Contrato de namoro no âmbito do Direito Civil

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Resumo:


  • O contrato de namoro é um instrumento recente, entendido como um negócio jurídico celebrado entre as partes para proteger bens adquiridos antes e durante a relação.

  • Estudos buscam compreender os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o contrato de namoro, especialmente sua validade jurídica e a possibilidade de perda da validade em casos de transmutação para união estável.

  • O contrato de namoro surge como uma forma de afastar os efeitos legais da união estável, protegendo os bens adquiridos pelas partes e evitando a configuração involuntária de uma entidade familiar.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O contrato de namoro possui validade jurídica no Direito Civil? Quais os limites, a eficácia e a validade do pacto diante da união estável?

Resumo: O contrato de namoro é um instrumento novo, celebrado com o intuito de preservar o patrimônio das partes envolvidas na relação. Estudá-lo é crucial para compreender sua validade jurídica dentro do ordenamento, como um negócio jurídico celebrado entre as partes com a intenção de assegurar bens adquiridos antes e durante a relação. Este trabalho tem como objetivo compreender os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o contrato de namoro.

Palavras-chave: Contrato de namoro; Direito Civil e Namoro.

Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito de namoro e sua evolução histórica. 3. Eficácia do contrato de namoro no Direito de Família. 4. Perda da validade do contrato de namoro. Considerações finais.


1. INTRODUÇÃO

Falar sobre o contrato de namoro é essencial para compreender sua validade jurídica no ordenamento. O namoro caracteriza-se pela estabilidade da relação, inversamente relacionada à probabilidade de término.

O contrato de namoro é um instrumento recente, compreendido como negócio jurídico celebrado entre as partes, com a intenção de proteger bens adquiridos antes e durante a relação. O entendimento doutrinário e jurisprudencial é, portanto, indispensável. Este estudo se justifica pela necessidade de analisar o contrato de namoro como meio de proteção patrimonial.

O objetivo geral é compreender os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o contrato de namoro. A pesquisa busca responder: o contrato de namoro pode perder sua validade e ser reconhecido como união estável?

Com base nas causas e na relevância do tema, pretende-se contribuir com profissionais, acadêmicos e a comunidade. Os objetivos específicos são: a) compreender o conceito de namoro e sua evolução histórica; b) estudar a eficácia do contrato no Direito de Família; e c) discutir a possibilidade de perda de sua validade.

O trabalho é uma revisão de literatura, qualitativa e descritiva, na área do Direito Civil, com base em publicações de livros, artigos e bancos de dados como SciELO e PePSIC, entre os anos de 2007 e 2025.


2. CONCEITO DE NAMORO E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Conforme Madaleno (2011, p. 1.081), o namoro se distingue da união estável pela ausência de estabilidade, pela falta de vida em comunhão plena e pela inexistência da intenção de constituir família. Em contrapartida, Dias (2011, p. 186) aponta o grau de comprometimento como fator determinante para essa diferenciação. Para Gonçalves (2011, p. 615), o elemento crucial está no propósito de formar uma família.

No que tange à intenção de constituir um núcleo familiar, observa-se que um relacionamento amoroso pode projetar essa intenção para o futuro. Ou seja, o casal pode desejar formar uma família em algum momento, mas não no presente. Essa possibilidade torna imprecisa a linha divisória entre namoro e união estável, especialmente considerando que a última pode surgir de um namoro prolongado, sem que o casal perceba a formação de uma entidade familiar.

Os relacionamentos íntimos, como o namoro, pressupõem identidades e representações sociais compartilhadas por meio de comportamentos, normas e valores. Namoro, enquanto relacionamento amoroso, envolve afeto entre duas pessoas que compartilham sentimentos, desejos e vontades.

Antigamente, o namoro era uma etapa importante que precedia o primeiro contato íntimo entre os parceiros, geralmente com a expectativa de aprovação familiar. Hoje, contudo, os relacionamentos são encarados de forma mais liberal, progredindo com maior rapidez e intensidade, o que provoca transformações em curto espaço de tempo (Oliveira, 2005).

Comparados aos hábitos e tradições do passado, os relacionamentos atuais demonstram mudanças significativas. Hoje, casais vivenciam um alto grau de proximidade sem sofrer reprovação social. Exemplos disso são as relações sexuais antes do casamento, os relacionamentos sem compromisso de exclusividade e os encontros ocasionais (Caminha, 2023).

