Resumo: O presente estudo tem como foco refletir sobre a importância da aplicação dos princípios administrativos no cotidiano estatal, bem como analisar os entraves que dificultam sua efetiva implementação na rotina da Administração Pública. Assim, o artigo tem como objetivo principal discutir os obstáculos enfrentados na aplicabilidade prática desses princípios. Com base em pesquisa bibliográfica, propõe-se a apresentar os princípios basilares, de natureza constitucional e infraconstitucional, que orientam a atuação da Administração Pública; relatar a importância da efetiva aplicabilidade desses princípios como instrumentos de controle, eficiência e justiça administrativa; e, por fim, descrever os principais entraves à concretização dos mandamentos normativos pela gestão pública. Dentre os problemas vivenciados no cotidiano estatal, destacam-se a desorganização administrativa, práticas contrárias à moralidade e à impessoalidade, além da deficiência na observância da legalidade e da eficiência. O fortalecimento da cultura jurídica e institucional voltada à efetividade desses princípios é indispensável para a construção de uma Administração Pública mais ética, transparente e eficaz.
Palavras-chave: princípios; importância; administração pública; entraves.
1. INTRODUÇÃO
O Direito Administrativo, como ramo do Direito Público, encontra nos princípios sua principal fonte estruturante, tendo em vista sua natureza não codificada. Tais princípios exercem papel fundamental na orientação da atividade estatal, assegurando que a atuação da Administração Pública esteja em conformidade com os valores constitucionais e com o interesse coletivo. Em especial, os princípios expressos no caput do artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988) — legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência — constituem pilares indispensáveis à legitimidade dos atos administrativos. Além desses, a doutrina e a legislação infraconstitucional reconhecem uma gama de princípios implícitos e complementares, igualmente relevantes na configuração do regime jurídico administrativo.
Apesar da reconhecida relevância normativa dos princípios administrativos, observa-se, na prática, a existência de diversos entraves que comprometem sua efetiva aplicação. Questões como a estrutura deficiente da máquina pública, práticas de favorecimento pessoal, desvio de finalidade, falta de transparência e baixa eficiência na prestação dos serviços públicos são exemplos de conflitos cotidianos que revelam o distanciamento entre o dever-ser normativo e a realidade administrativa. Tal constatação conduz à seguinte problemática: quais são os principais entraves enfrentados pela Administração Pública na concretização dos princípios norteadores do Direito Administrativo?
Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivo geral discutir os obstáculos enfrentados na aplicabilidade prática dos princípios norteadores do Direito Administrativo. Para isso, busca-se, inicialmente, explanar sobre os princípios basilares, de natureza constitucional e infraconstitucional, que orientam a atuação da Administração Pública; em seguida, relatar a importância da efetiva aplicabilidade desses princípios como instrumentos de controle, eficiência e justiça administrativa; e, por fim, descrever os principais entraves à concretização dos mandamentos normativos pela gestão pública.
A fim de atingir tais objetivos, adota-se como metodologia a pesquisa bibliográfica, com base nas contribuições doutrinárias de autores consagrados como Celso Antônio Bandeira de Mello, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Hely Lopes Meirelles, Alexandre Mazza, entre outros. A análise dos referenciais teóricos permite compreender a natureza e a função dos princípios administrativos, identificar os fundamentos jurídicos que lhes conferem força normativa e refletir sobre os fatores que comprometem sua efetividade prática.
Assim, ao abordar a importância dos princípios administrativos e os obstáculos à sua aplicação, o estudo busca contribuir para o fortalecimento da cultura jurídica voltada à integridade, à eficiência e à responsabilização da Administração Pública, valores indispensáveis à construção de um Estado Democrático de Direito.
2. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS MAIS RELEVANTES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Consoante dispõe o artigo 37 da CRFB/1988, a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (Brasil, 1988).
O mais importante dos princípios da Administração Pública é o princípio da legalidade. Destaque-se que todos os demais decorrem do princípio em apreço, que se revela essencial em um Estado Democrático de Direito, regime político que visa estabelecer um razoável equilíbrio entre os direitos da pessoa e os direitos da sociedade, entre a liberdade e a soberania, através do qual o povo governa a si mesmo, quer diretamente, quer por meio de representantes eleitos para gerir os negócios públicos e elaborar as leis (Pinto, 2008).
