Em boa hora, Papa Leão XIV nos acena com a renovação da proteção ao capital e ao trabalho.
A história do Direito do Trabalho é, antes de tudo, uma história de conquistas. Desde Villermé – que, segundo a obra de Délio Maranhão, questionava a remuneração estapafúrdia de oito xelins (equivalentes a oito centavos) por dia do trabalhador nos primórdios da Revolução Industrial (sem as indispensáveis revisões salariais) – até a inserção das normas trabalhistas na Constituição Federal, temos, assim, uma série de direitos inaugurados com desenvoltura durante o governo Getúlio Vargas. No rol de direitos defendidos, temos o artigo 9º da CLT, inspirado na “Carta del Lavoro” italiana, diploma que, paradoxalmente, também defendia a preservação de direitos dos trabalhadores.
A evolução da legislação brasileira, graças ao governo de Getúlio Vargas, nasceu correta, sob a forma de uma “Consolidação das Leis do Trabalho”, porque sua natureza legislativa implica constante modificação.
Imaginem os senhores e as senhoras se a Consolidação das Leis do Trabalho fosse denominada Constituição Federal e possuísse tantas modificações quanto a atual Constituição Federal. A Constituição outorgada de 1967, com a Emenda Constitucional nº 1 de 1969, sofreu 26 emendas, levando o ex-Presidente da OAB, Raimundo Faoro, paladino da democracia, a criticar veementemente a denominada “colcha de retalhos”. Por isso, a CLT é, por natureza jurídica, uma consolidação, e não um código, que seria, este sim, mais rígido e teoricamente mais permanente.
Temos aqui, então, uma consolidação das leis do trabalho com vocação para atualização permanente, o que difere, portanto, da necessidade de atualização constante da atual Constituição Federal, cuja plasticidade ainda é alargada por interpretações, temas, repercussões etc., que, segundo o autor, vandalizam seu teor – sem dúvida, emendada 144 vezes – e, como dizem algumas correntes de juristas, sob forte poder do legislador e, em paralelo, do Judiciário.
Sem dúvida, as alterações constantes da Constituição Federal criam, assim, um paradoxo: torna-se necessário conferir uma visão constitucional aos seus preceitos, ao seu alcance, gerando uma interpretação mais ampla do que o texto literal poderia sugerir inicialmente.
Defendendo esta tese, o insigne e eterno jurista Carlos Maximiliano lembra que “interpretatio cessat in claris”. Logo, por corolário, as legislações brasileiras, diante de tantas interpretações sumuladas e sucessivas, estão dominadas por redação prolixa, complexa e colidente com outros dispositivos legais e constitucionais. Isso significa dizer que nosso legislador é deficiente e não preparado tecnicamente ou, ainda, que a enxurrada do nosso ordenamento jurídico o tornou um tsunami de interpretações jurídicas que inclusive colidem entre si – como entre o E. TST e o E. STF em sede trabalhista –, lembrando tais divergências a impossibilidade, ainda que provisória, de uma composição harmônica entre o STF e o TST, assim como – com exagero comparativo, permissa venia – entre a antiga URSS e a Ucrânia. Mas esta é a imagem resultante.
Curiosamente, os processos trabalhistas parecem não valorizar os Recursos de Revista como forma de acesso ao E. STF, ao qual, por ser Corte Constitucional, não seria dado o mesmo tipo de ‘judicial review’ aplicável a outras matérias, preferindo-se, metaforicamente, fazer dos processos uma obra de Sísifo.
Um sistema mais rápido, mais eficaz e que tumultuaria menos o volume absurdo de processos julgados quer pelo E. TST, quer pelo E. STF, seria desejável. A existência de Súmulas, repositórios etc., servem de filtro trabalhista e constitucional, que ainda espera, a qualquer dia, o “TEMA DE INTERPRETAÇÃO” sobre o “TEMA” ou o “TEMA DO TEMA”.
Conclui-se, portanto: ou o nosso legislador é incompetente, ou as versões do intérprete são flexíveis ao longo do tempo, de acordo com a (in)flexibilidade da legislação.
Curvo-me à última hipótese. A flexibilidade e a constante modificação da legislação levam as convicções arraigadas à sua maior plasticidade e ajuste pelas Cortes Superiores, diante da realidade social que se pretende converter, ainda que subvertendo o direito natural.
