Sumário: Introdução. 1. Direito fundamental à prova. 2. Exibição de documentos e o procedimento comum no CPC. 3. Ação de exibição: natureza satisfativa e autônoma. 4. Benefícios da via eleita e ausência de prejuízo processual. 5. Juizados Especiais: compatibilidade com exibição de documentos. 5.1. Exibição não é procedimento especial. 5.2. Exibição não é tutela antecedente de urgência. Conclusão.
Introdução
Quando surge uma dúvida sobre uma relação jurídica, é comum que a parte interessada recorra, em um primeiro momento, às vias extrajudiciais para obter os documentos necessários à elucidação dos fatos. Somente diante da recusa ou do insucesso dessas tentativas é que a parte resolve acionar o Judiciário.
No entanto, quando não há certeza sobre a existência ou a extensão do direito, a formulação direta de pedidos sem o prévio acesso aos documentos pode ser imprudente.
O Código de Processo Civil indica a ação de exibição de documentos, instrumento processual para viabilizar o acesso a informações relevantes sem que haja necessidade de formular simultaneamente os pedidos de eventual demanda principal.
Ao viabilizar a análise prévia da situação, a exibição de documentos pode até mesmo demonstrar que não há irregularidades, tornando desnecessário o ajuizamento de outra ação.
Trata-se de medida que favorece a segurança jurídica e a eficiência jurisdicional, possibilitando a adequada formação do convencimento sobre a existência e os contornos do direito invocado, antes de qualquer discussão sobre o mérito dos demais pedidos.
Contudo, os Juizados Especiais Cíveis têm frequentemente se declarado incompetentes para apreciar e julgar ações de exibição de documentos, sob o argumento de que se trataria de procedimento especial, incompatível com o rito estabelecido pela Lei nº 9.099/95.
Não raro, argui-se a incompetência do Juizado, com base no art. 51, II, da Lei nº 9.099/95:
Art. 51. Extingue-se o processo, além dos casos previstos em lei:
II - quando inadmissível o procedimento instituído por esta Lei ou seu prosseguimento, após a conciliação;
O presente artigo visa demonstrar o pleno cabimento da ação de exibição de documentos nos Juizados Especiais Cíveis sob a égide do Código de Processo Civil de 2015.
1. Direito Fundamental à Prova
A pretensão de exibição de documentos encontra amparo no direito fundamental à prova, corolário do direito de acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF). A efetividade do acesso ao Judiciário pressupõe a possibilidade de a parte produzir ou obter as provas necessárias à demonstração de seu direito.
Nesse viés, reconhece-se modernamente a existência de um "direito autônomo à prova", que legitima a parte a demandar judicialmente a obtenção de elementos probatórios essenciais à proteção de seu direito material, independentemente da existência de litígio prévio ou concomitante. A ação de exibição de documentos pode servir, assim, para o exercício desse direito autônomo.
2. Exibição de documentos e o procedimento comum no CPC
No Código de Processo Civil de 1973, a exibição de documento ou coisa estava elencada tanto no capítulo das "Provas" (arts. 355. a 363), no Livro I (Processo de Conhecimento), quanto nos "Procedimentos Cautelares Específicos" (arts. 844. e 845), no Livro III (Processo Cautelar). Assim, mesmo quando se tratava de ação cautelar (procedimento preparatório), o CPC/1973 expressamente remetia, no que coubesse, ao procedimento descrito no processo de conhecimento (art. 845).
Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, a exibição de documento ou coisa passou a ser regulada exclusivamente no capítulo das "Provas" (arts. 396 a 404) do título do "Procedimento Comum" do Livro I (Processo de Conhecimento).
O art. 396 do CPC/2015 dispõe que o juiz pode ordenar que a parte exiba documento ou coisa que se encontre em seu poder. Portanto, trata-se de um pedido para produção de prova, que pode ser formulado tanto de forma autônoma quanto incidentalmente.
Por sua vez, o art. 318 do CPC/2015 estabelece que o procedimento comum se aplica a todas as causas, salvo disposição em contrário.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que "convivem a ação de conhecimento autônoma e a produção antecipada de provas, sem prejuízo, é claro, da exibição como meio probatório produzido no curso do processo" (REsp 1803251/SC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, DJe 08/11/2019).
Destarte, a ação que visa a exibição de documentos sob a égide do CPC/2015 configura-se como uma ação de conhecimento autônoma, submetida ao procedimento comum.
3. Ação de exibição: natureza satisfativa e autônoma
A simplicidade procedimental é um benefício característico do pedido de exibição de documentos formulado de forma independente.
Com efeito, compete ao juiz ordenar a exibição de documento em poder da parte contrária, na formas dos art. 396 e seguintes. Não o fazendo injustificadamente, a parte requerida se sujeita às medidas indutivas e demais consequências estampadas no art. 400.
