecimento de uma cultura penal mais equitativa e eficiente.


4. CRÍTICAS E LIMITAÇÕES DO MÉTODO APAC

Apesar dos avanços amplamente reconhecidos proporcionados pelo método da APAC, é imperativo admitir que essa abordagem apresenta críticas e limitações. Apesar de o modelo ter se destacado na diminuição das taxas de reincidência e na humanização da execução da pena, várias questões estruturais, operacionais e ideológicas ainda representam desafios para sua total consolidação e alcance em larga escala.

Uma das críticas mais frequentes diz respeito à dependência da comunidade local e do trabalho voluntário, que é um componente fundamental da filosofia apaqueana. Conforme Andrade e Cunha (2020, p. 74), “a intervenção comunitária é o que distingue a APAC do sistema penitenciário convencional, sendo, igualmente, um dos seus aspectos mais vulneráveis”, uma vez que sua efetividade depende da adesão da sociedade, da formação dos voluntários e do comprometimento contínuo de entidades civis e religiosas. Em regiões com reduzida mobilização social ou falta de cultura associativa, a adoção do método enfrenta significativos obstáculos.

Uma outra fonte de tensão reside na questão da seletividade. Conforme notam Oliveira e Godoi (2018, p. 37), “a APAC tem a tendência de escolher internos que evidenciem motivação para a transformação, exibam conduta adequada e estejam dispostos a respeitar a rigorosa disciplina do método”.

Tal situação acima ocasiona uma espécie de "triagem informal", que pode excluir precisamente os detentos em condições mais críticas ou aqueles classificados como altamente perigosos – o que suscita questionamentos acerca da efetiva capacidade do modelo em atender os grupos mais vulneráveis da população prisional (Oliveira; Godoi, 2018).

Sob a perspectiva institucional, identificam-se vulnerabilidades na infraestrutura e na captação de recursos financeiros. Apesar de o método apresentar custos reduzidos em relação ao sistema prisional tradicional, diversas APACs enfrentam obstáculos financeiros para sustentar suas operações, principalmente em áreas com menor auxílio governamental (Brasil, 2019).

Além do mais, de acordo com Dias (2021, p. 99), a viabilidade do modelo se encontra intimamente “ligada à colaboração com o Poder Judiciário, o Poder Executivo e a sociedade civil – o que pode torná-lo suscetível a alterações políticas e administrativas”.

Persistem, ainda, críticas de caráter ideológico. Zaffaroni (2015, p. 55) indica que, “apesar de a APAC sugerir um modelo humanizado, ainda opera conforme a lógica do encarceramento e da punição estatal, sem realizar uma análise aprofundada da estrutura seletiva do sistema penal”. Na sua perspectiva, constitui uma alternativa "menos pior", embora ainda mantenha, em certa medida, os princípios do sistema tradicional, sem desvincular-se de sua base estrutural excludente.

Ademais, autores como Salla (2007) e Wacquant (2001) levantam a preocupação de que iniciativas alternativas, como a APAC, possam ser utilizadas para legitimar o encarceramento, atuando como “válvulas de escape” ao invés de propiciarem uma reforma estrutural. Esses modelos, apesar de serem eficazes em certos contextos, não eliminam a necessidade de políticas públicas abrangentes voltadas para a prevenção da criminalidade, a Justiça Distributiva e a inclusão social.

Por último, é relevante ressaltar as restrições relacionadas à padronização e ao monitoramento. A fidelidade ao cumprimento dos doze elementos essenciais definidos pela metodologia não é observada por todas as unidades da APAC, o que prejudica a qualidade e a comparabilidade das informações obtidas. Existem diferenças consideráveis entre as unidades, tanto em termos de infraestrutura quanto na execução dos programas de trabalho, educação e espiritualidade (Brasil, 2022).

Assim, apesar de o método APAC constituir um progresso em relação ao sistema prisional convencional, torna-se essencial adotar uma postura crítica e realista em relação aos seus limites. Identificar esses desafios não reduz as virtudes do modelo, entretanto, auxilia em seu aprimoramento constante e no fortalecimento de uma política penal mais equitativa, inclusiva e eficaz.

A avaliação crítica do método da APAC deve levar em conta não apenas os seus princípios humanitários e filosóficos, mas, também os impactos práticos, as limitações estruturais e a viabilidade de sua replicação. Trata-se de uma proposta que, ao se opor diretamente à lógica punitivista do sistema prisional convencional, visa instaurar uma nova cultura de execução penal no Brasil – mais alinhada aos princípios constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana, da função ressocializadora da pena e do envolvimento da comunidade.

As informações estatísticas que apoiam a eficácia do modelo são decisivas. Conforme o Instituto Minas Pela Paz (2020), a taxa de reincidência nas unidades administradas pela APAC varia entre 15% e 20%, o que contrasta de maneira significativa com os índices superiores a 60% registrados no sistema penitenciário convencional, segundo o IPEA e o DEPEN. Esses dados, apesar de apresentarem variações entre os estados e as unidades, evidenciam um potencial considerável do modelo na prevenção da reincidência criminal.

