Resumo: O presente estudo aborda a relativização dos direitos fundamentais dos acusados, com foco em casos que ganham ampla repercussão nos veículos de comunicação. Busca compreender de que maneira a influência da mídia reflete no devido processo legal e quais são as suas consequências na esfera do Direito Penal brasileiro. O objetivo é refletir criticamente sobre os desdobramentos da criminologia midiática no âmbito do processo penal, com ênfase na garantia dos direitos fundamentais e na independência judicial. A metodologia adotada é qualitativa, descritiva e exploratória, voltada à análise crítica dos impactos da mídia no processo penal e de sua interferência na proteção dos direitos fundamentais, especialmente o direito à presunção de inocência. Constata-se que a criminologia midiática amplia o escopo da criminologia tradicional ao incluir a mídia como variável determinante no estudo da criminalidade. As jurisprudências mencionadas evidenciam que o Judiciário enfrenta esse dilema com cautela, ora reconhecendo o dano moral provocado pela mídia, ora entendendo que a pouca repercussão não compromete, por si só, a imparcialidade do julgamento. Ao examinar casos como habeas corpus negados ou pedidos de desaforamento, observa-se que nem sempre os impactos morais decorrentes da exposição midiática são plenamente identificados ou reparados pelo sistema de justiça, o que fragiliza o sentimento de justiça. Conclui-se que a criminologia midiática, embora não seja um fenômeno recente, assume contornos especialmente perigosos no atual contexto de hiperconectividade, jornalismo instantâneo e redes sociais. Esse cenário prejudica não apenas o direito do acusado, mas também a credibilidade do sistema de justiça.
Palavras-chave: Criminologia; Direito Penal; Mídia, Influência; Opinião Pública.
Sumário: 1. Introdução. 2. Referencial teórico. 2.1. Considerações sobre a evolução histórica da mídia. 2.2. A mídia na propagação da política. 2.3. Breves considerações sobre a influência da mídia no sistema punitivo brasileiro. 2.4. Criminologia midiática e seus impactos no direito penal. 3. Criminologia midiática: influência da mídia no devido processo legal e reflexos no direito penal brasileiro. 4. Considerações finais.
1. INTRODUÇÃO
O contexto dos processos judiciais penais envolve, entre diversas questões, debates sobre o papel da mídia nas decisões e condenações antecipadas. O delineamento temático aqui proposto envolve uma análise acerca da relativização dos direitos fundamentais dos acusados, especialmente em casos que ganham ampla repercussão nos veículos de comunicação.
Quanto à cobertura geralmente dada aos processos penais, esta passa, muitas vezes, por uma intensa espetacularização por parte da imprensa, dado o grande interesse da sociedade por crimes. Tal condição acaba determinando a forma de divulgação desses casos pela mídia, por meio de um enredo, sendo, por vezes, fantasioso, superdimensionado e sensacionalista, o que faz com que o processo passe a ter uma concepção para além do que realmente ocorreu (Daher; De Paiva; Barcellos, 2022).
A contextualização deste artigo centra-se em um termo recente: a chamada criminologia midiática, definida por Fleury et al. (2024) como uma vertente que se dedica ao estudo da relação entre a mídia, o crime e a sociedade, de modo a provocar um olhar reflexivo sobre a forma como são tratados, midiaticamente, os casos que demandam a atuação do sistema de justiça penal.
Ou seja, parte-se da premissa de que a criminologia midiática, como campo de estudo, investiga a maneira como a mídia constrói narrativas em relação ao crime e ao sistema de justiça, refletindo de modo direto na opinião pública e nas práticas penais. Abreu e Da Silva (2024) assinalam que, no escopo do Direito Penal, a mídia desempenha papel de destaque ao conformar percepções sociais sobre segurança, justiça e punição, comumente ampliando demandas por respostas rápidas e severas.
