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Tributação dos ganhos no exterior

09/06/2025 às 14:22
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A Lei nº 14.754/2023 tributa rendas de brasileiros no exterior com alíquota de até 22,5%. Essa regra afronta o princípio da territorialidade e pode gerar bitributação internacional?

A Medida Provisória nº 1.171/2023 instituiu a tributação progressiva de rendas auferidas no exterior por pessoas físicas residentes no País.

Até a renda anual de R$ 6.000,00, a alíquota é de 0%; superior a R$ 6.000,00 até R$ 50.000,00, a alíquota é de 15%; e superior a R$ 50.000,00, a alíquota é de 22,5%.

Na época, posicionamo-nos pela inconstitucionalidade dessa tributação extraterritorial, porque a legislação brasileira não pode alcançar situações ocorridas no estrangeiro.

O Congresso Nacional não teve interesse em apreciar a aludida medida provisória, que acabou caducando.

O mesmo governo, que timbra por fantásticas despesas seguidas de fenomenal aumento tributário, reinstituiu a tributação dos ganhos auferidos no estrangeiro, sancionando a Lei nº 14.754, de 12 de dezembro de 2023, fazendo com que o Brasil se posicione como um país que mais tributa no mundo, se levado em conta os pífios serviços públicos prestados à população em geral. A alíquota dessa tributação extraterritorial é de 15% (art. 2º, § 1º da Lei nº 14.754/2023).

Este governo progressista e gastador, que herdou um superávit de R$ 59,7 bilhões do governo anterior, conseguiu a façanha de cavar um déficit de R$ 230,5 bilhões no primeiro ano de seu governo, o que equivale a 2,12% do PIB. Como se explica uma coisa dessas?

A pretexto de firmar parceria com a China levou, no início de 2025, um séquito de turistas composto por 1.000 pessoas, todos eles contemplados com cartões corporativos que se prestam às despesas pessoais nebulosas, que o TCU não consegue fiscalizar e controlar. Tantas pessoas em “missão comercial” mais atrapalham do que ajudam.

A taxação de rendas auferidas no exterior, segundo a explicação do governo gastador, tem por objetivo impedir que capitalistas nacionais façam aplicações nos países de baixa tributação.

Pergunta-se, por que não baixar o nível de tributação no Brasil? O que afugenta o capital nacional é exatamente a tributação escorchante que embute mais de 50% nos preços das mercadorias e dos serviços.

Com a tributação baixa incrementaria a produção de riquezas, bem como elevaria o nível de emprego fazendo com que a receita tributária se eleve consideravelmente.

Mas, aqui a lógica não funciona. Governante míope adota a política de “tribute mais antes que acabe”.

A mesma maldade criativa foi usada para aumentar a arrecadação, por via do simpático instrumento normativo, que isentou os rendimentos de até R$ 5 mil mensais. Perdeu R$ 26 bilhões com a isenção e compensou com aumento tributário que supera três vezes a perda da receita de R$ 26 bilhões.

Essa tributação extraterritorial é sustentada pelo governo perdulário e parte da doutrina especializada com a substituição do princípio da territorialidade pelo princípio da universalidade da renda, também, conhecido como princípio da renda mundial.

Outrossim, essa tributação de base global, segundo a mesma fonte, atenderia melhor ao princípio da isonomia, porquanto os que atuam no mercado interno e os que fazem aplicações no exterior seriam tratados de forma igual.

A Lei sob exame quer, na verdade, abolir a liberdade de escolha do contribuinte de aplicar os seus recursos financeiros onde melhor atender a seus interesses.

Essa tributação, que afronta o princípio da territorialidade, imanente em todo e qualquer ordenamento jurídico, vai de encontro aos princípios informados da ordem econômica expressos no art. 170 da CF.

O grande mal dessa tributação de base global é que pode ensejar bitributação, ou até mesmo puritributação internacional.

Diga-se, a bem de verdade, que o mundo caminha para a integração dos mercados internos e externos que fortalece a tese da tributação universal de rendas.

Entretanto, é preciso que a ordem jurídica internacional adote mecanismos que evitem a tributação da mesma renda por duas ou mais vezes, pois isso atentaria contra o princípio maior da razoabilidade.

Concluindo, uma forma de evitar a bi ou tritributação é a de circunscrever essa tributação de base universal no âmbito dos países com os quais o Brasil mantém tratado de não bitributação, cujas normas pairam acima das normas internas, nos precisos termos do art. 98. do CTN:

“Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.”

Por isso, o art. 115 do RIR dispõe que “a dedução do imposto pago no exterior depende de acordo para evitar bitributação”.

O Brasil mantém acordo para evitar bitributação apenas com 24 países mencionados no Ato Declaratório Cosit nº 31, de 10/9/1998, dentre os quais não figuram os Estados Unidos, onde se concentram grande parte das aplicações financeiras por brasileiros residentes no País.

Dessa forma, o alcance da tributação referida no art. 2º da Lei nº 14.754, de 12/12/2023, fica restrito ao âmbito dos 24 países com os quais o Brasil mantém acordo para evitar a bitributação.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Texto publicado no Migalhas, edição nº 6.084, de 23-4-2025.

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