Conforme explica Mello (2014), o princípio da legalidade, no âmbito do Direito Administrativo brasileiro, impõe à Administração Pública uma atuação estritamente vinculada à norma legal. Diferentemente dos particulares, que podem agir livremente desde que não contrariem a lei, os agentes públicos somente podem atuar quando houver autorização expressa da legislação. Dessa forma, administrar significa atender ao interesse público nos exatos limites e formas previamente definidos pelo ordenamento jurídico.
O princípio da legalidade, que não está albergado apenas no artigo 37 da CRFB/1988, mas também nos artigos 5º, incisos II e XXXV, e 84, inciso IV da Lei Maior, importa em subordinação do administrador à legislação, devendo ser fielmente realizadas as finalidades normativas, posto que só seja legítima a atividade do administrador público, se estiver compatível com as disposições legais.
Nesse contexto, Meirelles (2010) destaca que as normas de Direito Administrativo, por possuírem natureza de ordem pública, impõem deveres vinculantes tanto para os agentes públicos quanto para os administrados. Por esse motivo, seus preceitos não podem ser afastados nem mesmo por acordo entre as partes envolvidas, pois constituem obrigações legais inderrogáveis, voltadas à proteção do interesse público.
O princípio da impessoalidade compreende a igualdade de tratamento que a administração deve dispensar aos administrados que estejam na mesma situação jurídica. Exige, também, a necessidade de que a atuação administrativa seja impessoal e genérica, com vistas a satisfazer o interesse coletivo. Esta é a razão pela qual deve ser imputada a atuação administrativa ao órgão ou entidade estatal executora da medida, e não ao agente público, pessoa física (Pinto, 2008).
Forçoso convir que, em decorrência do princípio da impessoalidade, é vedado tratamento discriminatório aos administrados que se encontrem nas mesmas situações.
Segundo Meirelles (2010), o princípio da impessoalidade está intrinsecamente ligado à finalidade legal do ato administrativo. Para o autor, a atuação do agente público deve estar voltada para o fim público previsto em lei, e qualquer desvio dessa finalidade configura vício que compromete a validade do ato praticado, tornando-o inválido diante do ordenamento jurídico.
O princípio da impessoalidade também combate o desvirtuamento da atuação do administrador público como meio de promoção pessoal, sendo, portanto, vedada a utilização de nomes, símbolos e imagens nas realizações da administração, que, em prejuízo do interesse público, promovam partidos políticos e agentes públicos, comprometendo a legítima atuação administrativa, que deve ser impessoal, abstrata e genérica (Pinto, 2008).
Em contrapartida, o princípio da moralidade evita que a atuação administrativa se distancie da moral, que deve governar com intensidade e vigor no âmbito da Administração Pública.
Tal princípio obriga que a atividade administrativa seja pautada diariamente não só pela lei, mas também pelos princípios éticos da boa-fé, lealdade e probidade, deveres da boa administração.
Vale mencionar que inúmeros são os instrumentos aptos a coibir a prática de moralidade administrativa. Dentre eles, se destaca a Ação Popular, que encontra respaldo no art. 5º, LXXIII, da CRFB/1988, de seguinte teor:
Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência (Brasil, 1988).
No que se refere ao princípio da publicidade, convém esclarecer que a Administração Pública tem o dever de dar publicidade, ou seja, de conduzir ao conhecimento de terceiros, o conteúdo e a exata dimensão do ato administrativo, no intuito de facilitar o controle dos atos da administração. Isto se explica, pelo fato de que a atividade administrativa deve ser caracterizada pela transparência, de modo que a todos é assegurado o direito à obtenção de informações e certidões, para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal (Pinto, 2008).
Carvalho Filho (2006) ressalta que o princípio da publicidade está diretamente associado à transparência da atuação administrativa, na medida em que a ampla divulgação dos atos praticados pelo poder público permite aos administrados exercerem controle sobre sua legalidade e avaliarem a eficiência da gestão. Para o autor, é justamente essa visibilidade que assegura o controle social e a legitimidade da conduta dos agentes públicos.