Para que uma relação seja identificada como namoro, é necessário observar critérios semelhantes aos da união estável, como publicidade, lealdade e constância na convivência. Entretanto, é importante destacar que relacionamentos não exclusivos também se tornam cada vez mais comuns (Maluf; Maluf, 2018).

O namoro é caracterizado, principalmente, pela estabilidade da relação, que se relaciona inversamente à probabilidade de uma das partes deixar o vínculo. Além disso, há a aceitação de uma relação específica, mesmo diante de fatores ambientais contrários à sua continuidade (Rodrigues et al., 2002).

De acordo com Gonzaga, Kelner Londahl e Smith (2001), a presença momentânea e expressa de amor exerce papel fundamental na aproximação entre parceiros, ao sinalizar e fortalecer o compromisso e, consequentemente, promover comportamentos comprometidos e sua percepção pelos envolvidos.

Além das causas do surgimento do compromisso, é essencial compreender os motivos que mantêm os parceiros unidos. Rodrigues e colaboradores (2002) descrevem o comprometimento de diversas formas: como sentimento de obrigação; como uma decisão que afeta outros interesses, mesmo que não relacionados à ação em si; ou como uma atitude de continuidade da relação, potencializada pelo investimento de tempo, esforço e recursos nela.

Antigamente, o namoro era uma etapa anterior ao casamento, muitas vezes controlada pelos pais (Béjin, 1987). Com as mudanças sociais, ocorreram profundas transformações nas formas de relacionamento amoroso e sexual, afetando também a estrutura familiar e instaurando uma nova ordem simbólica (Passos, 2015).

Essas mudanças abriram espaço para a família contemporânea, baseada em vínculos voluntários e autônomos, estruturados em valores como diálogo, respeito mútuo e harmonia.

As relações de namoro não são reconhecidas como entidade familiar, pois envolvem um contrato onde as partes prezam por fidelidade e afetividade (Brasil, 1988). Segundo Giddens (1993) e Bauman (2004), relações breves não geram segurança, pois não permitem o desenvolvimento da intimidade e da cumplicidade, essenciais à sensação de estabilidade.

Diante disso, muitos namorados têm se preocupado com os efeitos do eventual reconhecimento de uma união estável. Essa inquietação aumentou após a edição da Lei nº 9.278/96, que eliminou o prazo mínimo de cinco anos de convivência. Soma-se a isso o artigo 1.723 do Código Civil de 2002, que define a união estável como a convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituir família (Brasil, 2002).

Namoro e união estável podem se confundir juridicamente, pois qualquer relação, independentemente do tempo, pode ser reconhecida como união estável, desde que atenda aos requisitos legais, ficando a decisão a cargo do magistrado.

Segundo Mendonça (2011), o contrato de namoro oferece segurança ao declarar que a relação não configura união estável, evitando assim implicações patrimoniais. Conforme a Lei nº 8.971/94, o reconhecimento da união estável no Brasil dependia de convivência superior a cinco anos ou do nascimento de filhos.

Ou seja, a legislação baseava-se em critérios objetivos, como tempo de convivência ou descendência comum, para conferir validade jurídica à relação entre pessoas que viviam como se fossem casadas.

O contrato de namoro é um documento em que as partes registram, desde o início da relação, que não há união estável. O caput do artigo 1.723 do Código Civil de 2002 estabelece que: "É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família." Esse contrato visa assegurar que não haja comunicabilidade patrimonial, especialmente em relação aos bens adquiridos durante o relacionamento. A autonomia da vontade significa que a obrigação contratual decorre unicamente da vontade das partes.

Campos (2020, p. 39) afirma que o contrato de namoro é um ato jurídico no qual as partes declaram manter apenas um namoro. Pode ser formalizado em cartório ou de forma particular. Trata-se de um registro onde se afirma a existência de um relacionamento afetivo, sem intenção de formar uma entidade familiar ou gerar deveres patrimoniais, como ocorre na união estável.

Cabe destacar que o namoro, por si só, não gera efeitos jurídicos, como partilha de bens, fixação de alimentos ou direitos sucessórios. No entanto, pode servir como indício de prova em determinadas situações jurídicas.

