Capa da publicação Princípios administrativos: desafios na aplicação prática
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Princípios norteadores do Direito Administrativo.

Uma análise da aplicabilidade e conflitos no cotidiano estatal

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3. A IMPORTÂNCIA DA APLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Percebe-se que os princípios que regem a administração pública buscam atender as necessidades da população em interesse público comum, com o objetivo de proporcionar uma administração justa e proba.

Destarte, nota-se que os princípios possuem um importante papel no Direito Administrativo, uma vez que este não está codificado.

Nesse contexto, Ramos (2019) ressalta que os princípios administrativos desempenham um papel fundamental na estrutura do Direito Administrativo, ao atuarem como elementos unificadores e sistematizadores. Segundo o autor, eles funcionam como fontes interpretativas essenciais, conferindo coerência ao sistema jurídico e orientando a aplicação de todos os seus institutos.

Ademais, é através da efetiva aplicação desses princípios que a administração pública e o judiciário equilibram-se entre os direitos dos administrados e as prerrogativas da administração.

Segundo Moreira Neto, citado por Mazza (2014, p.45), os princípios são capazes de produzir as seguintes espécies de eficácia:

1) eficácia imediata dirimente: consiste em suprimir a produção de efeitos de normas e atos concretos incompatíveis com o princípio;

2) eficácia imediata impediente ou redutora: impede em parte a produção de efeitos de normas e atos concretos parcialmente incompatíveis com o conteúdo do princípio;

3) eficácia mediata axiológica: afirma na ordem jurídica os valores por ela protegidos;

4) eficácia mediata monogenética: ao reforçar determinados fundamentos finalístico valorativos, o princípio contribui para a formação de novos princípios e preceitos específicos;

5) eficácia mediata otimizadora: orienta a interpretação de preceitos normativos, permitindo a mais ampla e completa aplicação de seu conteúdo valorativo;

6) eficácia mediata sistêmica: interconecta o conteúdo de todos os preceitos do ordenamento, garantindo unidade e coerência ao sistema;

7) eficácia mediata integrativa: diz respeito ao preenchimento de lacunas.

Diante dessa análise, com olhar mais restrito para o âmbito do direito administrativo, é possível verificar que a falta de atenção ou até mesmo a desídia do administrador aos princípios constitucionais que regem a administração pública, quais sejam, a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, afronta não somente um regulamento obrigatório, como também um sistema de comandos regidos pela Constituição da República Federativa do Brasil 1988 (CRFB/1988).

De acordo com Paulo Bonavides, citado por Ramos (2019), os princípios são o equilíbrio e a essência de um sistema jurídico legítimo, e ocupam o ápice da pirâmide normativa, elevando-se ao grau de norma das normas e de fonte das fontes.

Outrossim, apesar de discorrer de forma pormenorizada sobre a importância dos princípios constitucionais, é imprescindível falar também sobre a importância dos princípios infraconstitucionais que, apesar de não estarem expostos na CRFB/88, são de suma relevância para o direito administrativo.

Esclarece Mazza (2014, p.109):

A falta de previsão constitucional não significa menor importância diante dos princípios diretamente mencionados no Texto Maior. Princípios infraconstitucionais e doutrinários têm a mesma relevância sistêmica daqueles referidos na Constituição Federal.

Dessa forma, a aplicabilidade efetiva dos princípios constitucionais e infraconstitucionais é medida que se impõe, uma vez que, como mencionado anteriormente, o Direito Administrativo por não ser codificado tem como principal alicerce os princípios norteadores de sua matéria. Norteando não somente os administradores em suas funções, como também os administrados, que, via de regra, são os diretamente afetados no âmbito da administração pública.

Em suma, apesar de outrora vistos como simples indicadores de finalidades a serem almejadas, os princípios gozam, atualmente, de força coercitiva, não se tratando mais de meras recomendações (Ramos, 2019).