O princípio em análise, também diz respeito aos julgamentos realizados por órgãos do Poder Judiciário, admitindo-se que a lei limite, em determinados atos, a presença das próprias partes e de seus advogados, desde que o sigilo seja imprescindível para a defesa da intimidade das partes litigantes, sem prejuízo do direito público à informação, ou, se assim o exigir o interesse público, como, por exemplo, se estiver em jogo a segurança pública, ou que, o assunto, se divulgado, possa vulnerar a intimidade de determinada pessoa, sem qualquer benefício para o interesse público (Pinto, 2008).
Ressalta-se que, o princípio da publicidade, retratado nos incisos LX, XIV, XXXIII e LXXII, do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, assegura o direito à informação, não só para assuntos de interesse particular, mas também de interesse coletivo, o que demonstra um fortalecimento do controle popular sobre os atos da Administração Pública.
Com relação ao princípio da eficiência, o ordenamento jurídico censura a atuação amadorística do agente público, que, no exercício de sua função, deve imprimir incansável esforço pela consecução do melhor resultado possível e o máximo proveito com o mínimo de recursos humanos e financeiros.
Ademais, o princípio da eficiência exige que a Administração Pública seja organizada em permanente atenção aos padrões modernos de gestão, no fito de vencer o peso burocrático, para lograr os melhores resultados na prestação dos serviços públicos postos à disposição dos cidadãos.
Di Pietro (2014) entende que o princípio da eficiência possui uma dupla dimensão: de um lado, refere-se à conduta do agente público, do qual se exige o melhor desempenho possível no exercício de suas funções; de outro, diz respeito à forma como a Administração Pública deve ser organizada, estruturada e disciplinada, sempre com o objetivo de atingir os melhores resultados na prestação dos serviços públicos.
Reforça-se que o rol de princípios constitucionais do Direito Administrativo não se esgota no art. 37, caput, da CRFB/1988. Conforme dispõe Alexandre Mazza, também são considerados constitucionais os seguintes princípios:
1) princípio da participação (art. 37, § 3º, da CF): a lei deverá estimular as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: a) reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral; b) o acesso dos usuários a registros administrativos e informações sobre atos de governo; c) a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo do cargo, emprego ou função na administração pública;
2) princípio da celeridade processual (art. 5º, LXXVIII, da CF): assegura a todos, nos âmbitos judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam celeridade na sua tramitação;
3) devido processo legal formal e material (art. 5º, LIV, da CF): prescreve que a privação de liberdade ou de bens só poderá ser aplicada após o devido processo legal. No âmbito administrativo, a tomada de decisões pelo Poder Público pressupõe a instauração de processo com garantia de contraditório e ampla defesa. Os dois aspectos clássicos do princípio são válidos no Direito Administrativo: a) devido processo legal formal: exige o cumprimento de um rito predefinido como condição de validade da decisão; e b) devido processo legal material ou substantivo: além de respeitar o rito, a decisão final deve ser justa e proporcional. Por isso, o devido processo legal material ou substantivo tem o mesmo conteúdo do princípio da proporcionalidade. Outro apontamento importante: nos processos administrativos, busca-se a verdade real dos fatos, e não simplesmente a verdade formal baseada apenas na prova produzida nos autos;
4) contraditório (art. 5º, LV, da CF): as decisões administrativas devem ser proferidas somente após ouvir os interessados e contemplar, na decisão, as considerações arguidas;
5) ampla defesa (art. 5º, LV, da CF): obriga assegurar aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, a utilização dos meios de prova, dos recursos e dos instrumentos necessários para os interessados defenderem seus interesses perante a Administração (Mazza, 2014, p. 86-87).
Além dos princípios mencionados, a doutrina reconhece outros que, apesar de não constarem expressamente na Constituição Federal, são dela extraídos, sendo considerados acolhidos pelo sistema constitucional e igualmente importantes no estudo do direito administrativo. Trata-se dos princípios administrativos implícitos.
Com efeito, vários desses princípios constitucionais implícitos encontram-se atualmente previstos expressamente em diversas leis. A título de exemplo, a Lei 9.784/1999, que estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal. Dentre os princípios citados em tal legislação, encontram-se: os princípios da finalidade; motivação; razoabilidade; proporcionalidade; segurança jurídica; interesse público (Alexandre; Deus, 2015).