O referido fenômeno, no entanto, provoca tensões significativas com os direitos fundamentais, como a presunção de inocência, o direito à privacidade e a imparcialidade dos julgamentos. A correlação entre a cobertura midiática sensacionalista e o sistema penal pode desencadear a estigmatização de indivíduos, na legitimação de políticas criminais punitivistas e no prejuízo à equidade do processo legal. Nesse limiar é que se desdobra a análise desse tema à luz da opinião pública e dos direitos fundamentais como um dos entraves ao Estado Democrático de Direito.
A problemática considerada para o estudo aqui proposto está relacionada à postura que a mídia, muitas vezes, assume e ao papel que desempenha na formação da opinião pública, especialmente em casos de crimes violentos e/ou envolvendo figuras públicas. Tal atuação, frequentemente, adota um caráter contraditório e sensacionalista, refletindo na formação de julgamentos antecipados ou paralelos e, como destacam Rodríguez e Da Silva (2015), interferindo nos processos formais de investigação séria e julgamento imparcial.
Esse fenômeno levanta questões que alcançam os limites éticos e legais da forma como a mídia cobre os casos e da relação estabelecida com os direitos fundamentais dos acusados. Diante disso, estabelece-se como questão norteadora para a pesquisa: de que maneira a influência da mídia reflete no devido processo legal e quais são as suas consequências na esfera do Direito Penal brasileiro?
O objetivo geral é refletir criticamente sobre os desdobramentos da criminologia midiática no âmbito do processo penal brasileiro, com foco na garantia dos direitos fundamentais e na independência judicial. Já os objetivos específicos são: analisar como a mídia interfere na opinião pública na construção de narrativas sobre casos criminais; refletir sobre o modo como uma postura sensacionalista da imprensa conforma políticas criminais e decisões judiciais; e discutir os elementos éticos e legais capazes de minimizar os efeitos negativos da interferência midiática nos processos legais.
A realização do estudo justifica-se diante da relevância do tema na sociedade atual, marcada por inúmeros episódios que alcançam ampla repercussão midiática e geram comoção pública, podendo, como consequência, influenciar as políticas criminais e as próprias decisões judiciais.
Trata-se de uma oportunidade para ampliar o conhecimento sobre a criminologia midiática e os possíveis benefícios e prejuízos por ela causados, adotando uma postura equilibrada em relação ao tema, considerando-se também as contribuições que uma cobertura jornalística séria e responsável pode gerar para a conscientização social (Daher; De Paiva; Barcellos, 2022).
O percurso metodológico adotado para a realização deste estudo seguiu uma abordagem qualitativa, de caráter descritivo e exploratório, com o objetivo de analisar criticamente os impactos da mídia no processo penal brasileiro e sua interferência na proteção dos direitos fundamentais, especialmente o direito à presunção de inocência. Trata-se de uma pesquisa predominantemente teórica, expositiva e explicativa, voltada à compreensão das consequências da atuação midiática no Direito Penal, identificando de que forma a cobertura de casos criminais afeta os direitos fundamentais dos envolvidos e a administração da justiça.
A pesquisa caracteriza-se como bibliográfica e documental, utilizando fontes doutrinárias, artigos científicos, jurisprudência e legislação pertinente. A coleta de dados foi realizada por meio da análise de publicações jornalísticas e materiais de ampla repercussão que abordam casos criminais amplamente divulgados pela mídia. Também foi conduzida pesquisa bibliográfica nas obras de autores renomados na área de criminologia, como Póvoa (2019), Regassi (2019), Ribeiro (2021), Daher; De Paiva; Barcellos (2022) e Fleury et al. (2024), entre outros especialistas em criminologia midiática. Além disso, foram examinadas decisões judiciais relacionadas a casos midiáticos, com destaque para precedentes que envolvem a violação da presunção de inocência e do direito à privacidade dos acusados.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. Considerações sobre a evolução histórica da mídia
Quando se fala em processo penal midiático e em sua concepção histórica diante da percussão da verdade, Fleury et al. (2024) esclarecem que, ao longo da evolução da civilização humana, os conflitos geravam uma verdadeira sensação de repúdio na sociedade. Seus resultados, muitas vezes, eram gravosos e, em diversas ocasiões, as descobertas permaneciam impunes. No entanto, quando os casos eram levados aos reis, imperadores ou faraós — especialmente quando envolviam pessoas próximas ou queridas por eles — passavam a ser apreciados e sentenciados, revelando uma postura dúbia da justiça na época romana e em outros reinos.