Tendo em vista que:

Tais princípios, além de garantirem que nenhum interesse particular se sobreponha ao interesse público, implicam na criação de formas meritocráticas de acesso aos cargos públicos, criação de um rígido sistema de carreiras e promoções, além da codificação de todos os processos burocráticos, fundamental para garantir a previsibilidade, eficiência e transparência (Schleicher, 2014, p. 2).

Portanto, o direito administrativo, tem como função principal coibir a atuação abusiva do Estado, responsabilizando-o por aquilo que desrespeita a legislação, razão pela qual a efetiva aplicabilidade dos princípios que o norteiam é de extrema importância para garantia dos direitos fundamentais aos administrados.


4. OS ENTRAVES NA APLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS NO COTIDIANO ESTATAL

Nota-se que para a sociedade, o direito administrativo e a efetiva aplicabilidade das suas normas e dos seus princípios são de extrema importância. Afinal, atua como um mecanismo que coíbe o abuso de poder do Estado e regula a sua atuação para defesa do interesse público.

Entretanto, Mazza (2014, p.100) destaca um importante problema da Administração pública:

A existência de uma duplicidade de regras, processos, organizações e sistemas dentro do aparelho governamental. Regras formais e regras informais; processos formais e processos informais; organizações formais e organizações informais; sistemas formais e sistemas informais. Essa chamada “administração paralela” edificada à sombra das estruturas estatais oficiais favoreceria a descrença no dever de cumprimento das regras jurídicas e morais.

Além disso, o autor aborda outro problema:

Nepotismo (do latim nepotis, sobrinho) é a nomeação de parente para ocupar cargo de confiança. Contrária à moralidade, impessoalidade e eficiência administrativas, a prática do nepotismo foi recentemente condenada pela Súmula Vinculante n. 13 do Supremo Tribunal Federal [...] (Mazza, 2014, p.100).

Nesse sentido, sabe-se que a atuação da Administração Pública é acometida por entraves que atuam sobre o seu funcionamento impedindo que seja eficiente. Desse modo, não é possível falar ainda em um justo exercício da administração pública, principalmente pelo fato dos administradores muitas vezes não atuarem em consonância com os princípios norteadores desse direito, sejam eles constitucionais ou infraconstitucionais.

Mazza (2014, p.232) diz que um defeito surge no ato administrativo quando este for praticado em desconformidade com as exigências legais, em consonância, ainda, destaca os vícios presentes na administração pública:

1) Quanto ao sujeito: podem ocorrer quatro defeitos principais quanto à competência para a prática do ato administrativo:

a) usurpação de função pública: é o mais grave defeito atinente ao requisito do sujeito, ocorrendo quando ato privativo da Administração é praticado por particular que não é agente público. [...]

b) excesso de poder: ocorre quando a autoridade pública, embora competente para praticar o ato, ultrapassa os limites de sua competência exagerando na forma de defender o interesse público. Exemplo: destruição, pela fiscalização, de veículo estacionado em local proibido. O excesso de poder causa nulidade da atuação administrativa;

c) funcionário de fato: exerce função de fato o indivíduo que ingressou irregularmente no serviço público em decorrência de vício na investidura. [...]

d) incompetência: de acordo com o art. 2º, parágrafo único, a, da Lei n. 4.717/65, a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou. A incompetência torna anulável o ato, autorizando sua convalidação.

Cabe frisar que quando falamos nas más condutas praticadas pelos agentes públicos no exercício de suas atribuições, a responsabilidade recai sobre o Estado.

Dessa forma é:

Dever estatal de ressarcir particulares por prejuízos civis e extracontratuais experimentados em decorrência de ações ou omissões de agentes públicos no exercício da função administrativa. Os danos indenizáveis podem ser materiais, morais ou estéticos (Mazza, 2014, p.309).

Apesar da legislação e dos princípios prezar por uma administração justa e proba, existem diversos empecilhos a serem enfrentados no ambiente estatal. A corrupção e a má gestão dos administradores estão, infelizmente, enraizados na sociedade brasileira.

Nesse sentido, um dos mais relevantes princípios trazidos pela CRFB/1988, é o da impessoalidade, onde o administrador deve atuar sem concessão de privilégio a determinado administrado, partindo do pressuposto que a administração pública “não tem rosto”, atuando sem prejudicar ou privilegiar pessoas determinadas.