O princípio da finalidade está evidenciado no art. 2º, parágrafo único, II, da Lei n. 9.784/99, como o dever de “atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei” (Brasil, 1999).
Seu conteúdo obriga a Administração Pública a sempre agir, objetivando a defesa do interesse público primário. Em outras palavras, o princípio da finalidade proíbe o manejo das prerrogativas da função administrativa para alcançar objetivo diferente daquele definido na legislação.
Celso Antônio Bandeira de Mello (2007) sustenta que o princípio da finalidade está intimamente ligado ao da legalidade, sendo considerado autônomo apenas para evitar interpretações equivocadas, rasas ou meramente formais da norma jurídica, muitas vezes adotadas por conveniência. Já Hely Lopes Meirelles (2010) equipara o princípio da finalidade ao da impessoalidade, ao afirmar que o agente público deve agir exclusivamente conforme o objetivo legal previamente estabelecido, de forma neutra e desvinculada de interesses pessoais. Para o autor, todo ato administrativo deve ter como finalidade última o atendimento ao interesse público, estando esse princípio também relacionado ao dever de igualdade no trato com os administrados em situações equivalentes.
Ademais, consoante dispõe Alexandre Mazza (2014), o princípio da finalidade pode ser compreendido sob duas perspectivas distintas: a) finalidade geral, que impede o uso das prerrogativas administrativas para atender interesses particulares em detrimento do interesse público; e b) finalidade específica, que veda a realização de atos administrativos em situações diversas daquelas previamente estabelecidas em lei, sob pena de violação da legalidade e da tipicidade do ato.
É preciso que os interesses públicos tenham supremacia sobre os interesses individuais, posto que visam garantir o bem-estar coletivo e concretizar a justiça social.
Para Mello (2014), o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é um fundamento geral do Direito, indispensável à organização de qualquer sociedade. A partir dessa lógica, confere-se à Administração Pública a prerrogativa de impor obrigações aos particulares por meio de atos unilaterais, dotados de imperatividade e coercibilidade, desde que amparados por lei. Essa supremacia também fundamenta a autotutela administrativa, isto é, a faculdade conferida ao poder público de revogar seus próprios atos por razões de conveniência e oportunidade, ou de anulá-los quando ilegais, sempre respeitando os limites legais e os direitos adquiridos.
A autotutela trata-se de princípio que pode ser mais bem visualizado por meio da súmula 473 do Supremo Tribunal de Federal, in verbis:
A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial (Brasil, 1969).
Portanto, a autotutela nada mais é do que a possibilidade que a administração tem de anular ou revogar os seus próprios atos. No caso da anulação, estaremos diante de um ato administrativo ilegal, de forma que não restará alternativa para o Poder Público que não seja o desfazimento do ato. Já a revogação, em sentido contrário, confere à administração a faculdade de retirá-lo ou não do mundo jurídico.
Em ambas as situações, a Administração Pública que editou o ato não precisa buscar ajuda do Poder Judiciário. Tal prerrogativa confere eficiência à administração e uma maior segurança aos administrados.
Também denominado princípio da boa-fé ou da confiança, o princípio da segurança jurídica não é aplicado exclusivamente ao direito administrativo, mas ao direito como um todo.
Três são os importantes institutos relacionados com a segurança jurídica, conforme previsão do artigo 5º, XXXVI da CRFB/1988, que materializa a irretroatividade da lei: “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (Brasil, 1988).
Importante destacar que a garantia da irretroatividade da lei, conforme entendimento do STF, não pode ser invocada pela entidade que tenha editado a norma.
Nessa lógica é o teor da Súmula 654 do STF: “A garantia da irretroatividade da lei, prevista no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, não é invocável pela entidade estatal que a tenha editado” (Brasil, 2003).
Da segurança jurídica sucedem todas as demais situações em que se veda a aplicação retroativa de nova norma administrativa, conforme se observa, por exemplo, da Súmula 249 do Tribunal de Contas da União:
É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais (Brasil, 2007).
Acerca dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, menciona-se que a proporcionalidade é um aspecto da razoabilidade voltado à aferição da justa medida da reação administrativa diante da situação concreta. Em outras palavras, constitui proibição de exageros no exercício da função administrativa.