Quanto ao conceito de verdade, remetia-se à ideia de anunciação, ou seja, um termo ou ato que exprimia algo entendido como preciso e necessário. A verdade significava palavras proferidas com o intuito de alcançar a conclusão de um fato efetivamente ocorrido (Pereira; De Melo Gomes, 2017).
De acordo com Da Silva Leal e Jeremias (2015), desde a Antiguidade era necessário contar com pessoas capacitadas, detentoras de conhecimento e poder, para solucionar as demandas sociais. Os autores citam que, na Grécia Antiga, por exemplo, a lei era aplicada pelos governantes que, sob uma visão mitológica e por meio da vontade dos deuses, definiam um castigo considerado justo para cada caso.
Com o avanço da sociedade e do comércio, surgiu na Grécia — principalmente na cidade-estado de Atenas — uma mudança significativa na lógica de aplicação do que se entendia por correção social. Nesse período, destacou-se a figura dos filósofos, concebidos como aqueles que rompiam com a ótica mitológica, na qual os deuses eram a origem de todas as coisas, e que passaram a se dedicar à busca da verdade e da origem dos fenômenos, a partir do estudo da natureza e, posteriormente, do comportamento social.
Barradas et al. (2024) mencionam que esse novo grupo de intelectuais deu origem a uma nova lógica de governo, a chamada democracia. Nesse contexto, a pena, antes aplicada por um monarca, passou a ser imposta por um grupo de indivíduos integrantes da Heliaia, ou Tribunal Supremo de Atenas, responsável pelo julgamento de crimes públicos e privados.
Daher; De Paiva; Barcellos (2022) destacam que, à época, quando as acusações eram feitas, era necessário considerar um “dito verdadeiro” e, assim, realizavam-se palavras de juramento, que representavam um veredicto com forte peso social. As palavras de juramento possuíam grande relevância no processo; contudo, as questões sociais e acusatórias não se restringiam a essa dinâmica. Promessas de desafios eram frequentemente feitas e, quando o acusado aceitava a proposta e se considerava vencido, obtinha o livramento das acusações anteriormente proferidas contra ele.
Havendo contradições nas acusações ou quando surgia outro suspeito pelo mesmo fato criminoso, os desafios eram provocados entre eles ou determinados pelas próprias autoridades. Nessa realidade, a verdade prevalecia sobre quem fosse fisicamente mais forte, pois era previsível que indivíduos mais avantajados venceriam o desafio proposto. Já aquele que rejeitasse o embate era considerado culpado (Pereira; De Melo Gomes, 2017).
Destaca-se, nesse contexto, a figura dos chamados sofistas, pensadores reconhecidos por seu grande saber, que se empenhavam em encontrar meios de prova para todas as acusações, já havendo, à época, certa conformação do processo penal. Tal prática, em perspectiva, aproxima-se do que hoje se denomina processo midiático, isto é, pré-julgamentos baseados apenas em fatos ainda não rigorosamente apurados e comprovados pelas autoridades competentes. Assim, tem-se uma visão histórica que permite descrever a ótica contemporânea do processo midiático (Da Silva; Saladini; Bonavides, 2023).