Segundo Motta (2020) a administração deve se ater para solucionar as necessidades e demandas sociais, uma vez que, a interferência na alteração das demandas prejudica diretamente os cidadãos e as práticas democráticas.

Em suma, há muito o que ser enfrentado para que a atuação da administração pública, ou seja, atuação dos administradores para com seus administrados, seja revestida de respeito à ética, probidade, lealdade e boa-fé, sobretudo na atuação política.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da análise desenvolvida ao longo deste estudo, conclui-se que os princípios representam a base normativa mais significativa do Direito Administrativo, especialmente por se tratar de um ramo não codificado e de estrutura normativa dispersa. Esses princípios, tanto constitucionais quanto infraconstitucionais, desempenham funções estruturantes, interpretativas e integradoras do ordenamento jurídico, sendo essenciais para garantir a legalidade, a moralidade e a eficiência na atuação da Administração Pública.

O estudo teve por objetivo apresentar os princípios basilares que orientam a atividade administrativa, refletir sobre sua importância prática e teórica, e examinar os obstáculos que dificultam sua concretização na rotina estatal. Verificou-se que os princípios constitucionais, como legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, e os infraconstitucionais, como razoabilidade, proporcionalidade, segurança jurídica e motivação possuem eficácia normativa plena, orientando e condicionando os atos administrativos.

Todavia, observou-se que a efetividade desses princípios encontra resistência no cotidiano da Administração Pública, em razão de fatores como a desorganização estrutural, o favorecimento pessoal, o desvio de finalidade, o uso político de cargos públicos e a ineficiência na prestação dos serviços. Tais entraves refletem o distanciamento entre o dever-ser normativo e a realidade administrativa, comprometendo a legitimidade da atuação estatal e a confiança da sociedade nas instituições públicas.

Dessa forma, reafirma-se a necessidade de fortalecimento da cultura jurídica e institucional voltada à aplicação concreta dos princípios administrativos, com vistas a garantir a supremacia do interesse público e a proteção dos direitos fundamentais dos administrados. É essencial que os agentes públicos, no exercício da função administrativa, atuem com base na legalidade, na ética, na eficiência e na responsabilidade, contribuindo para uma gestão pública transparente, acessível e voltada ao bem comum.

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Portanto, a consolidação de uma Administração Pública verdadeiramente republicana e democrática depende não apenas do reconhecimento teórico dos princípios administrativos, mas da internalização prática de sua força normativa como instrumentos de controle, justiça e transformação social. Posto isto, sua aplicação efetiva é, em última instância, assegurar o respeito à Constituição e à dignidade da cidadania.


REFERÊNCIAS

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Abstract: This study focuses on reflecting on the importance of applying administrative principles in the daily life of the state, as well as analyzing the obstacles that hinder their effective implementation in the routine of the Public Administration. Thus, the article's main objective is to discuss the obstacles faced in the practical application of these principles. Furthermore, based on bibliographic research, supported by the contributions of authors such as Celso Antônio Bandeira de Mello, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Alexandre Mazza, among others, the article aims to: present the basic principles, of a constitutional and infra-constitutional nature, that guide the actions of the Public Administration; report the importance of the effective application of these principles as instruments of control, efficiency and administrative justice; and, finally, describe the main obstacles to the implementation of the normative mandates by public management. Among the problems experienced in the daily life of the state, the following stand out: administrative disorganization, practices contrary to morality and impartiality, in addition to the deficiency in the observance of legality and efficiency. It is concluded that strengthening the legal and institutional culture focused on the effectiveness of these principles is essential for building a more ethical, transparent and effective Public Administration.

Key words: principles; importance; public administration; obstacles.

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Sobre as autoras
Layssa Graziella Soares Costa

Graduanda no curso de Direito da Unimontes, Montes Claros/MG.

Carla Eduarda da Silva Monção

Graduanda no curso de Direito da Unimontes, Montes Claros/MG.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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