1. INTRODUÇÃO
No período de 9 a 13 de junho, teremos em Nice na França a Terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano (UNOC3), evento que reúne os principais dirigentes das Nações do mundo, incluindo o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, frente a preocupação com a proteção ao Oceano, grande corpo de água salgada que cobre a maior parte da terra e é fundamental para o equilíbrio do ecossistema que garante a vida no planeta terra. Como acontece em momentos dessa natureza, a UNOC3 vem acompanhada de eventos em paralelo como o One Ocean Science Congress, o Blue Economy and Finance Fórum e o Ocean Rise & Coastal Resilience Coalition, entre outros, espaços públicos que reúnem especialistas (pesquisadores, professores, militantes sociais, gestores públicos, ativistas, representantes de povos e grupos que vivem do Oceano) para discutir a questão e formular propostas que serão analisadas para os Chefes de Estado.
A participação dos ambientalistas e a mobilização da opinião pública nesses momentos é fundamental para que se tenha um saldo positivo dessas Conferências. A democracia, a cidadania e a dignidade da pessoa humana dependem da vigilância cidadã da sociedade civil organizada, formada pelo conjunto de Organizações da Sociedade Civil (OSC) que dão "voz" ao conjunto da sociedade e cumprem um papel fundamental na defesa dos Direitos relacionados a melhoria da condição humana e preservação da Natureza em nosso planeta. É importante difundir o máximo possível o risco que vivemos em relação a uma nova extinção em massa dos seres humanos do planeta terra, por condições criadas pelos seres humanos. O planeta já não consegue se regenerar e é preciso rever urgentemente o modelo de desenvolvimento.
É como nos diz Ailton Krenak, "no passado o ser humano via a terra como sagrada, mas, o domínio sobre a agricultural, os metais, a tecnologia, fez com que o ser humano se torna-se arrogante, utilizando a Natureza como um recurso inesgotável e, pior que isso, sem adotar os cuidados com a sua autorregeneração". O mesmo acontece com o Oceano (na perspectiva global) ou oceanos (considerando as regiões oceânicas e suas singularidades) que está ou estão enfrentando diversas ameaças como a poluição plástica, drama que a humanidade enfrenta pelo despejo de milhões de toneladas de plástico no Oceano, descartadas nos mares todos os anos. Sacolas, garrafas pet, redes de pesca, microplásticos e nano plásticos, ameaçam a fauna marinha e entram na cadeia alimentar de nós seres humanos, trazendo uma série de consequências.
O Oceano cobre mais de 70% da superfície terrestre e é responsável por regular o clima, nos proteger das "mudanças climáticas", abrigar imensa biodiversidade e fornecer alimentos, empregos, renda, recursos essenciais à humanidade. Nos últimos anos, agravaram-se as ameaças à integridade marinha, tornando urgente a articulação entre ciência, governança internacional e justiça ambiental. Nesse contexto, a Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano e discussões sobre temas como a preservação da Natureza, combate ao câmbio climático e a economia azul ganham destaque na geopolítica ambiental global, com repercussões locais, como é o nosso caso no Território Metropolitano de Salvador, especialmente, as cidades de Camaçari e Salvador.
A presente análise articula os elementos centrais desses debates com a perspectiva dos Direitos da Natureza - tema que estamos estudando com afinco ao ponto de ser convidado a integrar a equipe de expert do Programa das Nações Unidas Harmony with Nature, que aponta a urgência de um novo paradigma jurídico - ecológico e bioinspirado - que reconheça os ecossistemas como sujeitos de direito. Não podemos esquecer aqui a perspectiva trazida por Marina Silva, Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, expressada pelo colega Julio César de Sá Rocha, no livro O que é sustentabilidade.
2. A CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O OCEANO: CONTEXTO E IMPORTÂNCIA
Em minhas orações diárias, peço a todos os santos, anjos, orixás e seres de luz que iluminem os Chefes de Estado, gestores públicos e empresários, para que reflitam sobre os prejuízos que podem causar ao planeta terra, prejudicando o Direito das futuras gerações. Quando vejo minhas filhas no ensino médio preocupando-se com o acesso a Universidade e meus sobrinhos e sobrinhas realizando seus cursos superiores, chego ter um frio na barriga porque não sei o que esperar dos próximos 50 anos. Minha luta agora é por uma Justiça geracional, que proteja os Direitos das gerações presentes e futuras, pois, não temos o direito de deixar tantos problemas para as futuras gerações, se temos consciência dos impactos causados. Sei que é um problema cultural, de falta d educação cidadã, mas, isso só pode ser corrigido no médio e longo prazo.