Barradas et al. (2024) destacam o significado da palavra “mídia”, referindo-se aos meios pelos quais a informação é transmitida. No cenário antigo, essa transmissão de notícias, falsas ou verdadeiras, limitava-se ao povo e envolvia o mistério de identificar quem dizia a verdade, demandando análise de um acervo probatório. No que se refere ao âmbito privado e ao público, o primeiro permanecia sob decisão popular, sendo resolvido pela própria comunidade. Já o que pertencia ao campo público dizia respeito ao interesse coletivo e recebia tratamento cuidadoso por parte dos filósofos.
A temática da mídia, no que diz respeito ao interesse público e privado, sempre foi objeto de debate entre filósofos antigos. Diversas reuniões foram realizadas entre esses grupos de cidadãos para alcançar um entendimento comum capaz de diferenciar o que era público do que era privado. Como resultado dessa herança histórica, caminhou-se para uma estrutura mais avançada do sistema Estado–Sociedade, constituindo um dos primeiros desenvolvimentos do Direito Romano e marcando o início da era moderna.
2.2. A mídia na propagação da política
Retomando a Antiguidade, Daher; De Paiva; Barcellos (2022) esclarecem que a voz do povo era a única via de divulgação dos desejos sociais em relação à vontade dos soberanos, até que surgiram as cartas e papéis — equivalentes aos atuais panfletos e notícias. A comunicação se firmava em elementos materiais de diferentes tipos: palavras escritas em papel ou imagens com conteúdo simbólico, refletindo as condições sociais que permeavam a produção e a circulação dessas mensagens.
Nessa linha, Barradas et al. (2024) afirmam que o objetivo dos indivíduos era atender aos próprios anseios, utilizando os recursos disponíveis para tomar as melhores decisões possíveis. Quanto mais poder era concedido a uma pessoa, mais eficaz ela se tornava; assim, quanto mais instrumentos tivesse em mãos, maiores seriam seus alcances. Foi dessa forma que se construiu a política. Com o avanço da informação e a disseminação de mensagens, estas passaram a adquirir caráter noticioso.
Quanto à produção dos jornais, não há consenso na literatura sobre o momento exato de sua origem. Em geral, aponta-se que ela remonta ao império de Júlio César, quando um filósofo alemão aprimorou os meios de registro escrito, originando as primeiras impressões na forma de livros (Da Silva; Saladini; Bonavides, 2023).
Na década de 1940, aperfeiçoaram-se os tipos móveis — iniciados pelos chineses para impressão de livros —, alcançando-se o sistema de prensa tipográfica. Esse avanço explorou as possibilidades do alfabeto romano, viabilizando a produção de livros em larga escala e dando origem aos jornais (Regassi, 2019).
Essas produções evoluíram para a impressão de livros e bíblias. As notícias foram divulgadas por longos anos, até que o poder de controle da informação, aliado a interesses econômicos, resultou na promulgação da Lei de Liberdade de Imprensa (Lei nº 2.089/53), que trazia diversas nuances atreladas ao Estado e funcionava como forma de controle da informação processada pelas imprensas.
Percebe-se que a mídia, ao longo da história, cumpriu papel essencial na disseminação da política e na formação da opinião pública. Desde a Antiguidade, com a divulgação da vontade popular por meio de manifestações orais e, posteriormente, através de cartas e documentos escritos, a comunicação consolidou-se como instrumento de expressão dos desejos sociais, influenciando diretamente as decisões governamentais (Barradas, 2024).
A consolidação do poder midiático foi acompanhada pela necessidade de controlar a informação, o que se refletiu em legislações como a Lei de Liberdade de Imprensa de 1953, voltadas à regulação da divulgação de notícias, muitas vezes com viés de controle estatal. A evolução da imprensa e das tecnologias de comunicação no início do século XX, impulsionada pela ascensão da indústria cultural, alterou profundamente as dinâmicas sociais, econômicas e políticas (Daher; De Paiva; Barcellos, 2022).
