O Estado de Direito é a substância fórmula em que se objetiva colocar os cidadãos a salvo de intemperanças dos eventuais detentores do poder, assegurando-se a todos um regime de impessoalidade e garantindo aos cidadãos a tranqüilidade de que não serão atingidos por providências oriundas de favoritismos, perseguições, caprichos, humores ou finalidades quaisquer que não a busca do bem comum, do interesse público, coletivo. [01]
Nele, a atividade administrativa apresenta-se como uma função estatal, cujo objetivo é gerir a coisa pública, longa manus do legislador, ou, nos dizeres de Afonso Rodrigues Queiró, a lei em ato, aplicando-a de ofício [02]- [03] num regime jurídico próprio em que o administrador público está adstrito aos comandos legais.
Somos uma República [04] e como República, do conceito de coisa (res) pública, nada é do administrador – "dele" – e tudo é do cidadão – "nosso" –, [05] no sentido de demonstrar que o administrador público, enquanto tal, não é dono, não é proprietário da coisa pública, não pode decidir sobre ela a seu querer, a seu talante. Não cabe a ele dispor da lei e da coisa pública, almejando fim diverso ao que está previsto, apesar de ser co-proprietário da coisa, no que se refere ao patrimônio que lhe está personificado na qualidade de cidadão nacional. [06]
Na República, não existe deles e nosso.
Na República, existe só o nosso.
Por gerir coisa pública, tem o administrador dever/poder de zelar pela legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, razoabilidade, proporcionalidade e primazia do interesse público perante o interesse do administrado.
No cumprimento de seu mister, contrata, licita, descentraliza, desconcentra, compra, vende, enfim, conduz a administração ao bem comum, sua única e real finalidade.
Ao executar a lei, naquilo que se denomina lei em ato, ou ao aplicar a lei de ofício, a administração, por meio do administrador, tem de utilizar, necessariamente, os atos administrativos, que são, respeitadas algumas divergências conceituais, declaração do Estado ou de quem lhe as vezes faça, no exercício de uma prerrogativa pública, regime jurídico de direito público, enquanto comando complementar de lei, sendo sempre possível a revisão pelo Poder Judiciário dada a cláusula da inafastabilidade jurisdicional expressa no comando do inciso XXXV do artigo 5.º da Constituição Federal de 1988. Até aqui, já se verificam dois direitos do administrado perante a administração: o primeiro, no sentido de que o fim das atividades administrativas deve ser sempre respeitado pelo administrador, pelo produto seu, pelo ato administrativo que expede; o segundo, é direito dos administrados – dada própria disposição da constituição –, ter a possibilidade de questionar os atos administrativos, na via jurisdicional, obtendo do Estado-Juiz uma resposta de mérito [07] em procedimento em que se respeitarão as fórmulas e as garantias processuais, dentre elas, o contraditório, a ampla defesa e a igualdade de partes sem que se possa defender ou imaginar que uns são mais iguais que outros. [08]
Voltando ao ato administrativo, que pode ser perfeito, válido e eficaz, por vezes, inválido e ou ineficaz e que possui como elementos sujeito, finalidade, conteúdo ou causa, motivo, competência e forma, a verdade é que uma vez exarado pela administração pública traz em si a presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade, executoriedade. Destacamos que, se passar a proposta das execuções fiscais administrativas como se desenha no Congresso Nacional, também veremos nele a força da expropriação, hoje, atualmente, inerente exclusivamente à função judiciária.
É óbvio que, se de um lado a administração tem no ato administrativo, no exercício da função administrativa, poderes exorbitantes, [09] inexistentes nas relações de direito privado, na via versa, tem o dever da responsabilidade objetiva [10] prevista no § 6.º do artigo 37 da Constituição Federal, mesmo que para danos oriundos de atos lícitos da administração. [11]
É, senão, outro direito do administrado.
Vamos adiante.