Portanto, a ação de exibição é autônoma, não dependendo, necessariamente, do ajuizamento de uma ação principal futura. Possui natureza satisfativa, pois sua finalidade se exaure na apresentação dos documentos.
Essa visão é corroborada pelo seguinte julgado da 8ª Turma Recursal de Belo Horizonte:
“evidencia-se, na presente ação de exibição de documentos, a natureza satisfativa, pois a pretensão da parte está consubstanciada no direito de ter acesso a documentos (...). De tal modo, uma vez reconhecido o direito da parte ao exame desses dados e determinado a quem os detém que os exiba em juízo, resta atingida a finalidade da prestação jurisdicional, sendo irrelevante o ajuizamento ou não de ação principal. Assim, (...) afasta-se a preliminar de incompetência do Juizado Especial Cível”
(TR/BH, Rec. n. 024.05.763343-0, Rel. Juiz André A. Siqueira).
Esta natureza reforça a compatibilidade do rito de exibição com o procedimento célere e simplificado dos Juizados Especiais Cíveis, como se verá adiante.
4. Benefícios da Via Eleita e Ausência de Prejuízo Processual
A instrumentalidade das formas recomenda o uso da via mais simples e adequada à tutela do direito, evitando formalismos excessivos que onerem o acesso à justiça.
A exibição de documentos promove a economicidade e a eficiência, pois pode fornecer subsídios para a solução célere de eventual litígio futuro ou mesmo resolver a controvérsia.
Ademais, a opção pela ação de exibição de documentos é uma demonstração de boa-fé processual, evitando a propositura de ações principais temerárias.
Para a parte requerida, assegura-se a ampla defesa, seja pela apresentação dos documentos, seja pela justificativa da impossibilidade de fazê-lo.
5. Juizados Especiais: compatibilidade com exibição de documentos
A Lei nº 9.099/95, que rege os Juizados Especiais, orienta-se pelos princípios da efetividade, oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade (art. 2º). Esses postulados visam afastar formalismos que retardem a prestação jurisdicional, buscando uma justiça mais acessível e ágil.
A compatibilidade da ação de exibição com o JEC pode ser demonstrada a partir da análise dos pontos a seguir expostos.
5.1. Exibição não é Procedimento Especial
Alguns juízos afastam a exibição de documentos apontando que o Enunciado nº 8 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais (FONAJE) dispõe que "as ações cíveis sujeitas aos procedimentos especiais não são admissíveis nos Juizados Especiais".
Contudo, a exibição de documentos é tratada nos arts. 396 a 404 do CPC/2015 como providência probatória, inserida no procedimento comum (ou sumaríssimo, no JEC). Não se confunde com os procedimentos especiais (inventário, usucapião, possessórias etc.), que possuem ritos complexos, incompatíveis com a sistemática dos JECs.
5.2. Exibição não é Tutela Antecedente de Urgência
Por vezes, os Juizados apontam o Enunciado nº 163 do FONAJE, que estabelece que "os procedimentos de tutela de urgência requeridos em caráter antecedente, na forma prevista nos arts. 303 a 310 do CPC/2015, são incompatíveis com o Sistema dos Juizados Especiais".
Ocorre, porém, que a ação de exibição autônoma, fundamentada nos arts. 396 a 404 do CPC, produz efeitos definitivos e autossuficientes, não exigindo posterior pleito de estabilização da tutela ou aditamento, como ocorre com as tutelas antecedentes.
Portanto, a via da ação autônoma de exibição segue o procedimento comum (ou sumaríssimo), tornando-a compatível com os Juizados Especiais e não incidindo nas vedações dos Enunciados nº 8 e 163 do FONAJE.
Apenas como reforço argumentativo, é importante mencionar que o Enunciado nº 26 do FONAJE admite que "são cabíveis a tutela acautelatória e a antecipatória nos Juizados Especiais Cíveis". Tal enunciado sinaliza a aptidão dos Juizados Especiais para processar e julgar demandas que visem assegurar direitos, como é o caso da ação de exibição que busca o fornecimento de documentos relevantes para a verificação de conformidade de condutas ou para a eventual tutela do direito material pelas vias adequadas.
Conclusão
A ação autônoma de exibição de documentos, com sua natureza satisfativa e probatória, processada sob o rito comum do CPC (ou sumaríssimo no JEC), é compatível com o microssistema dos Juizados Especiais Cíveis. As interpretações que buscam afastar sua admissibilidade com base nos Enunciados nº 8 e 163 do FONAJE carecem de melhor técnica, uma vez que estes se referem a institutos processuais distintos (procedimentos especiais e tutela antecedente de urgência), não alcançando a ação de exibição ora discutida.
O reconhecimento do seu cabimento nos Juizados Especiais respeita a legislação processual vigente e prestigia os princípios fundamentais da celeridade, economia processual, simplicidade, informalidade e, crucialmente, do efetivo acesso à justiça.