Carvalho Filho (2017) explica que os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, embora distintos em sua origem, compartilham a função de permitir ao Poder Judiciário o controle dos atos praticados pelos demais Poderes. O autor esclarece que a razoabilidade tem raízes na jurisprudência dos países anglo-saxões, enquanto a proporcionalidade surgiu nos ordenamentos da Suíça e da Alemanha, tendo sido posteriormente incorporada por outros sistemas jurídicos europeus, como os da Áustria, Holanda e Bélgica.
No âmbito do Direito Administrativo, o princípio da razoabilidade impõe aos agentes públicos o dever de exercer suas funções com equilíbrio, lógica e sensatez. Mais do que simplesmente cumprir a finalidade pública prevista em lei, é fundamental observar a forma adequada de alcançá-la, o que configura uma exigência implícita ao próprio princípio da legalidade (Mazza, 2014). Nesse sentido, condutas excessivas, arbitrárias, ilógicas, desproporcionais ou incompatíveis com os padrões de bom senso e racionalidade revelam-se contrárias ao interesse público, podendo ensejar a invalidação do ato administrativo, tanto no âmbito judicial quanto no administrativo.
Celso Antônio Bandeira de Mello (2013) reconhece que, embora a escolha da decisão mais adequada em situações discricionárias seja de competência da Administração, isso não impede o controle judicial quando a medida adotada extrapola os limites legais ou se mostra manifestamente incompatível com a norma aplicável ao caso concreto. Dessa forma, a razoabilidade funciona como parâmetro para a aferição da legitimidade dos atos administrativos discricionários.
Consoante definição prevista no art. 2º, parágrafo único, VI, da Lei n. 9.784/99, a razoabilidade consiste no dever de “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público” (Brasil, 1999).
Assim, diferentemente da razoabilidade, que possui aplicação ampla em todas as esferas da atuação administrativa, o princípio da proporcionalidade atua de forma mais específica, sendo direcionado ao exercício do poder disciplinar — voltado para o controle interno de servidores e contratados — e do poder de polícia, que se manifesta na imposição de sanções aos particulares no âmbito externo da Administração Pública.
Conforme explica Mello (2014), a violação ao princípio da proporcionalidade pode ocorrer de duas maneiras distintas: pela intensidade ou pela extensão da medida adotada pela Administração. A desproporcionalidade por intensidade se caracteriza quando a resposta administrativa é excessiva em relação à gravidade do comportamento do administrado. Já a violação por extensão ocorre quando a providência adotada ultrapassa os limites pessoais ou territoriais necessários, afetando indivíduos ou áreas que não guardam relação direta com a finalidade da atuação estatal.
No julgamento do Recurso Extraordinário nº 466.343-1, o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que, ao se aplicar restrições a direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade deve ser analisado com base em três subprincípios. O primeiro é o da adequação, que examina se a medida adotada é eficaz para alcançar o objetivo proposto. O segundo é o da necessidade, que exige a inexistência de alternativa menos onerosa ao indivíduo que produza o mesmo efeito. Por fim, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito exige a avaliação do equilíbrio entre a gravidade da medida imposta e os fundamentos jurídicos que a justificam (Mazza, 2014).
Ademais, o princípio da continuidade dos serviços públicos estabelece que a prestação de serviços pela Administração não deve ser interrompida injustificadamente. Com base nesse princípio, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, VII, condiciona o exercício do direito de greve dos servidores aos limites legais, buscando compatibilizá-lo com a necessidade de manutenção do serviço público. A legislação também veda que contratados invoquem a exceção do contrato não cumprido em casos de execução de serviços públicos, assegurando ao Estado, se necessário, o uso de instalações da empresa contratada e até mesmo a encampação da concessão para garantir a continuidade da atividade (Pinto, 2008).
A continuidade dos serviços públicos não se trata de um princípio de caráter absoluto. Merece destaque, desta forma, o artigo 6º, § 3º, da Lei 8.987/1995, que apresenta as situações em que a suspensão na prestação dos serviços pode ser efetivada pela empresa contratada:
Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:
I – motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,
II – por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade (Brasil, 1995).
Para mais, o princípio da motivação possui a peculiaridade de servir como elo entre os três poderes da república. Assim, em regra, todos os atos administrativos, legislativos e judiciais devem ser motivados.