Os atos administrativos são produzidos a fim de desencadear efeitos na ordem jurídica. Estes, contudo, não são perenes. Cumpridos, exaure-se a função do ato. Vale dizer: o ato desaparece, extingue-se. Outras vezes, fatos ou atos posteriores interferem de maneira a suspender ou eliminar definitivamente estes efeitos, fazendo, nessa hipótese, com que o ato seja extinto. Demais disso, existem casos em que o ato sequer chega a desencadear seus efeitos típicos, seja porque antes da eclosão deles a Administração (ou o Judiciário) os fulmina, seja porque particulares beneficiários destes atos os recusam. [12]
Revogação é a extinção do ato administrativo ou de seus efeitos por outro ato por razões de conveniência ou oportunidade, respeitando-se os efeitos precedentes.
Invalidade do ato administrativo é a sua desconformidade com o Direito. Fala-se em inexistência, nulidade ou anulabilidade.
A verdade é que, como fixado em preceito sumular número 473 da lavra da Suprema Corte brasileira, a administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. [13]
Mais um direito do administrado, mais um dever da administração.
Anote-se que, conforme ensinamentos de Juarez Freitas, o cidadão brasileiro possui direito fundamental à boa administração pública, [14] conceituando-se esse como direito à administração pública eficiente e eficaz, proporcional, cumpridora de seus deveres, com transparência, motivação, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação social e à plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas. A tal direito corresponde o dever de a administração pública observar, nas relações administrativas, a cogência da totalidade dos princípios constitucionais que a regem. [15]
Diante do que apresentamos até este momento já se verificam diversos aspectos de controle jurisdicional sobre os atos administrativos, mais que isso, sobre a própria função administrativa que, num estado de discricionariedade legítima, tem a obrigação, competência, de avaliar e de escolher, no plano concreto, as melhores soluções, mediante justificativas válidas, coerentes e consistentes de conveniência ou oportunidade, respeitados os requisitos formais e substanciais da efetividade do direito fundamental à boa administração pública. [16]
O Poder Judiciário, o juiz, o Estado-Juiz, quer nos atos administrativos vinculados, quer nos discricionários, exercem, sim, controle da atuação administrativa.
Nos atos administrativos vinculados, aqueles em que dada situação X a própria norma estabelece conduta a ser seguida pelo administrador (Y), o Judiciário irá analisar essa equação: se X, faça Y, além de todos os elementos do ato administrativo, dentre eles, competência, finalidade, forma ou conteúdo, sujeito e motivação. Tratando-se de conceitos jurídicos administrativos indeterminados, fluidos e imprecisos por serem conceitos de experiência ou de valor, o magistrado deverá, num exercício de hermenêutica, [17] buscar o seu significado no momento da aplicação e da realização do ato que ora se controla jurisdicionalmente. Nos atos administrativos discricionários, aqueles em que existe um juízo de conveniência ou oportunidade do administrador, o Judiciário, numa primeira análise, restringir-se-á em apreciar os elementos do ato administrativo, dando uma atenção especial aos parâmetros postos pela finalidade de buscar o bem comum da administração pública e aqueloutra específica para o ato que foi previsto pelo legislador. Discricionariedade nunca é um "cheque em branco", uma folha de papel sem margens. A discricionariedade só existe enquanto parametrizada em seus dois lados pela busca do interesse da coletividade, pelo atendimento dela especificamente considerada. Discricionariedade é liberdade dentro da lei, do direito, nos limites da norma legal. É de ser definida como a margem de liberdade conferida pela norma ao administrador a fim de que este cumpra o dever de integrar a norma jurídica com sua vontade ou juízo, mas dentro de seu dever à boa administração, diante do caso concreto, segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos consagrados no sistema posto. [18]
Não se confunde discricionariedade com arbitrariedade. Ao agir arbitrariamente, o agente estará agredindo a ordem jurídica, pois terá se comportado fora do que lhe permite a lei. Seu ato, em conseqüência, é ilícito e, por isso mesmo, corrigível judicialmente. Ao agir discricionariamente, o agente estará, quando a lei lhe outorgar tal faculdade (que é simultaneamente um dever), cumprindo a determinação normativa de ajuizar sobre o melhor meio de dar satisfação ao interesse público por força da indeterminação legal quanto ao comportamento adequado à satisfação do interesse coletividade no caso concreto.