Sendo assim, sob tal apanágio, o poder normativo e sumular – que construiu a Súmula 21 do TST, a qual se opunha à demissão do empregado e sua admissão fraudulenta em caráter sucessivo – veio, ao sabor do tempo, a culminar com seu cancelamento, embora a jurisprudência ainda preveja tais condutas em casos esporádicos como lesivas à relação de emprego. São situações raramente denunciadas pelos empregados, no afã de continuarem o novo período fraudulento do contrato de trabalho, quando são recontratados em baixas condições de vínculo. Esta diáspora da antiga relação de emprego ocorre também nas fraudes trabalhistas de empresas sucedidas, em que a fraca atuação da Justiça Obreira causou a percepção de que os ônus devem ser suportados somente pela empresa sucessora. É a mesma lógica existente com relação às subempreitadas, cuja locação de mão de obra pretende abolir a “locatio operarum” pela “locatio operis”.
O sentido da norma, ou sua interpretação teleológica, com muita coragem e com arrimo nas disposições do artigo 114 da Constituição Federal, erigiu a competência da Justiça Especializada como um prumo. Este separa, de um lado, a competência constitucional (aliás, sempre controversa com relação à matéria de índole processual) e, de outro, nega-se a atribuição e competência para matéria infraconstitucional, alijando-a e denominando-a como de índole processual e, portanto, sem motivações ou relevância de natureza constitucional.
Essa forma de análise conferiu à Excelsa Corte a atribuição para dirimir questões de natureza tida como constitucional, desde que o direito objetivo fosse o amálgama enfrentado nos processos trabalhistas e possuísse índole constitucional. Tais divergências criaram um território de “terras raras” de relevância constitucional, ou seja, até mesmo uma “repetição em Recursos de Revista” ou recursos repetitivos com índole processual, uma vez que a discussão sobre competência, seja esta de ordem trabalhista ou não, vem sendo delimitada pelo STF.
A tese da Suprema Corte parece residir em que a pejotização é um arranjo contratual lícito (ou implicitamente um direito constitucional em certas leituras). Contudo, a dignidade humana é um direito constitucional que não admite exceções que expurguem a regra das relações de trabalho, tornando a “locatio operis” a regra, em lugar da “locatio operarum”.
A natureza jurídica da “pejotização”, mesmo sob a alcunha de relação de trabalho autônoma, não deveria subverter a proteção inerente à “locatio operarum” quando esta é a realidade fática, transformando-a em mera “locatio operis”.
Há, assim, um ato de coragem e firmeza da Justiça obreira contra o retrocesso pregado e sustentado sob o falso signo de evolução trabalhista, que nada mais é do que um retrocesso às conquistas sociais dos trabalhadores ao longo do século.
Logo, se um empregador pretende alterar uma “locatio operarum” para “locatio operis”, a primeira perspectiva que se vislumbra é a da fraude trabalhista contida no artigo 9º da CLT, verbis:
“Art. 9º – Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.”
Nos dizeres do brilhante doutrinador Américo Plá Rodriguez:
“O princípio de proteção se refere ao critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho, pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador.
E nquanto no direito comum uma constante preocupação parece assegurar a igualdade jurídica entre os contratantes, no Direito do Trabalho a preocupação central parece ser a de proteger uma das partes com o objetivo de, mediante essa proteção, alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes.”
(RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Fac-similada. São Paulo: LTr, 2000, p. 35. Citado por SILVESTRE, Dimas Cucci. O Princípio da proteção na esfera trabalhista. Jusbrasil, 4 abr. 2019. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-principio-da-protecao-na-esfera-trabalhista/694274902).
Repita-se mais uma vez: o Trabalhador.
A prova desse sistema está na sucessão de súmulas trabalhistas. Como bem anotado e ensinado em curso de pós-graduação pelo insigne Desembargador Professor Tibau, as súmulas trabalhistas visam, em sua maioria, à proteção do trabalhador. As decisões, por seu turno, visam ao equilíbrio da legislação em sua aplicação, impondo, assim, o respeito e o impedimento ao retrocesso, a fim de que a humanidade não viva sob torrencial e lamentável escravidão.
Neste caso, temos que distinguir estes institutos desde o Direito Romano como sendo “locatio conductio rei, operis vel operarum”.
Para Vólia Bonfim Cassar, após o Código de Hamurabi, que dispôs sobre trabalho livre e arrendamento de salário, encontraremos, muito tempo depois, no Direito Romano, o nascimento do arrendamento da coisa (“locatio conductio rei”), que se subdividia em: a) Locatio conductio operis e b) Locatio conductio operarum. (CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 11ª Edição, p. 13).
