A recente condenação do humorista Léo Lins a mais de oito anos de prisão por piadas consideradas ofensivas reacende um debate crucial, e perigosamente negligenciado, sobre os limites da liberdade de expressão no Brasil. O espetáculo “Perturbador”, apresentado em 2022 e amplamente divulgado no YouTube, foi o cerne da controvérsia. Segundo a decisão do Tribunal Federal de São Paulo, as falas do comediante teriam extrapolado os limites do tolerável, supostamente configurando discurso de ódio contra diversos grupos minoritários.
Contudo, o que a sentença ignora, e o que o bom senso jurídico clama por recordar, é a existência do animus jocandi, expressão latina que representa a intenção de fazer humor, de satirizar e provocar riso, sem a finalidade de ofender ou agredir. Trata-se de um elemento subjetivo fundamental na análise penal da conduta de artistas, que, inclusive, encontra guarida nos princípios constitucionais da liberdade artística e da livre manifestação do pensamento. Ao desprezar esse instituto, a sentença que condena Léo Lins comete grave distorção da hermenêutica jurídica, tratando o humor como se fosse manifestação dolosa de ódio, desconsiderando a moldura cênica e satírica do espetáculo.
A liberdade de expressão, como direito fundamental assegurado pela Constituição da República (art. 5º, incisos IV, VI, IX e XIV), constitui um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Embora não seja absoluta, e deva ceder diante de violações concretas à dignidade humana, sua limitação exige rigorosa demonstração de necessidade, adequação e proporcionalidade, sob pena de se instaurar a censura moral travestida de proteção a direitos difusos. A sentença, ao não observar esse crivo, reduz o riso à condição de crime e o artista ao status de delinquente, instaurando um precedente obscuro: a criminalização do incômodo.
O humor, por sua essência, é instrumento de crítica social e transgressão simbólica. A comédia de palco, muitas vezes carregada de sarcasmo e acidez, não deve ser confundida com apologia à violência ou incitação ao ódio. Como já apontava Norberto Bobbio, “o maior perigo para a liberdade de todos é o zelo excessivo na defesa da sensibilidade de alguns”. O direito penal não pode ser instrumento de tutela de suscetibilidades subjetivas, tampouco de imposição de um moralismo estatal.
A condenação de Léo Lins, mais do que um veredito jurídico, é um sinal da crescente fragilização do espírito democrático, onde a opinião divergente e o humor disruptivo passam a ser julgados não pela lei, mas por tribunais morais compostos por vozes indignadas — e seletivamente ofendidas. A defesa da liberdade de expressão não implica endossar o conteúdo de todas as manifestações, mas sim reconhecer o direito de que elas existam, sob pena de sufocarmos a pluralidade que alimenta qualquer sociedade livre.
Quando o riso é silenciado pelo medo, a liberdade se torna refém da intolerância, e o Direito, um instrumento de vingança travestido de justiça.