É bom frisar que nem sempre esses parâmetros, essa linha divisória entre arbitrariedade, discricionariedade e caráter vinculante da atividade administrativa estão bem delineadas no caso concreto. Algumas questões envolvendo direitos sociais constitucionais – educação, lazer, saúde, comunicação, meio ambiente – ainda dependem de uma maturação social constitucional [19] para se tornarem exigíveis como questões vinculativas ao administrador, à administração. O administrador público, no estágio atual do desenvolvimento social brasileiro, tem tratado tais questões como se discricionárias fossem, numa espécie de discricionariedade transitória. Com tantos objetivos constitucionais a serem alcançados pela administração pública, é conferida certa margem de discricionariedade ao administrador público para que, atendidos os padrões mínimos de cada um dos temas sociais constitucionais já possíveis de concretização, opte, escolha, priorize um ou outro assunto em sua administração como um todo para avançar ao próximo nível.
O tempo passará, novos padrões mínimos serão fixados naturalmente com o desenvolvimento social constitucional e tudo se repetirá até o momento em que as metas constitucionais serão atendidas em sua excelência, passando, no minuto seguinte, de metas para realidades vinculantes. A discricionariedade transitória, então, sairá de cena, ocupando-se dela integralmente a equação XY do ato administrativo vinculado.
E como atuar o julgador perante este momento único, singular da existência constitucional brasileira? [20]
Definir como o juiz deve posicionar-se, num dado caso concreto, para realizar a um só tempo, através de suas decisões, os pressupostos da certeza jurídica e da aceitabilidade racional é questão sobre a qual têm se debruçado autores como Dworkin, Habermas, Robert Alexy, John Rawls, dentre outros ao tratar da validade procedimental, pós-positivismo.
De qualquer forma, já podemos adiantar que o juiz está diante de um novo modo de pensar e de sentir o direito, não mais reduzido a quadros normativos rígidos; sua função requer muito mais sensibilidade e comprometimento com os interesses sociais. Ler o texto da Constituição brasileira sabendo explorar as tensões entre ele e o contexto, para evitar os contraste entre o ideal e o real, [21]- [22] ou, como ensina Jorge Miranda após explicar que o direito está acima e para além da lei, expondo que o vício do formalismo reside em pedir à lógica mais do que aquilo que pode dar e, arrematando, "que com equilíbrio impede-lhe o dever de uma atividade crítica sobre o juz conditum em nome da justiça e da consciência jurídica colectiva, das situações concretas do país, da coerência do sistema e da técnica legislativa." [23]
Sob esta linha de raciocínio, ousamos afirmar que a tarefa do julgador é encontrar o ponto de equilíbrio entre o que é promessa, objetivo, meta ou direção constitucional versus realidade sócio-constitucional de hoje. Entender o estágio atual da sociedade regrada pela Constituição, zelando, na medida certa, pelo respeito das metas constitucionais que podem ser cumpridas desde logo. Conduzir toda a sociedade, incluindo representantes e representados, administradores e administrados, para o cumprimento das vontades constitucionais que se vão tornando possíveis de serem exigidas no curso de sua vigência, num processo social de maturação constitucional encampado reiteradamente pelo Supremo Tribunal Federal Brasileiro. [24] Em suma, o julgador tem de captar a realidade do cotidiano sócio-constitucional, atuando como condutor da locomotiva constitucional, devendo mantê-la não só nos trilhos, mas em velocidade compatível com a realidade das coisas, isto é, sem lhe imprimir velocidade além dos limites suportados pelas bases reais da sociedade, tampouco aquém delas ou, simplesmente, parada sobre os trilhos. [25]