Abordemos, ainda, a Lei nº 13.467/2017, que diminui ou retira o poder das normas de proteção em nome de uma maior autonomia contratual, individual ou coletiva.
No rol dos princípios violados, encontramos a primazia da realidade, a pessoalidade, o caráter oneroso. Sim, porque o artigo 9º reputa como fraude trabalhista a intenção nesse sentido.
Há, sobretudo, a tentativa de mascarar a SUBORDINAÇÃO, pois, na realidade, o empregador frequentemente controla totalmente tal atividade.
A PEJOTIZAÇÃO de longa data já vinha sendo compreendida pelo entendimento majoritário das cortes trabalhistas, há décadas – a exemplo do trabalhador que labuta com RPA (Recibo de Pagamento de Autônomo) – como FRAUDE TRABALHISTA (como se colheria em jurisprudência que seria citada abaixo – não fornecida no texto original).
Não creio nesse viés, sob o novo rótulo de “modernidade”, do Excelso Pretório, que parece validar a pejotização com relevo à atividade-fim, mas não consegue modificar a natureza jurídica da prestação de serviços do contrato individual de trabalho.
Há uma veiculação de natureza não híbrida na pejotização da atividade laboral. Esta forma de contratação, se admitida como exceção, somente seria, em tese, viável para o “trabalho intermitente” previsto no artigo 443, parágrafo terceiro, da CLT. E, mesmo assim, jamais de forma pacífica ou majoritária.
Comparativamente, apenas para fins de especulação argumentativa, dir-se-ia que no trabalho intermitente há subordinação e que, portanto, sua aplicação não seria admissível na espécie.
A nova legislação jamais terá o condão de revogar o artigo 9º da CLT, porque seria o mesmo que subentender revogado o princípio da primazia da realidade.
É, sem dúvida, equivocado – e até mesmo uma interpretação que beira um entendimento sem raízes trabalhistas, emitido por visão alienígena ao Direito do Trabalho – homenagear o vínculo de pejotização no Direito do Trabalho, o que rompe totalmente com os princípios basilares das relações de trabalho.
É, sem dúvida, uma fraude trabalhista no ordenamento jurídico. Uma revogação da CLT com novas nuances e características da relação de emprego protegida pelo constituinte, que cai neste cadafalso da Idade Média, e não do modernismo.
A aceitação pacífica de suas vertentes e nuances nos torna uma sociedade morna, que será vomitada (Apocalipse 3:15-17) se nos omitirmos diante dessa verdadeira COVARDIA.
Creio que agora, em face de tal entendimento, as decisões que retiram competência da Justiça do Trabalho funcionam como um “certiorari” do STF, onde nenhum dos Juízes da Excelsa Corte tem formação originariamente trabalhista e não consegue, sem dúvida, aquilatar a temeridade de tais decisões contra a República Brasileira e seu ordenamento jurídico trabalhista.
O Tempo e o caos social nas relações trabalhistas, em muito pouco tempo, para infelicidade das famílias brasileiras, o dirão. Sem dúvida, estamos em rota de franco retrocesso trabalhista.
As teorias sobre a natureza jurídica do contrato de trabalho (contratual, propriedade, institucional) e suas implicações atuais nos assustam.
Colhemos na “Rerum Novarum”, Encíclica do Papa Leão XIII, in verbis:
“Os Socialistas, para curar este mal, instigam nos pobres o ódio invejoso contra os que possuem, e pretendem que toda a propriedade de bens particulares deve ser suprimida, que os bens dum indivíduo qualquer devem ser comuns a todos, e que a sua administração deve voltar para os Municípios ou para o Estado. Mediante esta transladação das propriedades e esta igual repartição das riquezas e das comodidades que elas proporcionam entre os cidadãos, lisonjeiam-se de aplicar um remédio eficaz aos males presentes. Mas semelhante teoria, longe de ser capaz de pôr termo ao conflito, prejudicaria o operário se fosse posta em prática. Pelo contrário, é sumamente injusta, por violar os direitos legítimos dos proprietários, viciar as funções do Estado e tender para a subversão completa do edifício social.”