Quanto a importância da UNOC3, a necessidade dessas Conferências não comporta divergência, os documentos produzidos nesses encontros servem de baliza para as decisões tomadas por cada Estado. Criada com o objetivo de impulsionar a implementação da Agenda 2030 e os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente, o ODS 14, a UNOC3 busca unir lideranças globais para proteger e utilizar de forma sustentável os mares e seus recursos. Após as edições de Nova Iorque (2017) e Lisboa (2022), a terceira Conferência sobre o Oceano acontece na França sob coorganização da França e Costa Rica.
A Conferência sobre o Oceano destaca-se por seu caráter multissetorial, participativo, mobilizando governos, empresas, universidades, povos indígenas, comunidades tradicionais, locais e sociedade civil organizada para debater soluções baseadas em ciência, tecnologia e inovação, cooperação internacional e financiamento climático. De fato, chegamos em um momento que a ideia de "aldeia global" está mais forte do que nunca, pois as condutas de um povo atingem a toda humanidade em escala global. Depois da Pandemia do Coronavírus (Covid 19), as Nações Unidas perceberam o risco que estamos correndo e tem trabalhado em formar uma consciência global.
3. OCEANO E DIREITOS DA NATUREZA
Os Direitos da Natureza são um avanço civilizatório que exige o rompimento com a lógica extrativista e antropocêntrica que ainda temos no Direito Ambiental. Pensar em como preservar o ecossistema do planeta terra é uma questão fundamental, que deve se sobrepor a outros debates que estão acontecendo, centrados na lógica da dominação. Precisamos entender que o ecossistema está interligado, o reconhecimento do Oceano como sujeito de direito implica no dever jurídico de sua proteção intrínseca, independentemente de seu valor econômico ou utilitário.
Essa abordagem desafia a economia tradicional e coloca a Natureza - incluindo os Oceanos - como um bem comum, sagrado e interdependente com os Direitos Humanos. Em síntese: "Não há Direitos Humanos sem Direitos da Terra", como enfatizamos em nossos trabalhos. É preciso superar visões egoístas, nacionalistas, privatistas e irracionais na defesa da sobrevivência da espécie humana.
4. A PARTICIPAÇÃO DO BRASIL NAS COFERÊNCIAS OCEÂNICAS
O Brasil tem se mostrado presente nesse espaço público da Conferência do Oceano, mas sua atuação ainda carece de protagonismo técnico, político e científico, em que pese, no campo do Direito Internacional temos grandes especialista ajudando em questões importantes. O Brasil possui uma das maiores zonas econômicas exclusivas do mundo - a chamada Amazônia Azul - com mais de 5,7 milhões de Km2, os avanços em políticas públicas marinhas são limitados.
A título de esclarecimento a Amazônia Azul é uma imensa zona marítima sob a jurisdição brasileira, que se estende por aproximadamente 5,7 milhões de km2 ao longo da costa atlântica, abrangendo o mar territorial, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental estendida. Rica em biodiversidade marinha, recursos minerais, energéticos e pesqueiros, essa área estratégica é comparada à Amazônia continental pela sua importância ecológica, econômica e geopolítica.
A Amazônia Azul abriga ecossistemas sensíveis como recifes de corais, bancos de algas, manguezais e importantes rotas de navegação, sendo fundamental para a soberania nacional, segurança alimentar, desenvolvimento sustentável e a proteção da vida marinha. Diante das crescentes ameaças como poluição, exploração predatória e mudanças climáticas, torna-se essencial fortalecer políticas públicas e ações de conservação para garantir a integridade e a sustentabilidade desse patrimônio do povo brasileiro.
A Bahia e seu litoral estão na Amazônia Azul. O litoral baiano, com mais de 1.100 km de extensão, faz parte da zona econômica exclusiva (ZEE) do Brasil no Oceano Atlântico, que integra a chamada Amazônia Azul. Isso significa que o estado tem acesso a uma área marítima estratégica, rica em biodiversidade, pesca, recursos minerais, energéticos (como petróleo e gás natural) e ecossistemas marinhos como recifes de coral e manguezais.
Além disso, portos importantes como o de Salvador, Aratu e Ilhéus fazem parte dessa região, contribuindo para a economia marítima do estado e do país. Por isso, a Bahia desempenha um papel relevante na defesa, exploração sustentável e preservação da Amazônia Azul e os municípios precisam estar informado e atuar na preservação de seus direitos e de toda a sociedade.
A ausência de métricas precisas, dados e informações. A fragmentação institucional e a lenta adesão à agenda de economia azul sustentável dificultam o cumprimento dos compromissos internacionais assumidos pelo país.
5. PRINCIPAIS AMEAÇAS AOS OCEANOS E A CRISE DOS NANOPLÁSTICOS
Os oceanos estão sujeitos a diversas formas de degradação, muitas das quais causadas diretamente por atividades humanas.