O julgador deve estar atento às relações humanas e aos fatores sociais de "produção e transformação do direito" quando da aplicação das normas jurídicas, naquilo que Ripert, citado por Recaséns e A. L. Machado Neto, denominou de forças conservadoras e renovadoras do direito, dentre elas, ação opinião pública, [26]- [27] entrechoque de interesses, grupos de pressão e dos partidos políticos, ação dos juristas como técnicos e ideólogos, tendências e correntes, conceitos e relações sociais variáveis de sociedade para sociedade e de época para época, usos e costumes, representação axiológicas que têm as pessoas que compõem o grupo, e necessidades e fins da vida humana que estejam pressionando em dado momento. [28]
Nesse mister e durante esta fase de estabilização progressiva dos direitos programáticos previstos na Constituição Federal, o julgador deverá estar atento aos atos do administrador, atuando, por vezes, como administrador negativo todas as vezes que se deparar com a invocação da discricionariedade como meio para afrontar o direito fundamental dos administrados à boa administração pública, ou, alternativamente, como desculpa para paralisia da implementação dos programas e das metas constitucionais que vão se tornando gradativamente vinculantes. [29] Como administrador negativo deverá o magistrado proceder a um controle de "demérito" do ato, identificando eventuais incoerências da conduta administrativa, exigindo justificação congruente, motivação dentro da jurisdicionalidade do ato e em consonância com a Constituição vigente, suas normas e princípios.
O administrador público, no exercício das escolhas administrativas, estará obrigado a trabalhar tendo como meta a melhor atuação, obviamente, não se esquecendo de trilhar os caminhos da prudência e da prevenção. Cabe ao juiz, de outro lado, o dever de vigiar e de impedir o ato administrativo irreflexivo. Com base nisso não se está a pedir do Poder Judiciário o controle desmoderado dos juízos de conveniência em si, mas um olhar atento sobre motivações obrigatórias, aspectos de compatibilidade plena do ato administrativo com os princípios, também aqui, como acentua Juarez Freitas, eficiência, eficácia e economicidade.
Outro não é o caminho que ruma a jurisprudência:
"O poder Judiciário não mais se limita a examinar aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade" (STJ – Resp 429.570/GO – 2.ª T. – rel. Min. Eliana Calmon – v. m. – j. 11.11.2003.).
REFERÊNCIAS
ARBEX JR., José. Showrnalismo: a notícia como espetáculo, São Paulo, Casa Amarela, 2005.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Anulação de ato administrativo e dever de indenizar, Boletim de Direito Administrativo, n. 484, ago.-1996.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 2001.
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, 3.ed., São Paulo, Lejus, 1998.
BERNARDES, Wilba Lúcia Maia. Direito constitucional, PUC Minas, 2003, texto base da disciplina do curso de Especialização em Direito Público.
CARTA DOS DIREITOS DA UNIÃO EUROPÉIA. Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/charter/pdf/text_pt.pdf>. Acesso em 10 jun. 2008.
CATTONI, Marcelo. Devido processo legislativo, Belo Horizonte, 2000.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público, São Paulo, Saraiva, 2004.
FREITAS, Juarez. Discricionariedade Administrativa E O Direito Fundamental À Boa Administração Pública, São Paulo, Malheiros, 2007.
JHERING, Rudolf von. Finalidade do Direito, Bookseller, v. 1.
MACHADO NETO, A. L. Sociologia jurídica, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 1987.
MIRANDA, Jorge. Teoria do estado e da Constituição, Rio de Janeiro, Forense, 2007.
ORWELL, George. 1984, 29 ed., Companhia Editora Nacional, 2003.
RUSSEL, Bertrand. O elogio ao ócio, 4. ed., Rio de Janeiro, Sextante, 2002.
SEABRA FAGUNDES, M. O Controle dos Atos Administrativos Pelo Poder Judiciário, 7. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2006.