Consoante dispõe Di Pietro (2014), o princípio da motivação impõe à Administração Pública o dever de explicitar os fundamentos fáticos e jurídicos que embasam suas decisões. Para a autora, trata-se de uma exigência amplamente reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência, aplicável tanto a atos vinculados quanto discricionários. Tal obrigação visa garantir a transparência e possibilitar o controle da legalidade dos atos administrativos.
Segundo Carvalho Filho (2017), o § 1º do artigo 50 da Lei nº 9.784/1999 admite o uso da chamada motivação aliunde (ou per relationem), que ocorre quando o ato administrativo adota, como justificativa, os fundamentos expostos em pareceres, informações ou decisões anteriores. Essa forma de motivação contrasta com a motivação contextual, na qual os elementos de fato e de direito estão expressamente indicados no próprio texto do ato, sem necessidade de remissão a documentos externos.
Acerca do princípio da presunção de legitimidade, de legalidade e de veracidade, é forçoso reconhecer que, para materializar o interesse público que norteia a atuação administrativa, as decisões da Administração Pública são dotadas do atributo da presunção de legitimidade e de legalidade, tornando-se presumivelmente verdadeiras quanto aos fatos e adequadas quanto à legalidade. Este atributo permite, inclusive, a execução direta, pela própria administração, do conteúdo do ato ou decisão administrativa, mesmo que não conte com a concordância do particular (Pinto, 2008).
Conforme Pinto (2008), trata-se de presunção relativa, que admite prova em contrário, mas, em virtude da aludida presunção, as decisões administrativas são de execução imediata, possuindo a possibilidade de gerar obrigações para o particular, independentemente de sua anuência, tal como de serem executadas pela própria Administração Pública, através de meios diretos ou indiretos de coação.
O princípio da especialidade, também conhecido como descentralização, estabelece que a Administração Pública deve delegar determinadas funções a entidades específicas, com o intuito de tornar a prestação dos serviços públicos mais eficiente e adequada. Mazza (2014) esclarece que esse princípio orienta a delegação de atividades administrativas, sempre que possível, a pessoas jurídicas autônomas instituídas por lei com finalidade específica, como é o caso das autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista, conforme dispõe o artigo 37, inciso XIX, da Constituição Federal de 1988.
Outrossim, o princípio da isonomia é preceito essencial do ordenamento jurídico que impõe ao legislador e à Administração Pública o dever de dispensar tratamento igual aos administrados que se encontram em situação equivalente. Exige, dessa forma, uma igualdade na lei e perante a lei. Atos administrativos e leis não podem desatender a esse imperativo de tratamento uniforme (Mazza, 2014).
O fundamento constitucional para o princípio supramencionado é o art. 5º, caput, da CRFB/1988: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (Brasil, 1988).
O dever de atendimento à isonomia não exige um tratamento sempre idêntico a todos os particulares. Inclusive, há diversas situações práticas em que o princípio da isonomia recomenda uma diferenciação no conteúdo das providências administrativas conforme a peculiar condição de cada administrado. É o que se extrai da máxima aristotélica, segundo a qual respeitar a igualdade é “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades”.
De acordo com Justen Filho (2014), a validade jurídica de uma discriminação depende da observância de quatro requisitos: a existência de distinções reais nas situações reguladas; a conformidade dos critérios utilizados com o ordenamento jurídico; a pertinência entre os critérios adotados e a finalidade da diferenciação; e a proporcionalidade entre o tratamento diferenciado e os valores consagrados pelo Direito.
Por derradeiro, o princípio da hierarquia define as relações de autoridade e organização entre os diversos órgãos que compõem a Administração Pública Direta, regulando a coordenação e a subordinação entre eles (Mazza, 2014).
Destaca-se que o princípio da hierarquia é fundamental para a estruturação da Administração Pública, pois organiza as relações de subordinação e coordenação entre os órgãos administrativos. Conforme explica Di Pietro (2014), essa subordinação se aplica exclusivamente às funções administrativas, não se estendendo às esferas legislativa e judicial. A partir dessa estrutura hierárquica, derivam algumas prerrogativas da Administração, como a possibilidade de revisar atos praticados por subordinados, delegar ou avocar competências, além de aplicar sanções disciplinares.