Bilhões de toneladas de materiais plásticos, como sacolas, garrafas e redes de pesca, são despejadas nas águas marinhas todos os anos. Esses resíduos prejudicam animais que os ingerem ou ficam presos neles. Os nanoplásticos – partículas microscópicas derivadas da degradação do plástico – representam uma ameaça invisível e persistente à vida marinha, à cadeia alimentar e à saúde humana. Partículas se acumulam na cadeia alimentar e já foram detectadas em peixes, moluscos e no corpo humano. Sua eliminação requer mudanças na produção e consumo, além de investimentos em gestão e eliminação de resíduos.
O óleo resultante de acidentes com navios petroleiros ou plataformas de extração adere ao corpo dos animais e contamina seus habitats. A eutrofização, causada pelo excesso de nutrientes — principalmente nitrogênio e fósforo da agricultura e do esgoto — favorece o crescimento descontrolado de algas. Quando essas algas morrem, seu processo de decomposição consome o oxigênio da água, criando zonas onde poucos organismos conseguem sobreviver.
Há ainda perturbações físicas que afetam os ecossistemas marinhos. A destruição de habitats costeiros, como manguezais, recifes de coral e pradarias submarinas, ocorre com frequência devido à expansão urbana, à exploração industrial e ao turismo sem controle. O ruído submarino, provocado por navios, sonares militares e operações de perfuração, interfere na comunicação, orientação e comportamento de espécies como baleias e golfinhos. O tráfego marítimo intenso também apresenta riscos, tanto pela possibilidade de colisões com grandes animais marinhos, como as baleias, quanto pela introdução de espécies exóticas via água de lastro, o que pode desequilibrar ecossistemas locais.
No campo da exploração de recursos, a pesca predatória em larga escala, associada a métodos destrutivos como redes de arrasto, reduz populações de peixes, afeta cadeias alimentares e provoca a morte de animais capturados acidentalmente.
As mudanças climáticas também causam o aquecimento das águas, que tem contribuído para o branqueamento de corais e modificado a distribuição de espécies marinhas. A acidificação, resultado da absorção de dióxido de carbono pela água, altera o pH do oceano e compromete a formação de estruturas calcárias em organismos como moluscos, plâncton e corais. Além disso, a elevação do nível do mar vem transformando áreas costeiras e reduzindo zonas de reprodução de várias espécies aquáticas.
6. POPULAÇÕES TRADICIONAIS E ECONOMIA AZUL
Milhões de pessoas ao redor do mundo vivem dos recursos marinhos, incluindo pescadores artesanais, comunidades costeiras e povos indígenas. A Economia Azul – entendida como o uso sustentável da economia do mar – precisa reconhecer esses sujeitos como protagonistas da conservação. Na perspectiva que defendemos, a justiça oceânica só será possível com a inclusão ativa desses grupos nos processos decisórios, garantindo acesso aos territórios, respeito às práticas tradicionais e partilha justa dos benefícios.
A governança dos oceanos requer ação coordenada entre países, especialmente na regulação da pesca ilegal, controle da poluição e criação de áreas marinhas protegidas. A Conferência de Nice propõe o fortalecimento de tratados e o financiamento de projetos que integrem desenvolvimento sustentável e justiça climática. É fundamental garantir que os compromissos internacionais não fiquem restritos a declarações de intenção, mas se traduzam em políticas públicas e mecanismos de responsabilização.
A Economia Azul é um conceito relativamente recente que visa equilibrar crescimento econômico com sustentabilidade ecológica. Envolve setores como pesca, turismo, biotecnologia marinha, energia renovável e transporte marítimo. Apesar de promissora, essa abordagem enfrenta obstáculos como a falta de dados e métricas, desigualdade na distribuição dos recursos e riscos de apropriação corporativa sem garantia de justiça socioambiental.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Década da Ciência dos Oceanos (2021–2030) foi proclamada pela ONU para promover o conhecimento científico e orientar políticas públicas baseadas em evidências. A Conferência de 2025 será um marco ao reunir iniciativas como o Painel Internacional sobre Sustentabilidade dos Oceanos e o Blue Economy and Finance Forum. Espera-se que a ciência desempenhe papel estratégico não apenas na geração de dados, mas na construção compartilhada de soluções junto às comunidades locais e gestores públicos.
A proteção dos oceanos está intrinsecamente ligada à justiça climática, segurança alimentar e direitos dos povos tradicionais. A articulação entre os Direitos da Natureza, a governança oceânica e a Economia Azul apontam para a necessidade de um novo pacto ecológico global, baseado na cooperação, solidariedade e equidade.
Nossa perspectiva é de ampliar esse debate ao reivindicar uma ética dos oceanos centrada na reciprocidade e interdependência entre todos os seres vivos. Que a Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos em 2025 seja, de fato, um ponto de inflexão rumo a um futuro onde mares, rios e populações costeiras sejam respeitados como sujeitos de direito.
REFERÊNCIAS
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