Notas
- Nesse sentido, Alfredo Augusto Becker abrange bem comum autêntico e inautêntico (Teoria geral do direito tributário, 3 ed, São Paulo, Lejus, 1998. ). Rudolf von Ihering defende que a própria existência do direito, em todas as facetas, pública ou privada, é viabilizar a busca do interesse social, da vida social, da coletividade. O direito não é um fim em si mesmo, mas, apenas, meio para a consecução de um fim. O escopo do Estado, como o do direito, é estabelecer e assegurar as condições vitais da sociedade. O direito existe em função da sociedade, não a sociedade em função do direito. Disso decorre que, excepcionalmente, em situação que tome rumo tal que o Poder Público se veja diante da alternativa de sacrificar ou o direito da sociedade, não só tem a faculdade como, também, o dever de abandonar o direito para salvar a sociedade (Finalidade do Direito, Bookseller, v. 1, p. 282.).
- Expressão consagrada por Seabra Fagundes ao abordar o tema funções do Estado: "Legislar (editar o direito positivo), administrar (aplicar lei de ofício) e julgar (aplicar a lei contenciosamente) são três fases da atividade estatal, que se completam e que a esgotam em extensão." (O Controle dos Atos Administrativos Pelo Poder Judiciário, 7. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p.3).
- Interessante observação de Antonio Carlos Cintra do Amaral em seu trabalho Validade e Invalidade do Ato Administrativo,(Revista Diálogo Jurídico, Salvador, Centro de Atuação Jurídica, v 1, n. 8, novembro, 2001, p.3, Disponível em http://www.direitopublico.com.br, apud notas no texto do atualizador. Fagundes, Seabra. op., cit., p.18, nota 9)no sentido de que quando Seabra Fagundes utilizou o termo "aplicar a lei de ofício" teve como objetivo distinguir a função administrativa da função jurisdicional e não simplesmente limitar a função administrativa a uma atuação mecânica, sem planejamento, sem raciocínio, sem atividade intelectual alguma por parte do administrador público, de modo que as críticas lançadas por Nuno Piçarra ( A reserva da Administração, in O Direito, segunda parte: 1990, III e IV (julho-dezembro), p. 573, apud notas no texto do atualizador. Fagundes, Seabra. Op., cit., p.18, nota 10) atribuindo ao conceito uma atuação cega, meramente mecanicista e sem atividade intelectual alguma do administrador, data vênia, destoa da essência da expressão guerreada.
- Artigo 1.º da Constituição Federal.
- Nada é dele e tudo é nosso, no que se refere esfera jurídica do administrador enquanto, também, cidadão da República que temporariamente a administra. Enquanto administrador não é dono, proprietário da coisa pública, mas, como cidadão, partilha da propriedade de todos os bens com os demais súditos da nação.
- Para nós, efeito do reconhecimento da cidadania brasileira, no âmbito do direito administrativo. Com ela o ser humano integra o rol de co-proprietário do patrimônio nacional, surgindo, doravante, direito fundamental de obter do administrador público cumprimento fiel da legalidade, impessoalidade, publicidade, eficiência, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, finalidade no trato das questões da administração pública como um todo.
- Desde que respeitadas as condições da ação e os pressupostos de desenvolvimento válido e regular do processo quer negativos ou positivos.
- Daí porque somos contra o reexame necessário, previsto no artigo 475 do CPC, bem como tratamento diferenciado para Fazenda Pública, previsto no artigo 188 do CPC.
- Por exemplo, cláusulas exorbitantes dos contratos administrativos.
- Teoria do Risco Administrativo. A responsabilidade civil objetiva, baseada no risco administrativo, exige de forma conjunta a atividade administrativa, a ocorrência do dano, a existência de nexo causal entre aquela atividade e o dano e a ausência de culpa excludente da vítima, caso fortuito ou força maior. Verificando-se estas quatro condições, o Estado é obrigado a reparar a lesão que causou.
- O certo é que dúvida não existe quanto à responsabilidade objetiva do Estado por atos comissivos, ainda que legítimos, sempre que deles resulte um dano especial, isto é, particularizado, em relação ao lesado ou lesados. Os exemplos são mais comuns do que se pode imaginar. Obras públicas realizadas sem falha técnica alguma podem causar aos proprietários lindeiros prejuízos econômicos e consideráveis. Nada tem de excepcional, nem aqui, nem no exterior, a responsabilidade por atos lícitos. No direito francês, decorre, sobretudo, do princípio da igualdade de todos perante as cargas públicas (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Anulação de ato administrativo e dever de indenizar, Boletim de Direito Administrativo, n. 484, ago.-1996, texto base da disciplina de Direito Administrativo, disponibilizado pela PUC Minas Virtual.
- BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 2001,
- A regra enunciada no verbete 473 da Súmula do STF deve ser entendida com algum temperamento: "No atual estágio do Direito Brasileiro, a administração pode declarar a nulidade de seus próprios atos, desde que, além de ilegais, eles tenham causado lesão ao Estado, sejam insuscetíveis de convalidação e não tenham servido de fundamento a ato posterior praticado em outro plano de competência" (STJ – RMS 407 – RDA 184/113.).
- FREITAS, Juarez. Discricionariedade Administrativa E O Direito Fundamental À Boa Administração Pública, São Paulo, Malheiros, 2007, p. 20.
- Tais direitos dos administrados e deveres da administração não excluem outros, trata-se de standard mínimo. Idem, p. 21.
- O direito fundamental à boa administração encontra inserido no artigo 41 da Carta dos Direitos da União Européia: "Artigo 41. Direito a uma boa administração. 1. Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições e órgãos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável. 2. Este direito compreende, nomeadamente: o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afecte desfavoravelmente, o direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito dos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial,. a obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas decisões. 3. Todas as pessoas têm direito à reparação, por parte da Comunidade, dos danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das respectivas funções, de acordo com os princípios gerais comuns às legislações dos Estados-Membros. 4. Todas as pessoas têm a possibilidade de se dirigir às instituições da União numa das línguas oficiais dos Tratados, devendo obter uma resposta na mesma língua". Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/charter/pdf/text_pt.pdf>. Acesso em 10 jun. 2008.
- Passando pelas três etapas: 1. Texto. 2. Intérprete. 3. Interpretação.
- Em razão desta possibilidade de o Judiciário controlar até mesmo o ato discricionário, lembro-me de ter lido administrativistas da história recente defender a inexistência de discricionariedade dos atos administrativos.
- "(...) Essas alternativas radicais – além dos notórios inconvenientes que geram – fazem abstração da evidencia de que a implementação de uma nova ordem constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a possibilidade de realização da norma da Constituição – ainda quando teoricamente não se cuide de um preceito de eficácia limitada – subordina-se muitas vezes a alterações da realidade fática que a viabilizem. É tipicamente o que sucede com as normas constitucionais que transferem poderes e atribuições de uma instituição preexistente para outra criada pela Constituição, mas cuja implantação real pende não apenas de legislação infraconstitucional, que lhe dê organização normativa, mas também de fatos materiais que lhe possibilitem atuação efetiva." (RE 147.776-SP, 1ª T., rel. Sepúlveda Pertence, 19.05.1998, v.u., RT 755/169)
- Abordamos a problemática na atividade de Direito Constitucional deste mesmo curso da PUC Minas de modo que transcrevo nossas considerações no presente texto.
- CATTONI, Marcelo. Devido processo legislativo, Belo Horizonte,, 2000, p. 28, apud BERNARDES, Wilba Lúcia Maia. Direito constitucional, PUC Minas, 2003,texto Curso Especialização Direito Público
- No mesmo sentido, Meirelles Teixeira ao afirmar "no fenômeno constitucional e na norma jurídica em geral, algo que é, ao mesmo tempo, produzido pela sociedade, mas que se apresenta capaz também de influir sobre ela, modificando-a, disciplinando-lhe as forças em luta"; José Afonso da Silva ao tecer considerações que a "constituição deve ser concebia em correlação com a realidade político-social, ou seja, como uma conexão de sentidos", "como norma em sua conexão coma realidade social, que lhe dá o conteúdo fático e o sentido axiológico"; Hermann Heller que atento a essa irrecusável realidade chega a negar validade a toda e qualquer normatividade que não encontre a devida e a necesssária correlação com a normalidade, isto porque, segundo o autor alemão, a Constituição só pode ser concebida como produto normatizado da normalidade social; Pinto Ferreira aduz que a Constituição se modela por interferência de fatores desenvolvidos na sociedade, refletindo os usos e costumes dominantes, as tradições religiosas e culturais, o sistema de forças produtivas, uma série de circunstâncias econômicas e culturais que lhe imprimem a sua marca indelével, e muitos outros, citados e referidos por CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 35-45.