Contratos são acordos de vontades que têm por objetivo criar, modificar ou extinguir direitos, sendo, portanto, um tipo de negócio jurídico bilateral. O atual Código Civil, em seu artigo 166, prevê hipóteses de nulidade do negócio jurídico e, no artigo 167, declara nulo o negócio jurídico simulado:

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

I - Celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

II - For ilícito, impossível ou indeterminável seu objeto;

III -O motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;

IV -Não revestir a forma prescrita em lei;

V - For preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;

VI - Tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

VII – A lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

Dessa forma, ao aplicar a legislação atual aos contratos de namoro e à sua execução prática, constata-se que tais contratos tornam-se inválidos, sobretudo em casos de dissimulação, como já apontado por alguns doutrinadores ao longo deste estudo.

Entretanto, há situações em que o contrato foi originalmente válido, havendo uma relação genuína de namoro entre os contratantes, que buscavam apenas regular a relação afetiva. Contudo, com o tempo, essa relação evoluiu para uma união estável de fato. Nesse caso, o contrato perde validade de forma implícita, por passar a infringir a legislação vigente sobre união estável.

No direito brasileiro, a manifestação de vontade pode ser expressa ou tácita. É expressa quando exteriorizada por escrito, verbalmente, por gestos ou mímicas, de forma inequívoca. E é tácita quando se infere da conduta do agente, sendo válida apenas quando a lei não exige manifestação expressa, conforme o art. 111 do Código Civil.

Namorados podem até morar juntos sem que isso configure uma união estável, pois há situações em que dividem o mesmo imóvel por razões econômicas. Nesse sentido, decidiu o STJ: “Este comportamento, é certo, revela-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social.” (STJ, REsp 1454643/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, pub. 10/03/2015).

Para Flávio Tartuce, o contrato deve ser considerado nulo quando já estiver configurada uma união estável. O doutrinador argumenta que tal contrato representa uma tentativa de renúncia aos direitos e obrigações próprios da união estável, sendo, portanto, nulo por fraudar a lei.

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Assim, diante das relações constituídas, observa-se que há conflitos de configuração entre namoro e união estável, especialmente após a promulgação da Lei nº 9.278/96 (Brasil, 1996), que ampliou o conceito de união estável.

Conforme Rodrigo da Cunha Pereira, o namoro, por si só, não gera efeitos jurídicos. Não há partilha de bens, regime de bens, fixação de alimentos ou direito sucessório. Se um casal de namorados adquire, por exemplo, um veículo em conjunto, com o fim do relacionamento, o bem poderá ser partilhado com base nas regras do direito obrigacional, caso não haja contrato escrito entre eles. Assim, é possível a existência de uma “sociedade de fato” dentro do namoro, sem que isso configure uma entidade familiar.

Logo, por não se tratar de entidade familiar, as questões jurídicas decorrentes do namoro, como danos à pessoa, são analisadas no campo do direito obrigacional ou até comercial (Pereira, 2017, p. s.p.). Portanto, não se deve confundir a relação de namoro com entidade familiar, pois, sem o intuito de constituição de família, trata-se apenas de um relacionamento amoroso, em que cada parte mantém sua residência separada.


3. EFICÁCIA DO CONTRATO DE NAMORO NO DIREITO DE FAMÍLIA

Preliminarmente, o namoro está intrinsecamente ligado ao Direito de Família, pois decorre de uma relação afetiva entre pessoas. O significado de namoro é relacionamento amoroso; assim, trata-se de uma relação afetiva entre duas pessoas que compartilham sentimentos, desejos e vontades.

Com a evolução da sociedade, especialmente no que se refere às relações amorosas, o ordenamento jurídico tem se adaptado a essas mudanças. Os relacionamentos afetivos partem de um "porto seguro", onde os parceiros, em nível inconsciente, buscam completar suas lacunas emocionais.

No namoro, as diferenças entre os parceiros são percebidas, mas facilmente aceitas, pela falsa crença de que um poderá modificar o outro após o casamento (Féres-Carneiro, 2005). Conforme Rosset (2005), no casamento, essas diferenças – como preferências, gostos, opiniões, hábitos, anseios e desejos – tornam-se mais incômodas na convivência diária.

Com o passar dos anos e acompanhando a evolução social, a Constituição Federal de 1988 representou um grande avanço no cenário do Direito de Família, ao reconhecer como entidade familiar as relações afetivas, mesmo sem a obrigatoriedade do casamento, anteriormente imprescindível para a caracterização familiar.