2.3. Breves considerações sobre a influência da mídia no sistema punitivo brasileiro
Os reflexos da mídia no escopo punitivo brasileiro são constatados tanto na opinião pública quanto nas políticas criminais. Da Silva Leal e Jeremias (2015) defendem que a mídia, especialmente por meio de abordagens sensacionalistas, não apenas informa, mas também tende a direcionar interpretações e potencializar acontecimentos criminais, moldando as percepções da sociedade em relação ao crime, aos agentes envolvidos e às respostas estatais.
Essa situação apresenta desdobramentos diretos no fortalecimento de discursos punitivistas, na seleção de alvos da repressão penal e na própria execução da justiça. Regassi (2019) assinala que, no Brasil, a mídia desempenha função central na formação da opinião pública, frequentemente amparada no medo e na insegurança. Por meio da cobertura de casos de ampla repercussão — especialmente os que envolvem violência ou figuras públicas —, a mídia constrói narrativas que impactam diretamente a forma como a sociedade percebe o sistema de justiça. Tal impacto se caracteriza por enfatizar crimes violentos, muitas vezes tratados fora de seu contexto estatístico, reforçando a ideia de que a criminalidade está em constante ascensão e contribuindo para o sentimento de insegurança coletiva.
Barradas et al. (2024) também ressaltam que casos de grande exposição midiática frequentemente colocam a sociedade em posições extremas, como o anseio popular por punição exemplar ou a absolvição incondicional, comprometendo os debates racionais sobre o sistema penal.
No mesmo sentido, Da Silva; Saladini; Bonavides (2023) analisam que a influência midiática no sistema punitivo brasileiro se manifesta no fortalecimento do populismo penal, entendido como a adoção de políticas criminais mais rigorosas e pautadas por respostas emocionais da sociedade. Essa relação é sustentada por coberturas constantes e intensas de crimes, que colocam o sistema de justiça sob pressão e exigem decisões céleres, nem sempre compatíveis com os ritos processuais adequados.
Muitos legisladores e gestores públicos, em busca de aprovação popular, frequentemente criam leis e medidas punitivas baseadas mais na resposta midiática do que em análises técnicas ou evidências científicas. Nesse cenário, a mídia atua como catalisadora da adoção de políticas de encarceramento em massa, agravando problemas estruturais como a superlotação carcerária (Abreu; Da Silva, 2024).
Da Silva Leal e Jeremias (2015) destacam que a influência midiática no sistema punitivo brasileiro possui implicações profundas, abrangendo desde a formulação de políticas até a execução da justiça. Isso é visível em casos de grande repercussão, nos quais o julgamento midiático pode anteceder e influenciar o julgamento judicial, afetando a percepção de juízes, jurados e da sociedade em geral.
Na perspectiva de Daher; De Paiva; Barcellos (2022), a exposição midiática muitas vezes ignora os direitos à privacidade e à dignidade, estigmatizando indivíduos antes da conclusão dos processos legais. Além disso, tende a concentrar-se em crimes cometidos por grupos marginalizados, reforçando desigualdades estruturais e negligenciando a criminalidade ligada a setores privilegiados.
Diante desses entraves, Regassi (2019) defende que é imprescindível buscar soluções que equilibrem o direito à informação com a proteção dos direitos fundamentais. Entre as propostas, estão a criação e aplicação de códigos de conduta que limitem práticas sensacionalistas, respeitando os direitos de acusados e vítimas; a promoção da alfabetização crítica da sociedade no consumo de informações; e a adoção de instrumentos capazes de proteger o devido processo legal contra a influência de julgamentos paralelos na esfera midiática.
2.4. Criminologia midiática e seus impactos no direito penal
A criminologia midiática aborda a relação entre a mídia, o crime e a sociedade, demonstrando como as narrativas midiáticas acerca de ações delitivas e de seus protagonistas afetam não apenas a opinião pública, mas também os processos penais e os direitos fundamentais dos envolvidos (Da Silva; Saladini; Bonavides, 2023).