- MIRANDA, Jorge. Teoria do estado e da Constituição, Rio de Janeiro, Forense, 2007, p.14-15.
- Vide nota 12.
- Nos dias atuais, não é suficiente manter a comunidade dentro das balizas constitucionais, numa conduta meramente passiva, mas, sim, imprimir-lhe comportamento ativo, real, concreto e efetivo dentro do dinamismo das relações humanas.
- Ainda que um simulacro de opinião pública. Disponível em ARBEX JR., José. Showrnalismo: a notícia como espetáculo, São Paulo, 4ª ed., Casa Amarela, 2005.
- Em decorrência do estágio atual da evolução humana, sobretudo, nos
países como Brasil, com rede social e segurança pífia ou nula, cidadãos
tratados como curral eleitoral, gado vácuo, educação nenhuma, discernimento
zero, não se trata de manipular a opinião pública, já que ela não existe, mas
apenas criar um clima de opinião, angariando, com isso, clamor e público para
um dos lados como forma de viabilizar o lobby, tornando-o concreto sob
a aparência de legitimidade nesta nossa atual democracia de grupos e não de
indivíduos. Esse é infelizmente papel da mídia no mundo atual. Instrumento de
criação de uma opinião pública com objetivo exclusivo de legitimar lobby
e especialista na arte promiscua – partidária do "duplipensar".
"Duplipensar" é o termo utilizado por George Orwell, em sua obra 1984: "Duplipensar quer dizer a capacidade de guardar simultaneamente na cabeça duas crenças contraditórias e aceitá-las ambas. O intelectual do Partido sabe em que direção suas lembranças devem ser alteradas; portanto sabe que está aplicando um truque na realidade: mas pelo exercício do duplipensar ele se convence também de que a realidade não está sendo violada. O duplipensar é a pedra basilar do Igsoc, <termo utilizado pelo autor para referir-se ao centro poder, partido> –, já que a ação essencial do Partido e usar a fraude consciente ao mesmo tempo que conserva a firmeza de propósito que acompanha a completa honestidade. Dizer mentiras deliberadas e nelas acreditar piamente, esquecer qualquer fato que se haja tornado inconveniente, e depois, quando de novo se tornar preciso, arrancá-lo do olvido o tempo suficiente à sua utilidade, negar a existência da realidade objetiva e ao mesmo tempo perceber a realidade que se nega – tudo isso é indispensável. Mesmo no emprego da palavra duplipensar é preciso duplipensar. Pois, usando-se a palavra admite-se que se está mexendo na realidade; é preciso um novo ato de duplipensar para apagar essa percepção e assim por diante, indefinidamente, a mentira sempre um passo além da realidade. Em última análise, foi por meio do duplipensar que o partido conseguiu – e, tanto quanto sabemos, continuará, milhares de anos – deter o curso da História" (1984, p. 206).
Mutatis mutandis nesse sentido de manipulação das massas pela arte de "duplipensar", incentivando-as trabalhar mais do que o necessário, criando falsas necessidades para posteriormente serem destruídas, modelando a coletividade, também, pela imprensa (RUSSEL, Bertrand. O elogio ao ócio, 4. ed., Rio de Janeiro, Sextante, 2002.).
- MACHADO NETO, A. L. Sociologia jurídica, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 1987, p. 416-417.
- Enquanto os programas constitucionais não estiverem atendidos em sua excelência, a locomotiva social constitucional tem de avançar, em ritmo próprio e adequado a questões amplas não necessariamente diretamente ligadas ao direito.