O progresso do Direito de Família justifica-se, em grande parte, pela constitucionalização do direito privado, especialmente no âmbito do Direito Civil. Esse processo insere a Constituição Federal como norma central do ordenamento jurídico, vinculando todos os demais ramos, sejam públicos ou privados (Silva, 2017).

No que tange à jurisprudência sobre o tema, ainda são escassos os escritos e persistem diversas divergências doutrinárias. O contrato de namoro passou, assim, a ser objeto de estudo e aplicação prática. Via de regra, nesse contrato as partes estabelecem que, em caso de término do relacionamento, independentemente do tempo de duração, cada um permanecerá com seus respectivos bens, seguindo sua vida sem pretensões patrimoniais recíprocas.

Conclui-se, portanto, que os contratos de namoro firmados entre casais estão diretamente vinculados ao princípio da autonomia da vontade, com a finalidade de expressar os reais interesses da relação e afastar uma possível confusão patrimonial. Sobre o contrato de namoro, Gagliano (2017, p. 514) destaca que:

Trata-se de um negócio celebrado por duas pessoas que mantêm relacionamento amoroso – namoro, em linguagem comum – e que pretendem, por meio da assinatura de um documento, a ser arquivado em cartório, afastar os efeitos da união estável. (GAGLIANO, 2006, p.514)

São crescentes as demandas de particulares que buscam orientações sobre o contrato de namoro. Cabe aos advogados, após entrevista detalhada, destacar todos os pontos pertinentes. É necessário mencionar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2015, que declarou sem validade o prazo de cinco anos de relacionamento previsto na Lei nº 8.971/94. Passou-se, então, a aplicar o Código Civil de 2002, ficando a critério do juiz decidir se a relação pode ou não ser caracterizada como união estável.

Diante disso, muitos casais manifestam, de forma clara, a vontade de não compartilhar patrimônio. O contrato de namoro tornou-se, assim, cada vez mais comum em nossa sociedade, especialmente entre casais com relacionamentos duradouros, mas sem o intuito de configurar uma futura união estável.

A busca por constituir família é um aspecto subjetivo, dada a semelhança entre união estável e casamento. Esse requisito legal considera pessoas que desejam formar um lar, mesmo diante de impedimentos legais (Dias, 2021). Portanto, o namoro e o noivado não devem ser interpretados como união estável, pois neles não se verifica a intenção de constituir uma família (Madaleno, 2022).

A tese do namoro qualificado surgiu a partir do julgamento do REsp 1.456 pelo STF, que definiu esse tipo de relacionamento como amoroso e duradouro, mas sem o interesse imediato de formar família. Configura-se quando está comprovado que, por pelo menos um dos envolvidos, não há vontade inequívoca de constituir família no presente, apenas como um plano futuro (Carolina Ribas Sergio).

Destaca-se também o julgamento do STJ no REsp 1.263.015/RN, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, que reforça a necessidade do animus familiae para a caracterização da união estável. A ausência desse desejo impede que os namorados sejam considerados conviventes, mesmo que compartilhem experiências comuns, como viagens, celebrações familiares e pernoites na casa do outro (STJ, REsp 1.263.015/RN, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/6/2012, DJe 26/6/2012).

Embora esse julgado seja do STJ e não do STF, trata-se de precedente importante, frequentemente citado para diferenciar namoro qualificado de união estável. A decisão enfatiza que a ausência da intenção de constituir família é o critério-chave, mesmo diante de uma convivência com características de relacionamento sério.

O contrato de namoro gera a necessidade de, eventualmente, comprovar o momento em que a relação deixou de ser apenas um namoro e passou a configurar uma união estável, ou seja, uma relação pública, duradoura e com o objetivo de formar família. Assim, torna-se necessário identificar o ponto em que o contrato perdeu sua validade.

Trata-se de um instrumento frágil, na medida em que pode ser demonstrado que houve o fim do namoro e o início de uma união estável. Nessa hipótese, a manifestação de vontade anterior, restrita ao namoro, é superada pela nova realidade de convivência com o intuito de formar família.

Portanto, mesmo havendo um contrato de namoro, caso fique comprovado que ele foi superado por uma união estável, sua validade é comprometida. Ressalta-se que, no âmbito do namoro — inclusive na modalidade qualificada —, não existem direitos e deveres jurídicos entre os parceiros, especialmente quanto a questões patrimoniais.