Entretanto, é necessário contextualizar esses dados por meio de uma análise qualitativa. Conforme alertam Oliveira e Godoi (2018), o modelo APAC implica um criterioso processo seletivo para a admissão de internos, o que pode auxiliar na diminuição da reincidência observada, ao excluir perfis considerados mais “problemáticos” ou menos adequados à disciplina estabelecida.

De tal modo, essa seletividade suscita a reflexão de que os resultados positivos podem ser, em certa medida, influenciados pelo perfil dos reeducandos recebidos – geralmente voluntários, com antecedentes criminais primários ou que apresentam um padrão de bom comportamento.

Tal crítica converge com a perspectiva de Baratta (2002), que sustenta que o sistema penal, bem como suas alternativas, tem a capacidade de replicar lógicas de exclusão disfarçadas sob a ilusão de humanização. Ao admitir apenas internos que se comprometam com o processo, a APAC expõe-se ao risco de fortalecer uma forma velada de segregação, excluindo de sua proposta exatamente os indivíduos em situação de maior vulnerabilidade social ou com diversas recaídas no crime – aqueles que mais necessitariam de atenção sob a perspectiva de uma política criminal inclusiva.

Não obstante, a proposta apaqueana configura um progresso em comparação ao sistema prisional convencional. A sua ênfase na ressocialização ativa – mediante o trabalho, a educação, a espiritualidade e a valorização do indivíduo – se relaciona com os princípios da Justiça Restaurativa, conforme articulado por Zehr (2008), que propõe uma abordagem focada na reparação do dano e na restauração das relações sociais. A APAC não apenas cria ambientes mais humanizados, porém, igualmente incentiva o apenado a assumir a responsabilidade por suas ações, propiciando sua transformação pessoal.

As comparações internacionais também se mostram pertinentes neste debate. Na Noruega, instituições prisionais como Halden e Bastøy exemplificam um modelo de cumprimento de pena que prioriza a reintegração social em vez da repressão. De acordo com Pratt e Eriksson (2013), o êxito dessas instituições – que possuem taxas de reincidência abaixo de 20% - está vinculado a aspectos como o respeito à dignidade do detento, a preservação de laços sociais e uma robusta rede de proteção social após o cumprimento da pena.

De tal maneira, torna-se notável observar que, ainda que a APAC adote uma lógica semelhante à escandinava, sua atuação ocorre em um país marcado por profundas desigualdades sociais, infraestrutura carcerária insuficiente e um histórico de encarceramento em massa. Assim sendo, a implementação da metodologia APAC em grande escala encontra diversos obstáculos.

Inicialmente, destaca-se a imprescindibilidade de um suporte comunitário estável, o que nem sempre se verifica em grandes centros urbanos onde as comunidades apresentam desestruturação. Além disso, a dependência em relação ao voluntariado e a instituições religiosas pode suscitar questionamentos acerca da imparcialidade ideológica do modelo. Em terceiro lugar, a vulnerabilidade institucional, considerando que diversas APACs operam por meio de convênios frágeis com o Poder Público, apresentando orçamentos restritos e suporte técnico escasso.

Ademais, conforme salienta Dias (2021), a própria configuração da APAC, apesar de ser mais humanizada, continua a exercer um controle disciplinar rigoroso sobre os internos. O sistema de autogestão e corresponsabilidade requer uma adesão significativa a normas estritas de convivência e ética, o que, segundo alguns autores, pode ser interpretado como uma maneira discreta de coerção social. É imprescindível analisar cuidadosamente essa ambiguidade entre autonomia e controle em qualquer sugestão de ampliação do modelo.

Por sua vez, pesquisas realizadas por Zimmermann (2020) demonstram que a participação dos recuperandos na administração da unidade, juntamente com a confiança recíproca entre os internos e os monitores, cria um ambiente favorável ao fortalecimento da autoestima e à reconfiguração da identidade, elementos fundamentais no processo de reintegração social. A confiança nas instituições, a abordagem pautada em valores e a promoção de uma cultura de não violência são fatores que influenciam diretamente o sucesso do método.

Em resumo, a avaliação crítica demonstra que, apesar das limitações estruturais do modelo APAC, dos desafios de replicação e das críticas relacionadas à seletividade e à religiosidade, ele se configura como uma alternativa penal prática, eficiente e que promove a humanização. Os resultados positivos alcançados devem ser analisados com precaução, mas, também com esperança, funcionando como uma referência sólida de que alternativas à execução de pena são viáveis – desde que sejam acompanhadas de políticas públicas consistentes, investimento social e engajamento da sociedade civil.

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Sobre as autoras
Laura Caroline Duarte Silva

Estudante de Direito - Centro Universitário Una

Bárbara de Oliveira Freitas

Estudante de Direito - Centro Universitário Una

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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