Segundo Barradas et al. (2024), no Brasil, a intensa cobertura de casos criminais de ampla repercussão evidencia um conflito central: o direito à informação e à liberdade de expressão versus a proteção da presunção de inocência, da privacidade e da dignidade das partes.
Póvoa (2019, p. 5) afirma:
Com o movimento de globalização, fato que garantiu a aproximação dos povos de maneira mais operativa, acarretando a disseminação de informações e hábitos provenientes de todos os lugares do globo. O desenvolvimento tecnológico e cultural adquirido pelos países com tal evento foi sem escalas, vez que o conhecimento angariado nas mais diversas áreas proporcionou grandes acordos internacionais, desenvolvimento de projetos revolucionários e acessibilidade a informações de maneira mais célere e eficaz provindas de qualquer país, independente da distância entre fronteiras e diversidade linguística. (...) O constante bombardeamento de opiniões “prontas” criado pela comercialização de informações e acontecimentos fez nascer uma linha de pensamento “único” no meio social, passando a ser rotulado como “senso comum”, que começou a reger a moral e a conduta dos indivíduos, sem qualquer questionamento. Essas mensagens captadas e absorvidas proferidas pela mídia vêm gerando um sentimento transcendente a moral intrínseca do sujeito individual, vez que porções significativas da população recebem as mesmas informações, logo, criou-se conceitos basilares da vida em comunidade e em relação ao próximo singular a Era Digital.
Em que pese a presunção de inocência estar consagrada no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal — que estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” —, tal princípio fundamental busca assegurar que o acusado não seja tratado como culpado antes da comprovação legal de sua responsabilidade (Ribeiro, 2021).
Contudo, a atuação midiática, diversas vezes, desafia essa garantia ao promover julgamentos paralelos que expõem os acusados ao julgamento social prévio. Ou seja, a exposição midiática de casos criminais fomenta um tribunal da opinião pública, no qual fatos, especulações e julgamentos são apresentados de forma sensacionalista, muitas vezes ignorando os ritos processuais (Regassi, 2019).
Como assinalam Pereira e De Melo (2017), tal fenômeno pode influenciar juízes e jurados pela pressão social resultante da cobertura midiática, favorecer a estigmatização precoce e dificultar a reintegração social mesmo após eventual absolvição. Além disso, pode estimular a parcialidade provocada pela mídia, comprometendo a aplicação justa e equitativa da lei.
Embora a liberdade de imprensa seja um direito constitucional, ela encontra limites nos direitos fundamentais, como a proteção da privacidade, da honra e da imagem. A abordagem midiática sensacionalista, que privilegia a audiência em detrimento da precisão e do respeito aos direitos humanos, frequentemente ultrapassa esses limites (Da Silva; Saladini; Bonavides, 2023).
O conflito entre a liberdade de imprensa e os direitos fundamentais pode ser compreendido da seguinte forma: a divulgação de detalhes sobre a vida pessoal de acusados ou vítimas, muitas vezes, viola o direito à privacidade. A justificativa pautada no “interesse público” para coberturas midiáticas deve ser equilibrada com a necessidade de evitar danos desnecessários às partes envolvidas (Ribeiro, 2021).
Abreu e Da Silva (2024) reforçam que a interferência midiática nos processos penais prejudica a isenção dos agentes públicos e estimula práticas incompatíveis com o devido processo legal, como divulgações seletivas de provas, exposições desnecessárias de suspeitos e aumento da pressão pública por decisões judiciais precipitadas.
A criminologia midiática evidencia os desafios impostos pela cobertura de crimes e processos penais, sobretudo no que se refere à preservação dos direitos fundamentais e à garantia da presunção de inocência. No Brasil, onde a influência da mídia é marcante, é essencial adotar medidas que protejam a dignidade das partes envolvidas e assegurem o devido processo legal, fortalecendo os pilares do Estado Democrático de Direito. Somente por meio de uma abordagem ética e equilibrada será possível conciliar o direito à informação com o respeito aos princípios constitucionais.