Não se aplicam, portanto, regime de bens, alimentos, pensão, partilha ou direitos sucessórios (VELOSO, Zeno. Direito Civil: temas. Belém: ANOREGPA, 2018, p. 313).


4. PERDA DA VALIDADE DO CONTRATO DE NAMORO

Para compreender a razão pela qual as pessoas passaram a recorrer ao contrato de namoro para regular as relações, é necessário estudar, antes de tudo, o histórico das mudanças que os relacionamentos sofreram até a promulgação da Constituição brasileira de 1988. No passado, a forma de escolher os cônjuges variava conforme o tempo e o lugar. É importante destacar duas etapas tradicionais: o namoro e o noivado.

O namoro, à época, era reservado e se desenvolvia na janela, na porta ou no portão, mas não dentro de casa, e sempre sob a vigilância de um membro da família, para preservar a honra do casal. Assuntos relacionados a namoro ou sexo não eram discutidos em família, e o namorado não era aceito na casa dos pais da moça.

Conforme Nader (2016), o namoro é preexistente ao casamento. Nessa fase, os indivíduos buscam conhecer-se melhor, identificando afinidades e diferenças.

O controle familiar era exercido pelo pai, pela mãe e por outros parentes residentes. Os irmãos, em especial, assumiam o papel de “defensores” das irmãs, chegando a agredir fisicamente namorados considerados inadequados (Azevedo, 1961, p. 221). Com o pedido formal de noivado, a vigilância continuava, mas de forma mais discreta, permitindo ao casal encontros em público.

Segundo Thales de Azevedo, surgiu posteriormente um novo modelo de namoro e noivado, ainda influenciado por padrões patriarcais, mas derivado da revolução sexual do final do século XVIII, na Europa. Esse modelo começou a se desenvolver fora do ambiente familiar e passou a ter um sentido mais afetivo, substituindo o padrão tradicional pelo ideal do amor romântico e do casamento por amor.

A felicidade conjugal deixou de estar subordinada exclusivamente aos interesses familiares, embora a vigilância permanecesse rígida. Aos noivos não era permitido ficarem a sós, devendo estar sempre acompanhados por irmãos, tias ou outros parentes. Esses acompanhantes eram, segundo Thales de Azevedo (1986), chamados de "alcoviteiros".

O controle familiar seguia rígido, como já mencionado por Azevedo (1961, p. 221), com os irmãos incumbidos de proteger as irmãs contra namorados considerados inadequados.

As chamadas regras do casamento são compostas por critérios e normas derivados da organização social, do sistema de parentesco e dos tabus de incesto. Tais regras definem a escolha dos cônjuges e a validação das uniões conjugais. Toda união é, portanto, precedida por ajustes e entendimentos entre os cônjuges ou entre suas famílias, mediada por intermediários socialmente definidos (Azevedo, 1986, p. 4).

Paralelamente, a relação de namoro evoluiu, distinguindo-se do modelo tradicional. Hoje, certos tipos de namoro assemelham-se às antigas uniões denominadas amasiato ou concubinato. A sociedade contemporânea caracteriza o namoro como uma relação marcada por fidelidade recíproca e publicidade do relacionamento perante familiares e amigos (Sena, 2011, p. 46).

No passado, não havia relações eventuais ou sem compromisso, como o modelo conhecido como “ficar”, ou “amizade colorida”, comum nas últimas décadas. Do “ficar”, muitas vezes, evolui-se para a chamada “escalada do afeto” (Oliveira, 2006). Na época, exigia-se da mulher solteira virtude, honestidade e honra — atributos tradicionalmente associados à virgindade. A perda da virgindade comprometia, significativamente, as chances de casamento.

Atualmente, o namoro baseia-se, em geral, em uma relação afetiva e amorosa, com companheirismo e compromisso entre os envolvidos. Pode até envolver coabitação, mas nem sempre há a intenção de constituir família. Essa intenção pode surgir futuramente, com o mesmo ou com outro parceiro.

Os elementos do namoro atual, como compromisso sério, duração temporal, auxílio mútuo, convivência sob o mesmo teto, compartilhamento de cama e vínculo com as respectivas famílias, foram, em parte, incorporados pelas leis de 1994 e 1996 como indícios de união estável.