“O quantitativo do salário dos operários
Passemos agora a outro ponto da questão e de não menor importância, que, para evitar os extremos, demanda uma definição precisa. Referimo-nos à fixação do salário. Uma vez livremente aceite o salário por uma e outra parte, assim se raciocina, o patrão cumpre todos os seus compromissos desde que o pague e não é obrigado a mais nada. Em tal hipótese, a justiça só seria lesada, se ele se recusasse a saldar a dívida ou o operário a concluir todo o seu trabalho, e a satisfazer as suas condições; e neste último caso, com exclusão de qualquer outro, é que o poder público teria que intervir para fazer valer o direito de qualquer deles.
Semelhante raciocínio não encontrará um juiz equitativo que consinta em o abraçar sem reserva, pois não abrange todos os lados da questão e omite um deveras importante. Trabalhar é exercer a actividade com o fim de procurar o que requerem as diversas necessidades do homem, mas principalmente a sustentação da própria vida. 'Comerás o teu pão com o suor do teu rosto'. Eis a razão por que o trabalho recebeu da natureza como que um duplo cunho: é pessoal, porque a força activa é inerente à pessoa, e porque a propriedade daquele que a exerce e a recebeu para sua utilidade; e é necessário, porque o homem precisa da sua existência, e porque a deve conservar para obedecer às ordens incontestáveis da natureza. Ora, se não se encarar o trabalho senão pelo seu lado pessoal, não há dúvida de que o operário pode a seu bel-prazer restringir a taxa do salário. A mesma vontade que dá o trabalho pode contentar-se com uma pequena remuneração ou mesmo não exigir nenhuma. Mas já é outra coisa, se ao carácter de personalidade se juntar o de necessidade, que o pensamento pode abstrair, mas que na realidade não se pode separar. Efectivamente, conservar a existência é um dever imposto a todos os homens e ao qual se não podem subtrair sem crime. Deste dever nasce necessariamente o direito de procurar as coisas necessárias à subsistência, e que o pobre as não procure senão mediante o salário do seu trabalho.
Façam, pois, o patrão e o operário todas as convenções que lhes aprouver, cheguem, inclusivamente, a acordar na cifra do salário: acima da sua livre vontade está uma lei de justiça natural, mais elevada e mais antiga, a saber, que o salário não deve ser insuficiente para assegurar a subsistência do operário sóbrio e honrado. Mas se, constrangido pela necessidade ou forçado pelo receio dum mal maior, aceita condições duras que por outro lado lhe não seria permitido recusar, porque lhe são impostas pelo patrão ou por quem faz oferta do trabalho, então é isto sofrer uma violência contra a qual a justiça protesta.”
“Mas, sendo de temer que nestes casos e em outros análogos, como no que diz respeito às horas diárias de trabalho e à saúde dos operários, a intervenção dos poderes públicos seja importuna, sobretudo por causa da variedade das circunstâncias, dos tempos e dos lugares, será preferível que a solução seja confiada às corporações ou sindicatos de que falaremos, mais adiante, ou que se recorra a outros meios de defender os interesses dos operários, mesmo com o auxílio e apoio do Estado, se a questão o reclamar.”
A pejotização, portanto, tem por escopo a proletarização do trabalhador, sua socialização, impedindo-o de ter acesso aos parâmetros de dignidade.
Quanto maior a dignidade, melhor será o acesso à educação, ao conhecimento, ao consumo, à produção, ao crescimento e ao desenvolvimento. A “luta de classes”, na visão do autor, visa apenas à formação de uma “nomenclatura”, uma classe privilegiada que brilha nas trevas do socialismo, onde a igualdade nivelada por baixo aproxima, tal qual em “Les Misérables” de Victor Hugo, a pobreza, pela inércia criminosa de sindicatos politizados e coniventes.
A pejotização é um artifício contra o recolhimento do INSS e do FGTS. É um arquétipo a que se dá o nome de “modernização”, sem conseguir remover os princípios de uma Encíclica como a “Rerum Novarum”, que no dia de “Pentecostes” – que o autor situa em 8 de junho de 2025 – nos remete, com o amor do Divino Espírito Santo, ao clamor pela dignidade do trabalhador, tão iludido e tão enganado pelo legislador pátrio.
Que o espírito da “Rerum Novarum”, sempre atual, rejuvenesça de verdade a pujança trabalhista, sem os desvios de uma falsa modernidade, que, na verdade, transforma os trabalhadores em modernas bestas humanas, num “de volta ao futuro” da escravidão, sem a imprescindível proteção do Direito do Trabalho na relação harmônica entre o Capital e o Trabalho. Que Deus proteja ambos.