Assim, alguns casais passaram a firmar o “contrato de namoro” como forma de evitar que as regras patrimoniais e sucessórias da união estável fossem aplicadas à relação. Contudo, esse contrato ainda pode ter sua validade questionada judicialmente, visto que não há jurisprudência consolidada sobre o tema (Dal Col, 2004, p. 140 e segs.). Como a união estável é um fato jurídico, sua comprovação se dá pela convivência. O Direito preocupa-se com os fatos e suas consequências jurídicas, mas a mudança nos costumes e mentalidades exige uma transformação nos princípios do Direito de Família, distinguindo namoro e união estável.

O contrato de namoro surgiu como novidade no campo jurídico, buscando afastar os efeitos legais de uma união estável. A partir da Constituição de 1988, consolidada pelo Código Civil de 2002, a família adquiriu novos contornos legais, passando a abranger outras formas de constituição familiar, como a união estável e os grupos monoparentais.

Além disso, homens e mulheres passaram a exercer os mesmos direitos e deveres no grupo familiar, assim como foram equiparados os direitos dos filhos biológicos, nascidos dentro ou fora do casamento, aos dos filhos adotivos.

Diante do exposto, não há uma definição doutrinária unificada sobre o conceito de namoro. Contudo, segundo o dicionário, trata-se de uma relação afetiva entre duas pessoas que se unem pelo desejo de partilhar vivências, estando socialmente comprometidas, mas sem estabelecer um vínculo matrimonial perante a lei civil ou religiosa.

Vale ressaltar que, se o casal deseja manter a separação de bens, mesmo vivendo em união estável, pode formalizar esse desejo em Tabelionato de Notas, por meio de Escritura Pública de União Estável, optando pelo regime de separação convencional de bens.

Embora a união estável não altere o estado civil dos conviventes, ela gera efeitos patrimoniais e consequências jurídicas desde o início da convivência, com repercussões materiais e existenciais (Dias, 2021).

Paralelamente, as vedações aplicáveis ao casamento também se estendem à união estável, conforme o artigo 1.723, §1º, do Código Civil: “A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.” No entanto, sendo a união estável um fato jurídico, mesmo que haja proibição legal, uma vez configurada a convivência, é impossível negar sua existência, sendo imperativo o seu reconhecimento (Dias, 2021).

Conforme ressalta Tepedino (2023), os contratantes recorrem ao contrato de namoro como forma de evitar a configuração da união estável. Porém, os requisitos da união estável estão expressamente disciplinados na lei, como “convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família”, nos termos do artigo 1.723 do Código Civil.

Com o advento da Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994, que regularizou a união estável no ordenamento jurídico brasileiro, surgiu a possibilidade de um negócio jurídico celebrado entre pessoas com vínculo amoroso. Esse contrato, redigido por escrito e lavrado em Cartório de Registro Civil, é conhecido como contrato de namoro, e tem como finalidade afastar os efeitos jurídicos decorrentes da configuração da união estável.

A doutrina reconhece dois tipos de namoro: o simples e o qualificado. O namoro simples é aquele sem compromisso profundo, de curta duração e, geralmente, sem consequências jurídicas, ainda que haja alguma publicidade da relação. Nesse caso, os parceiros vivem em residências distintas e não demonstram intenção, presente ou futura, de constituir família.

O namoro qualificado, por sua vez, aproxima-se da configuração de união estável, mas ainda não a constitui. A principal diferença entre ambos está na intenção de formar família — o animus familiae. Na união estável, essa intenção é atual; no namoro qualificado, trata-se de uma possibilidade futura. Em outras palavras, na união estável, já existe o núcleo familiar; no namoro qualificado, há apenas a intenção, ainda incerta, de constituí-lo no futuro.

Assim, o namoro qualificado é uma relação pública, contínua e duradoura, com ou sem coabitação, mas que, por si só, não gera efeitos jurídicos recíprocos. Já a união estável, com as mesmas características, é considerada um casamento não formalizado e, portanto, produz efeitos jurídicos.

A incipiência do debate sobre o contrato de namoro no direito brasileiro resulta em poucos julgados. Contudo, os tribunais têm entendido que esse instrumento, por si só, não é suficiente para afastar o reconhecimento da união estável e suas respectivas consequências jurídicas.

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